• Carregando...
Carros de luxo, jet ski e desculpas esfarrapadas: os detalhes da Quadro Negro
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

A intensa sucessão de operações policiais, denúncias e condenações envolvendo figuras políticas de destaque parece nos deixar insensíveis para os detalhes de cada esquema de corrupção. Olhando no atacado, perdemos as minúcias: o comportamento de corruptos e corruptores; falhas perigosas nas rotinas burocráticas; e o destino de cada tostão que foi desviado do estado.  As 460 páginas da primeira sentença da Operação Quadro Negro que foi publicada no dia 10 de setembro fornecem bom material para essa análise mais intimista do esquema que desviou dinheiro que deveria ir para a construção de escolas estaduais no Paraná.

De modo geral, pelo que revelaram os delatores e pelo que atestou o juiz Fernando Fischer, o esquema funcionava da seguinte forma: a Construtora Valor disputava licitações do governo do Paraná com preços muito abaixo dos concorrentes para garantir sua vitória já tendo acordado aditivos à obra que compensariam essa redução inicial do preço. A segunda etapa do esquema era usar parte do dinheiro desviado dos aditivos para financiar campanhas eleitoras do ex-governador Beto Richa (PSDB). A parte que envolve o tucano foi delatada e denunciada pelo Ministério Público do Paraná, mas não foi contemplada na recente sentença porque Richa só foi denunciado após deixar o cargo e, consequentemente, o foro privilegiado.

O corrupto no espelho

O primeiro detalhe curioso contido na sentença é o modo como Eduardo Lopes de Souza, dono da Valor e figura central do esquema, se disse “vítima do sistema político”, portanto não agiu dolosamente ao desviar dinheiro, repito, da construção de escolas. É difícil entender a construção mental que leva um sujeito que admitiu ter praticado seguidos atos criminosos para desviar dinheiro público e que usou esses recursos para comprar imóveis e carros de luxo a se considerar vítima de algo de que na verdade é beneficiário.

Minha despretensiosa tese sobre esse comportamento é que um corrupto nunca se vê como tal. O bandido é sempre o outro. Autoindulgentes, olham para seus crimes sempre com alguma justificativa, como se estivessem ali sem querer, por acaso, ou como se o objetivo dos desvios fosse um bem de tal dimensão que justificasse o caminho torto.

LEIA MAIS: A insatisfação paranaense com a União no dia em que o RJ abocanhou dinheiro do pré-sal

A argumentação de Eduardo Lopes de Souza foi rechaçada pelo juiz.

“Sua condição pessoal e grau de instrução permitem concluir que era plena a capacidade de reconhecer o injusto e de agir de outro modo, uma vez que não havia nenhuma coação ou outro fator externo que o induzisse a cometer os delitos, a não ser a sua ganância e a busca de aumentar seu patrimônio”, escreveu Fischer.

A mesquinhez

Outro ponto particularmente revoltante desse caso é o destino do dinheiro desviado. Além de campanhas políticas, os recursos que ficaram com o empreiteiro foram usados para comprar carros de luxo, entre eles, um Porsche 911 Carrera, um Audi SQ5 e uma Mercedes-Benz A45. Com o dinheiro também compraram jet skis e imóveis na praia, que foram colocados em nome do filho de Eduardo Lopes de Souza. No fim das contas, é difícil fugir da conclusão de que dinheiro público que deveria ir para a educação de crianças pobres bancou carrões e jet skis para a diversão do filho de um corrupto.

 A falha da burocracia

Boa parte das estruturas do estado que o tornam grande e lento existem em nome do controle dos atos da administração pública. Em tese, seguidas à risca, as etapas do processo administrativo garantem a lisura das ações do estado independentemente das intenções e do caráter das pessoas envolvidas. No caso da Quadro Negro, entretanto, más práticas dentro do governo do Paraná abriram espaço para desvios. É inconcebível pensar que engenheiros responsáveis pela fiscalização das obras preenchiam relatórios sem ir aos canteiros. Isso permitiu que a construção evoluísse no papel sem que um único tijolo fosse assentado na vida real. Não consigo pensar em comentário mais certeiro que o do próprio juiz do caso.

“Essas atribuições [do cargo] deixam cristalino que é dever do engenheiro que fiscaliza a obra comparecer à obra. Parece óbvio, até porque é óbvio, mas algumas defesas insistem na ideia de que o procedimento de emitir e assinar um relatório de vistoria de obra sem ver a obra é correto”, sentenciou Fischer.

VEJA TAMBÉM: Três obras no Paraná que terão dificuldades em avançar em 2020

Essas vistorias de olhos fechados foram interrompidas uma única vez, segundo a decisão de Fischer, quando o engenheiro e fiscal “Lauro Aldo Goldbach se insurgiu contra a absurda prática de assinar relatórios em desacordo com o que estava sendo executado”. “Se ele o fez, os demais engenheiros também poderiam”, escreveu o juiz. A estabilidade do servidor público, afinal, está aí para sustentar esse tipo de atitude.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]