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O sarampo voltou com tudo – e ainda está sendo ignorado
| Foto: Felipe Lima

O sarampo é uma ameaça atual à saúde da população, mas nem o poder público nem a sociedade como um todo estão engajados de fato em combater a doença. Após 20 anos sem registro da doença no Paraná, foi registrado um caso na Região Metropolitana de Curitiba no início de agosto de 2019. Em poucas semanas, centenas de casos se alastraram pela capital paranaense.

Segundo o boletim mais recente da Secretaria de Estado da Saúde (23/01), foram confirmados 787 casos desde agosto passado. Desses, 476 em Curitiba (60%). Não é um problema isolado: 13 estados brasileiros e o Distrito Federal confirmaram 2.710 ocorrências de sarampo de setembro a 14 de dezembro, dos quais 973 na cidade de São Paulo.

As autoridades de saúde elencam alguns fatores para o retorno da doença, que ocorre em todo o mundo, mesmo em países desenvolvidos: falhas no serviço de imunização; falta de campanhas de conscientização; descaso e despreocupação dos jovens adultos com uma doença com a qual não conviveram; despreparo dos jovens médicos em reconhecer sintomas dessa doença que se considerava erradicada; e movimentos contra a vacinação.

Como repórter, acompanhei em postos de saúde mães que levaram bebês para vacinar com atraso. Em um dos casos, a menina de 1 ano e meio estava com a carteira desatualizada desde os 4 meses de vida. A mãe alegou que depois da volta ao trabalho não tinha tempo para levar a criança na unidade de saúde no horário comercial. A equipe de enfermagem a acolheu, mas em privado comentou que isso não é justificativa, que é possível pegar uma declaração para comprovar ao empregador a ausência.

Claro que cabe aos pais zelar pela saúde dos filhos, e quem deixa de vacinar os seus acaba colocando em risco os demais: a baixa cobertura vacinal abre brechas para os vírus agirem. Não é por menos que decisões judiciais Brasil afora têm determinado a vacinação de crianças mesmo quando isso atenta contra convicções pessoais dos pais – os genitores não podem privar seus filhos do direito fundamental à saúde. A exigência da carteira de vacinação nas matrículas escolares também “incentivou” a atualização da carteirinha.

Entretanto, há outras maneiras mais eficazes de promover a vacinação em dia, na idade certa, preventivamente. A sociedade poderia agir mais, se informando, procurando os serviços de saúde, denunciando falhas. A iniciativa privada poderia oferecer a vacinação aos trabalhadores, e conscientizar sobre a importância da imunização para toda a família, como muitas empresas responsáveis fazem. Mas é o poder público que realmente deve fazer mais.

Várias cidades estão com postos de saúde abertos até as 22 horas, para facilitar o acesso da população – mesmo agora em janeiro, mês de férias: Recife (PE), Vila Velha (ES) e algumas cidades-satélites do Distrito Federal, por exemplo. Não é uma decisão fácil: para que um equipamento público fique aberto em um terceiro turno, é preciso garantir equipes, financiamento e gestão. O governo federal está fazendo sua parte, dando auxílio financeiro via o programa Saúde na Hora.

Curitiba já teve dezenas de postos funcionando até as 22 horas, na gestão de Gustavo Fruet. Por um lado, o serviço facilitava o acesso da população. Entretanto, eram constantes as queixas sobre falta de médicos, equipes e insumos, além da insegurança. Em 2017, Rafael Greca acabou com o terceiro turno, e apostou em ferramentas tecnológicas para tentar aumentar a efetividade dos serviços públicos de saúde.

Coincidência ou não, a cobertura vacinal contra o sarampo (duas doses da tríplice viral) caiu nos últimos anos em Curitiba. Entre 2013 e 2016, os dados disponíveis no Datasus indicam piso de 97,27% e teto de 112,66% de cobertura; em 2017, o índice foi a 86,52%, passando a 90,41% em 2018 e se recuperando para 97,62% em 2019, após uma campanha mais intensa de vacinação. Os dados estão disponíveis aqui.

A imunização da população é uma obrigação compartilhada entre os entes, e há como melhorar em todas as frentes. O governo federal precisa cuidar da distribuição de vacinas. Desde o fim de 2019, há relatos de falta da pentavalente (que protege da difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e meningite bacteriana) em Curitiba e outras cidades. Por sua vez, o Palácio Iguaçu poderia seguir o exemplo do governo do Rio de Janeiro que, preocupado com os casos de sarampo em 2019 (373), decidiu fazer uma campanha de vacinação de 13 de janeiro a 13 de março.

Prefs x sarampo

A prefeitura de Curitiba também poderia fazer mais. Se não for possível a ampliação de horário nos postos, pode ao menos intensificar a campanha pela vacinação, caprichando na comunicação oficial – feita sobretudo pelas redes sociais. Em agosto de 2019, quando foi notificado o primeiro caso de sarampo em Curitiba, o perfil da “prefs” no Facebook compartilhou postagem sobre a necessidade de vacinação. Repetiu o feito quando da segunda ocorrência e depois disso silenciou sobre o número de casos – que já são 459.

Nem mesmo a campanha nacional de vacinação contra o sarampo mereceu mais do que uma postagem. A primeira fase do Dia D (19/10), com abertura dos postos no sábado, foi anunciada em duas publicações; e a segunda fase do Dia D (30/11), em apenas uma. Por outro lado, a abertura do evento de Natal na Praça Santos Andrade, com uma roda-gigante, mereceu cinco postagens na semana que a antecedeu, incluindo um vídeo com transmissão ao vivo. Aliás, essa é a nova postura adotada pela prefeitura no Facebook: foco em notícias positivas.

Desde outubro, quando foi anunciado o credenciamento de creches para 2020, assunto que gerou forte repercussão negativa, o Executivo restringiu a publicação de informações sobre serviços públicos de saúde, educação e transporte. Fica a torcida para que a prefeitura mude esse posicionamento e cumpra sua parte para evitar um surto de grandes proporções na cidade.

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