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Rami Malek, Olivia Colman, Regina King e Mahershala Ali, vencedores dos prêmios para atores do Oscar 2019; a Academia incluirá critérios de “diversidade” para o prêmio de melhor filme.
Rami Malek, Olivia Colman, Regina King e Mahershala Ali, vencedores dos prêmios para atores do Oscar 2019; a Academia incluirá critérios de “diversidade” para o prêmio de melhor filme.| Foto: Starfrenzy/Bigstock

Parece um filme de Hollywood. Não é um filme de Hollywood. A partir de 2024, só haverá indicação ao Oscar de melhor filme para obras que promovam a “diversidade”. Existem quatro exigências que a Academia divulgou. Os filmes devem obedecer a pelo menos duas. Não vou cansar o leitor com seu conteúdo. Simplificando, da trama aos atores, dos diretores aos técnicos, sem esquecer os roteiristas, a ideia é atingir um determinado porcentual de representação das minorias. Caso contrário, adeus Oscar.

Eu prefiro dizer: adeus, arte. Não é grave. Fora de Hollywood, haverá cinema em abundância para consumir. Como diria Humphrey Bogart, teremos sempre Paris. Só estranho a forma eufórica como a medida foi recebida pelos profissionais da sétima arte, eles que serão as primeiras vítimas da nova ortodoxia.

Será que não entendem que a existência de um código ideológico sancionatório é uma ameaça à liberdade criativa? E que dificilmente encontrarão trabalho, pelo menos nos grandes estúdios, se não se submeterem ao chicote da “diversidade”?

Tentar impor uma única concepção do mundo em matéria artística não é um gesto pluralista ou justo. É uma repetição das tristes experiências estéticas do século 20

O ponto, ao contrário do que imaginam os novos zelotes, não está em gostar ou desgostar da real diversidade. Muito menos em gostar ou desgostar da justiça que ela deseja promover. Pessoalmente, prefiro viver numa sociedade mais pluralista e justa a viver numa tribo homogênea e radicalmente iníqua.

O ponto é outro: tentar impor uma única concepção do mundo em matéria artística não é um gesto pluralista ou justo. É uma repetição das tristes experiências estéticas do século 20. Lemos as diretrizes da Academia, em particular a determinação de que a trama do filme deve se centrar em minorias raciais, sexuais ou étnicas, e lembramos de imediato os prêmios da velha União Soviética. Quem não respeitasse os cânones do realismo social podia dizer adeus a uma carreira. Ou, então, optar pelo exílio, antes que a Sibéria batesse à porta. Com o fascismo, a mesma coisa. Quantos artistas e escritores “decadentes” não tiveram de abandonar a Alemanha porque se recusavam a aceitar as imposições do ministro Goebbels em busca de uma cultura finalmente ariana?

Eis a moral da história: a verdadeira arte é sempre destruída quando a política mete a pata.

Mas o novo código de Hollywood não é apenas um atentado à liberdade artística. É uma exibição de virtude que não sobrevive a certos fatos. Um deles lida com a relação cada vez mais próxima entre Hollywood e Pequim. Informa a revista Economist que, em 2005, a China representava US$ 275 milhões no faturamento da indústria de cinema. Em 2019, representou US$ 10 bilhões. De igual forma, o número de salas de cinema no país passou de 4 mil para 70 mil no mesmo período. Depois do mercado americano, o mercado chinês é o segundo pulmão da indústria.

Isso significa, em termos práticos, que o regime ditatorial de Pequim tem uma palavra importante, e por vezes decisiva, sobre o conteúdo dos filmes americanos que são exibidos na China. Não falo apenas da proscrição de temas heréticos, como Tiananmen, Taiwan e Tibete (nenhum dos grandes estúdios se atreve a tocar nesses três Ts). Falo de conteúdos mais anódinos, como cenas de nudez ou representação de figuras sacras, que são cortados com diligência e cobiça pela mesma indústria que gosta de vender virtude aos outros.

A verdadeira arte é sempre destruída quando a política mete a pata

Se a defesa da “diversidade” é para levar a sério, será preciso recordar que a China não é o melhor parceiro em matéria de democracia e direitos humanos? E, falando de minorias, será preciso lembrar o triste destino da minoria uigur, que apodrece nos campos de concentração de Xinjiang? Pelo visto, é preciso: a Disney esteve em Xinjiang para filmar Mulan, o blockbuster sino-americano de 2020. Estranhamente, não escutou nada e não viu nada.

Parafraseando George Orwell, todas as minorias são iguais, mas algumas são mais iguais do que outras. Se, por delirante hipótese, houvesse um filme sobre as tribulações dos muçulmanos uigures na China, ele até poderia cumprir todas as diretrizes de Hollywood. Mas jamais seria premiado pelo simples motivo de que jamais seria produzido.

Reacionários de esquerda ou de direita entendem que a arte deve servir à política do momento. Eu prefiro uma arte que sirva a individualidade de um criador. Se essa individualidade se preocupa com minorias, maiorias ou extraterrestres, é de secundária importância. Últimas modas nunca salvaram medíocres artistas.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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