• Carregando...
O cruzador Moscou, da frota russa do Mar Negro, pode ser visto no porto de Sebastopol (Crimeia) durante desfile que marcou o 69º aniversário da vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, 09 de maio de 2014.
O cruzador Moscou, da frota russa do Mar Negro, pode ser visto no porto de Sebastopol (Crimeia) durante desfile que marcou o 69º aniversário da vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, 09 de maio de 2014.| Foto: EPA/SERGEI ILNITSKY

O alegado ataque ucraniano que gerou um incêndio e incapacitou o cruzador Moscou, no Mar Negro, é uma grande vitória da Ucrânia no campo da propaganda e da moral. E a explicação para isso é simples e está no nome do navio de guerra: Moscou.

O leitor pode argumentar que trata-se apenas de um nome. Mas, a cidade de Stalingrado (hoje Volgogrado) também era apenas um nome durante a invasão nazista à Rússia na Segunda Guerra — e Stalin não poupou esforços para defendê-la. Estima-se que o custo disso foi de 1,1 milhão de baixas, entre mortos e feridos.

Uma comparação mais tênue pode ser feita com o encouraçado alemão Bismarck, que participou de apenas uma operação militar ofensiva na Segunda Guerra, mas foi um dos navios mais caçados pelos britânicos. Ao lado do Tirpitz, os maiores encouraçados da época na Europa, ganhou fama de imbatível, se tornou um troféu para seus inimigos e acabou afundado.

Curiosamente, o Moscou foi construído e batizado com o nome inicial de “Glória”, em 1976 no estaleiro do porto de Mykolaiv, o maior da Ucrânia, na época sob domínio soviético. Hoje, a cidade de Mykolaiv é a maior fortaleza ucraniana no sul do país e vem impedindo que as forças russas completem a conquista do litoral.

Ele foi reformado no ano 2000, rebatizado com o nome da capital russa e se tornou o navio capitânia da frota russa no Mar Negro. Ele viu ação na invasão russa da Geórgia em 2008, quando foi atingido por um míssil antes da capitulação georgiana, e na tomada da Crimeia em 2014, quando ajudou a impedir a esquadra ucraniana de deixar o porto. Em 2015, participou da Guerra da Síria, onde desempenhou papel de defesa antiaérea.

Em março, o navio tomou parte de um dos episódios mais simbólicos da resistência ucraniana na guerra: a tomada da Ilha da Cobra, no Mar de Azov. Segundo o jornal britânico The Guardian, teria sido um membro da tripulação do Moscou que, por rádio, ordenou que uma pequena guarnição ucraniana que defendia a ilha se entregasse. A gravação foi amplamente divulgada pelos ucranianos. Nela é possível ouvir os guardas discutirem um pouco entre si antes de um deles afirmar: “navio russo, vá se f…”

Primeiro, a Ucrânia afirmou que os guardas haviam sido dizimados por artilharia naval, mas depois veio à tona que os treze homens foram presos e depois acabaram libertados em uma troca de prisioneiros. O autor da frase, Roman Hrybov, foi condecorado pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.

Independentemente disso, a frase se tornou a principal peça de propaganda da guerra da Ucrânia. Ela está presente em placas de propaganda espalhadas pelas cidades, aparece em comerciais de TV, foi estampada em camisetas, capas de proteção de celular e adesivos de carros.

Mesmo antes do ataque ao cruzador, a capital russa vinha sendo representada na propaganda ucraniana por meio da imagem de uma cidade em formato de navio indo a pique.

Na quarta-feira, a Ucrânia afirmou ter atingido o Moscou com dois mísseis de cruzeiro Neptune. Eles são disparados de baterias costeiras posicionadas em caminhões e possuem alcance de até 280 quilômetros. A Ucrânia já possuía esse tipo de armamento antes do início da guerra.

A Rússia afirmou que o depósito de munições do cruzador Moscou explodiu após um incêndio e a tripulação foi evacuada. O Kremlin disse ainda que a embarcação foi seriamente danificada e que a causa do incêndio estava sendo investigada.

O governador de Odesa, Maksym Marchenko escreveu no Telegram: “Foi confirmado que o cruzador de mísseis Moscou hoje foi exatamente para onde foi mandado pelos nossos guardas de fronteira na Ilha da Cobra”.

Embora não haja imagens disponíveis do ataque, no campo da guerra informacional, o cruzador Moscou em chamas é uma alusão à própria capital russa - em chamas e evacuada. Embora estejamos longe disso no campo de batalha, sai fortalecida a mensagem de que a resistência ucraniana está frustrando os planos do presidente russo Vladimir Putin.

Assim, a guerra no campo informacional é importante (gerou a derrota americana no Vietnã, por exemplo), mas isso não significa que a Rússia esteja perdendo a Guerra na Ucrânia.

“Quem quer que tenha dito que a pena é mais forte que a espada obviamente nunca se deparou com armas automáticas”. A frase atribuída ao general americano Douglas MacArthur (1880-1964) parece fazer sentido no contexto atual. Por mais apoio político e elevação do moral que o episódio possa favorecer, a Rússia ainda tem superioridade numérica e tecnológica no campo de batalha - sem mencionar seu arsenal nuclear.

Por outro lado, o alegado ataque ao Moscou não é apenas uma vitória no campo informacional, mas também um avanço significativo na área militar, segundo disse o professor Michael Petersen, em entrevista à Radio 4, da BBC, nesta quinta-feira ,14. Ele é diretor de estudos marítimos da Rússia no Colégio de Guerra Naval dos Estados Unidos.

Segundo Petersen, ao perceber que a Ucrânia é capaz de fazer ataques dessa magnitude (mesmo tendo perdido sua Marinha na anexação da Crimeia em 2014), a Marinha da Rússia vai ter que passar a operar mais longe da costa ucraniana. Uma das consequências disso é que ficará mais difícil para a marinha russa fornecer apoio tático para ruas tropas terrestres, com tiros diretos contra as forças ucranianas.

Outra consequência é que os navios não poderão usar suas armas antiaéreas para proteger tropas terrestres russas no terreno. Essa proteção vai ter que ser proporcionada por baterias em terra - o que pode tornar mais difícil, por exemplo, operações terrestres contra Mykolaiv ou Odesa.

Contudo, a Marinha russa ainda pode desempenhar duas funções importantes: impedir a chegada de ajuda aos ucranianos pelo mar e fazer ataques de mísseis estratégicos — como os que destruíram uma refinaria e depósitos de combustível em Odessa recentemente.

A capacidade ucraniana de manter a esquadra russa longe da costa também deve ser elevada com a chegada de mísseis anti-navio Harpoon, prometidos na semana passada pelo primeiro-ministro britânico Boris Johnson durante visita a Kyiv.

Outro cenário possível é que, se o ataque ao cruzador Moscou for admitido pela Rússia, ele pode ter efeito simbólico similar ao episódio da Ilha da Cobra, mas dessa vez em benefício russo.

A letra Z, que foi usada para identificar blindados russos no terreno e evitar fogo amigo, se tornou no início da guerra um símbolo de apoio à campanha militar na Rússia. Logo depois, os funerais de militares despertaram nos russos o sentimento de dor e aumentaram o apoio ao governo Putin. O cruzador Moscou pode despertar o sentimento de vingança.

Até agora, apesar da importância estratégica da Ucrânia, a guerra vem sendo tratada pelo Kremlin como um conflito limitado, que não coloca em risco a sobrevivência da nação. Uma evidência disso é que os russos não estão levando suas armas mais avançadas para o campo de batalha.

Porém, na guerra de propaganda, o ataque ao cruzador pode ser interpretado como um ataque à própria nação russa. Isso pode não só intensificar o sentimento de vingança no povo russo, mas dar mais motivos para Putin escalar a intensidade da guerra.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]