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Ucraniana segura bandeira do país em protesto em frente à embaixada russa em Bangkok, na Tailândia
Ucraniana segura bandeira do país em protesto em frente à embaixada russa em Bangkok, na Tailândia| Foto: EFE/EPA/DIEGO AZUBEL

Saí da Ucrânia na última quarta-feira após dois meses de cobertura jornalística ininterrupta da guerra.

No ônibus que me levou de Lutsk para a fronteira com a Polônia, vi ainda muitas mulheres e crianças fugindo da guerra. Quando chegamos à fronteira em Dorohusk, ficamos horas em uma extensa fila formada por outros ônibus como o nosso e centenas de carros. A ONU estima que mais de 5,4 milhões de refugiados deixaram o país desde o início da guerra, em 24 de fevereiro.

Mas o movimento contrário, de retorno à Ucrânia, também vem crescendo. Ainda segundo a ONU, mais de 1 milhão de pessoas teriam retornado ao país - especialmente depois que as tropas russas se retiraram das proximidades da capital, no final de março.

Esse movimento de retorno ficou evidente quando cruzei a fronteira para o lado polonês. Uma fila de 10 quilômetros de veículos aguardava para entrar na Ucrânia. O volume de automóveis e caminhões me lembrou as filas de refugiados que se formaram do lado ucraniano no início da guerra.

O que mais chamou a atenção foi a quantidade de carros sendo levados em carretas para a Ucrânia - possivelmente uma tentativa da população de repor seus bens destruídos. Também havia máquinas agrícolas pesadas e um número incontável de caminhões repletos de produtos.

Ou seja, deixo o país em um momento em que as pessoas tentam retomar algum grau de normalidade em suas vidas. Ao mesmo tempo, as notícias da guerra começam a se repetir, como: “Lviv sofre bombardeio” ou “Falha nova tentativa de formar corredor humanitário para evacuar civis”.

Embora esse tipo de manchete possa passar ao leitor a noção de que a guerra se estabilizou, não é exatamente isso que se passa no terreno.

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Os ataques da Rússia estão cada vez mais intensos no leste e no sul da Ucrânia e a linha de frente ainda não se consolidou. Além disso, ainda paira a ameaça de que Moscou possa recorrer a armas nucleares táticas em uma eventual escalada do conflito.

Esperava-se inicialmente uma guerra de movimento, com conquistas rápidas de cidades. Mas o que se vê no campo de batalha é uma guerra de atrito - onde muito poder de fogo e mortes resultam em pequenas conquistas de território.

Em outras palavras, o tempo da guerra não corresponde ao tempo da mídia: enquanto o conflito aumenta de intensidade, baixa o interesse de uma parte dos leitores, já saturados de notícias de um campo de batalha longínquo.

Mas a coluna Jogos de Guerra vai continuar a cobertura dos detalhes da guerra na Ucrânia. O leitor da Gazeta do Povo interessado em temas militares vai continuar encontrando nestas linhas os desdobramentos estratégicos, políticos e diplomáticos do conflito. Especialmente as consequências geopolíticas e econômicas que desde fevereiro estão transformando o mundo que conhecemos.

Questão de grafia

Escrevendo de Wlodawa, uma cidade polonesa situada na tríplice fronteira com a Ucrânia e Belarus, aproveito para abordar uma questão de política e grafia: a forma de escrever os nomes das cidades da Ucrânia. Levado pelos acontecimentos diários da guerra, não havia tido tempo para discorrer sobre a questão até agora.

Principalmente por hábito e para facilitar o entendimento do leitor, vínhamos grafando o nome da capital ucraniana à maneira russa: Kiev. Era assim que ela aparecia nos mapas mais antigos, nos corretores ortográficos dos computadores, e nos velhos manuais de redação da imprensa brasileira, cheios de convenções e preciosismos.

Mas o mundo muda e penso que precisamos adotar abordagens mais pragmáticas. Ao menos desde que separatistas russos invadiram o leste da Ucrânia, o governo local vem difundindo dentro e fora do país o uso da língua ucraniana, e não da russa - embora ela esteja presente no cotidiano dos ucranianos. O presidente Volodymyr Zelensky só se pronuncia em ucraniano, mesmo em entrevistas à imprensa e mesmo dominando o inglês.

Como o nome das cidades ucranianas deixou de ser uma questão só de grafia para se transformar numa questão política, a imprensa ocidental passou a grafar os nomes das cidades de acordo com a língua do país que a controla. Assim, o nome da capital Kiev passou a ser grafada em ucraniano: Kyiv.

O mesmo vale para Odessa, que passa a ser Odesa. Já vínhamos nos referindo a algumas cidades por seus nomes ucranianos, como Lviv (Lvov em russo), Kharkiv (Kharkov) e Zaporizhzhia (Zaporozhzhia) e assim manteremos nas próximas reportagens.

A questão de Donbas (Donbass, em russo), onde estão as províncias de Donetsk e Luhansk, é mais complexa. Parte de seu território está nas mãos de repúblicas separatistas. Mas apenas a Rússia as reconhece com esse status internacionalmente. Por isso, creio que a melhor opção por ora é usar o nome ucraniano. É claro que isso pode mudar no decorrer da guerra, dependendo do sucesso da campanha russa.

Peço desculpas de antemão se estiver deixando passar alguma questão semântica ou histórica, mas o objetivo é apenas adotar algum tipo de padronização pragmática.

Novidades à vista

A tentativa dos ucranianos de retomar algum tipo de normalidade no país parece ser mais resignação do que otimismo. Ninguém se acostuma com bombardeios de mísseis ou acha normal que sua cidade vez por outra sofra ataques aéreos. O que parece ter passado foi o pânico inicial de uma invasão russa de larga escala em todo o país.

Mas isso não está descartado. No dia 9 de maio, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, comandará um grande desfile cívico em Moscou em comemoração ao dia em que os russos celebram o fim da Segunda Guerra Mundial.

Analistas ocidentais esperam que nessa data a Rússia deixe de chamar a guerra na Ucrânia de “operação militar especial” e assuma formalmente seu verdadeiro nome: guerra. Na prática, isso significaria o entendimento de que a campanha passa a ser uma questão de sobrevivência da Rússia e Putin destrava a possibilidade de intensificar a conscrição de soldados russos.

Outra possibilidade é que o Kremlin clame algum tipo de vitória no campo de batalha, como a anexação de províncias como Donetsk, Luhansk ou Kherson (a primeira grande região conquistada pela Rússia no início da guerra).

Há ainda a possibilidade de que nada de novo aconteça.

Mas enquanto especula-se sobre isso, a Rússia continua a invasão à siderúrgica de Azovstal, em Mariupol - o último reduto ucraniano na cidade -, em uma luta a curta distância, nos corredores subterrâneos do complexo. Ela pode se revelar no futuro uma das mais violentas da guerra.

Os canhões da artilharia também continuam soando em Donbas, entre avanços russos e contra-ataques ucranianos.

A possibilidade de, no dia 9 de maio, Putin se mostrar satisfeito com os ganhos até agora no campo de batalha e negociar um cessar-fogo parece cada vez mais remota.

Assim, os indícios apontam para uma guerra longa e um interesse cada vez menor das pessoas sobre ela.

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