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Comida e ativismo: Claudio Oliver
Ativista Claudio Oliver, 58 anos| Foto: Foto: Acervo Casa da Videira Arte: Daniel Narde

“Isso aqui é tudo comida”, avisa o ativista Claudio Oliver, 58 anos, ao mostrar os jardins da nova sede da ONG Casa da Videira – agora no bairro São Francisco, a não muitas quadras do Centro de Curitiba. A moradia – um sobrado à moda anos 1970 – fica numa área de mil metros quadrados, atrás do Cemitério Municipal. Não há pedaço de chão que não esteja ocupado por... alimento. “Hoje estamos preparando lasanha de peixinho”, avisa, um dedo apontado para a cozinha, outro para a planta miúda, a Stachyz byzantina, que cresce sem censura nos canteiros. Ao todo, desde a chegada – há um ano – os 12 membros da ONG cultivaram 85 espécies não convencionais, dessas pelas quais ninguém oferece nada. É com elas que dão uma banana para quem acha agricultura urbana uma conversa fiada. “Taioba, dália, beijinho... vai anotando aí”, dita Oliver.

Os vizinhos, claro, ficaram de rabo de olho quando a mudança descarregou. Em semanas, o imóvel tomado pelo mato, ex-QG do sisudo PRTB, teve os muros ocupados por mudas de tomates- -cereja, junto a pés de maracujás – um experimento, entre tantos. A casa da Videira é um laboratório sobre planta que namora com outra planta. E um chamariz de gente. Antes da pandemia, havia peregrinação dos simpatizantes para conferir as instalações. Em situações normais, saem dali com sacoladas de pães artesanais, kombuchas de erva-mate, gengibirras, queijos e – como não, faceiros por acabarem de pisar numa roça, sem precisar ir aos campos, o Magro e o Largo.

No início, a relações públicas informal da ONG, Débora Nunes Feniman, se encarregou de fazer as honras e quebrar o lendário gelo curitibano. Bateu palmas nos portões e explicou quem eram eles, os recém-chegados. Algo como duas famílias com filhos, seus agregados, unidos há 21 anos por afinidades humanitárias, religiosas e ambientais. Faixa etária? Dos 8 aos 89, todos em missão de paz e dedicados à boia, com tudo o que a palavra inclui: plantar, colher, preparar e sentar-se para comer. Uma linguagem universal.

O sobradão do São Francisco é o quinto código postal da Videira. Cada um forma um capítulo dessa história que bem poderia ser contada pelo Laurentino Gomes: “Como um dentista versado em Patrística, reuniu mulher, a filha e amigos para fazer do ora pro nobis a salvação da lavoura”. Para quem não sabe, o ora pro nobis é uma trepadeira espinhuda, de folha grossa e metida a cerca viva. Vale por uns bifinhos e se converteu na espécie símbolo desses ongueiros bons de garfo.

Quanto ao passado, uma Odisseia. Começou na Vila Fanny, em 1991: a Videira ficava num barracão que servia de praça ao pessoal do bairro. No Mossunguê, a sede de madeira assombrava os condomínios de luxo, ao se mostrar contrária ao consumo predatório. Foi punk, tanto que Cláudio e os seus se bandearam para Palmeira, no interior. Fizeram lá uma chácara-experimental. De volta, em Santa Felicidade – num antigo convento – radicalizaram: passaram a catar frutas e verduras do lixo do point gastronômico e a reciclá-las. Ali reinventaram o ratatouille. O São Francisco, por fim, é o mais perto do asfalto que se instalaram. Trata-se de uma decorrência natural do papel que lhes cabe: mostrar como é que se faz para comer, rezar e amar no meio da cidade. A revolução passa pelo prato.

Nesse quesito, Oliver é o cara. Raro no circuito alternativo quem não conheça esse fluminense refratário a definições. Protestante de formação, morre de amores pelo catolicismo. É leitor de Tolkien, C.S. Lewis e de Proudhon. Fez-se um bamba na obra do polímata Ivan Illich. Ouvi-lo a respeito é ver criador e criatura em passo de dança. Mas como o cotidiano resiste à utopia aplicada, graduou-se em Zootecnia e enfrenta ogros e agros para pôr no radar o assunto “comida”. Grilo Falante, tem energia para mover moinhos. É seu bom combate.

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