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Gravura do século 13 mostra estudiosos islâmicos em uma biblioteca da Casa da Sabedoria, em Bagdá.
Gravura do século 13 mostra estudiosos islâmicos em uma biblioteca da Casa da Sabedoria, em Bagdá.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

O genial político inglês Winston Churchill, falecido em 1965 com 91 anos, dizia que “não existe opinião públicaexiste opinião publicada”. Ou seja, grande parte das crenças e opiniões das pessoas não resulta de estudo, conhecimento e convicções fundadas no trabalho de observar, pesquisar e estudar, mas resulta de informações e análises feitas nas publicações faladas, escritas e televisionadas.

Significativa parte das opiniões das massas é formada por jornalistas e especialistas utilizados pelos meios de comunicação; e, como o ser humano é uma criatura antes emocional do que lógica, muito do que se compreende e se pensa sobre o mundo está eivado mais de paixões que de realidade factual devidamente estudada.

Em uma aula, mostrei material aos alunos sobre o desenvolvimento da ciência e filosofia na Idade Média e a contribuição dos povos árabes às descobertas e ao progresso da ciência e da vida intelectual. Falei também da contribuição dos mulçumanos à filosofia e à ciência e à construção de uma rica cultura islâmica.

Os sábios mulçumanos tinham enorme apreço pela filosofia de Aristóteles e, em certa medida, ajudaram a reabilitar o prestígio do filósofo grego que, hoje, é considerado um dos grandes gênios da humanidade

O Islã significa submissão à vontade divina, e é a religião originada na missão de Maomé (570-632 d.C.), que proporcionou também identidade cultural e unidade política a seus povos. Maomé pregava que a busca de conhecimento por meios racionais aproxima o homem da sabedoria divina, e dizia: “a busca do saber e da ciência é obrigação de todo mulçumano” – muçulmano é quem pratica a religião islâmica.

Com base nessa filosofia, o Islã incentivou o progresso científico por longo período que vai até o século 12. Os sábios mulçumanos tinham enorme apreço pela filosofia de Aristóteles e, em certa medida, ajudaram a reabilitar o prestígio do filósofo grego que, hoje, é considerado um dos grandes gênios da humanidade, e andou meio esquecido durante séculos.

Há também o caso de Al-Kindi, que viveu no século 9.º, nascido na região de Kufa, atual Iraque, e se notabilizou como um homem de grande talento na filosofia, matemática, medicina e música. Al-Kindi se antecipou ao filósofo Immanuel Kant (1724-1804) em uma questão importante: a possibilidade do conhecimento e os limites da capacidade humana de conhecer.

Al-Kindi se perguntou como o intelecto humano pode conhecer a essência das coisas se pelos sentidos só é possível perceber que elas existem. Essa indagação se constituiu na afirmação de Kant quanto à impossibilidade do conhecimento total das coisas, pois o homem tem somente os sentidos para captar a aparência (que ele chamou de fenômeno), nunca a “coisa em si” em sua totalidade. Para Al-Kindi, a inteligência e a razão são as ferramentas que recolhem as apreensões feitas pelos cinco sentidos e elaboram as leis das propriedades essenciais e acidentais da coisa.

Outro feito notável dos árabes para o progresso da ciência se deu na matemática. Os gregos eram bons na geometria, mas o mundo deve aos árabes a evolução do conhecimento na álgebra (palavra árabe), trigonometria, noção de logaritmos e a formidável invenção do zero. Tanto a invenção do zero quanto a organização das operações matemáticas por meio dos algarismos arábicos estão entre as mais importantes invenções da humanidade. Você já pensou se o mundo dispusesse somente dos algarismos romanos? Tenho a impressão de que isso teria atrasado o progresso da ciência e da tecnologia.

Na filosofia, vale lembrar o filósofo Abu Ali Huceine ibne Abdala ibne Sina (980-1037 d.C), nascido no Uzbequistão e falecido no Irá, que no mundo ocidental ficou conhecido por seu nome vertido para o latim: Avicena (talvez uma corruptela de Ali Sina). O mundo conseguiu preservar 240 tratados escritos por Avicena, em torno de 150 deles sobre filosofia e 40 em medicina, os quais se tornaram material didático na formação médica por muitos séculos.

Se o mundo conseguisse reduzir os confrontos e as brigas entre os povos e trocasse suas experiências e descobertas, a humanidade poderia estar em situação muito melhor

Outro que merece citação no campo da filosofia, física, medicina, direito e outras ciências é Averróis (1126-1198 d.C), nascido em Córdoba, região da Andaluzia, que era a Espanha mulçumana. Averróis foi um dos atores que fizeram Córdoba se tornar um ponto de propagação da ciência e filosofia árabes no Ocidente. Ele foi também importante comentador das obras de Aristóteles e divulgador do pensamento aristotélico no Ocidente, contra a vontade da Igreja, que condenava, se não toda ela, ao menos parte da obra de Aristóteles.

A mensagem que quero transmitir é que, se o mundo conseguisse reduzir os confrontos e as brigas entre os povos e trocasse suas experiências e descobertas, a humanidade poderia estar em situação muito melhor. Se todos os países fizessem um pacto para compartilhar suas pesquisas e descobertas científicas, apesar de suas diferenças políticas e religiosas, a vida dos quase 9,4 bilhões de habitantes que o planeta terá em 2050 poderia ser bem melhor, menos sofrida e com menos tragédias, e talvez com mais paz.

Há alguns anos visitei a Universidade de Pisa, na Itália, e me empolguei com um curso superior de graduação ofertado por ela chamado “Ciência da Paz”. A matriz curricular era de uma beleza admirável e de enorme utilidade. Esse é um curso que valeria ser espalhado pelo mundo, em todas as culturas, e certamente ajudaria as nações e seus povos a se entenderem melhor, com menos conflitos, respeitadas suas diferenças.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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