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A epidemia oferecida ao mundo pelo coronavírus da China conseguiu produzir, no Brasil, um fenômeno talvez sem precedentes: pela primeira vez na história uma substância química passou a servir como linha de divisão entre a direita e a esquerda. É essa hidroxicloroquina, um clássico trava-língua do qual ninguém jamais tinha ouvido falar até hoje fora da comunidade envolvida com o universo da química, mas sobre a qual todo mundo passou a ter, subitamente, opiniões apaixonadas – do presidente da República ao porteiro do seu prédio. A discussão é se essa droga, disponível através da indústria farmacêutica, serve ou não para curar a Covid-19.

Química é química, e política é política, mas no Brasil irracional em que estamos vivendo, as coisas não são assim. Se você é de direita, e a favor do presidente Jair Bolsonaro, você acha que a hidroxicloroquina é um santo remédio para curar a Covid-19. Se você é de esquerda, e contra o governo, acha que é um veneno – ou, no mínimo, uma substância suspeita, de efeitos desconhecidos e que não pode, de jeito nenhum, ser receitada para ninguém.

Naturalmente, como de costume, quanto menos o sujeito sabe sobre química, farmácia e medicina, mais certeza ele tem de que está com a razão. Não ajuda em nada, para se melhorar os níveis clareza do bate-boca, o fato de que os próprios médicos e pesquisadores estão amargamente divididos sobre os efeitos do medicamento.

Não é uma questão difícil de entender quando se leva em conta que, desde a chegada da epidemia, o Brasil se dividiu entre o partido antivírus e o partido pró-vírus. O primeiro quer que a Covid-19 seja eliminado o mais cedo possível, que o confinamento seja encerrado e que o país volte a funcionar rapidamente. O segundo quer que a epidemia apresente estatísticas cada vez piores, que a quarentena seja reforçada e que o país demore o máximo possível para voltar ao normal.

O Brasil antivírus, é claro, é o do governo – quanto mais cedo a praga acabar, melhor para ele. O Brasil pró-vírus é o da oposição. Quanto mais o país demorar para recuperar a normalidade, tanto pior para o governo e o seu futuro político.

O resto dessa história toda é bem conhecido. A hidroxicloroquina está disponível e sendo aplicada, é claro, nos hospitais dos ricos e dos planos médicos “top de linha”; é tomada, também, pelos médicos que pegaram o vírus e podem controlar o seu próprio tratamento.

O raciocínio que está valendo, aí, é o seguinte: os conhecimentos já obtidos sobre a droga ainda não são completos, mas já são suficientes para aplicá-la, sem riscos, num vasto número de pacientes No SUS, e para o povão, o raciocínio é esse mesmo, só que ao contrário: os conhecimentos sobre a substância ainda não são completos e, portanto, ela não deve ser aplicada.

O jornalismo investigativo deu a si próprio a missão de investigar, em todos os seus detalhes, as possíveis contraindicações da hidroxicloroquina e, sobretudo, em demonstrar que não há certeza científica sobre os seus benefícios. As “instituições”, como um todo, também se colocam contra – salvo quando seus próprios membros passam a precisar de tratamento. A oposição age da mesma forma.

É muito fácil, obviamente, exigir consenso absoluto sobre a eficácia, o alcance e a conveniência da aplicação da substância quando você próprio não precisa esperar, para tomá-la, pelos próximos vinte ou trinta anos – tempo que a ciência médica, em geral, demanda para ter certeza suficiente sobre medicamentos e terapias. O duro, justamente, é a espera. Mas isso é coisa para pobre – e os pobres, como sempre, que se explodam.

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