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Funcionário usa equipamento de proteção completo como medida preventiva contra o coronavírus, em Dakar, em 22 de março de 2020.
Funcionário usa equipamento de proteção completo como medida preventiva contra o coronavírus, em Dakar, em 22 de março de 2020.| Foto: AFP

E se, no fim de todas as contas, o presidente Jair Bolsonaro estiver certo e os radicais do combate ao coronavírus estiverem errados – ou, pelo menos, se ele estiver mais certo do que errado na guerra de palavras e de ações para enfrentar a pandemia? Vamos ter um problema, e a única saída será ignorar por completo que as coisas tenham sido assim e mudar de assunto.

O fato é que mais e mais cabeças de primeira classe vão se sentindo livres para dizer o que pensam. Mais e mais o raciocínio lógico tem encontrado oportunidade de dividir o espaço com o pensamento predominante de que é preciso “fechar tudo” para combater o vírus. O resultado é que muita gente que tem credenciais impecáveis para falar sobre o tema está dizendo que a opção pelo pânico, adotada no Brasil e em dezenas de países tidos como sérios, está fundamentalmente errada.

Thomas Friedman, sem dúvida um dos observadores mais qualificados das realidades em nossa época – sua opinião vale, pelo menos, tanto quanto à do vereador de Brejo do Fim do Mundo que fala todos os dias na televisão sobre a necessidade de “aprofundar” a paralisação do planeta – é um bom exemplo disso. Quem está resolvendo as coisas é a turma do vereador de Brejo do Fim do Mundo, claro, mais uma manada de autoridades e burocratas em pânico, mas Friedman é um homem que usa a cabeça para pensar. É muito mais negócio ouvir o que ele diz do que aquilo que você vê publicado por aí.

Ele acaba de escrever, no The New York Times, o que os jornalistas Geraldo Samor e Pedro Arbex definiram como “o mais contundente até agora sobre o risco do breakdown global” imposto ao mundo. Esse risco é muito claro. A abordagem extremista no combate à epidemia pode transformar a “vitória sobre o vírus” numa derrota insensata para o ser humano.

“Alguns especialistas”, escreveu Friedman em seu artigo, “estão começando a questionar: ‘Esperem um minuto. O que estamos fazendo com nós mesmos? Com a nossa economia? Com a próxima geração? Será que essa cura não acabará sendo pior que a doença?” Friedman tem uma recomendação que parece imbatível. “Cuidado com o ‘pensamento de grupo’, pois mesmo pequenas escolhas erradas podem ter grandes consequências.”

A base de sua argumentação está num ponto no qual muitos dos infectologistas mais competentes do mundo tem insistido desde o começo de tudo isso. (Eles não são, necessariamente, aqueles que os jornalistas procuram em São Paulo, como se a ciência médica fosse uma exclusividade confinada aos limites territoriais do estado; existem em outros lugares, também). O ponto é a baixa, possivelmente baixíssima, taxa de mortalidade do coronavírus – a “taxa de letalidade”, como dizem. Ela pode ser de 1%, ou menos ainda – e isso tem, obrigatoriamente, de ser levado em conta pelos governantes que estão tomando decisões fundamentais sobre as nossas vidas.

Essas autoridades que resolvem tudo, escreve Friedman, “estão tendo de tomar decisões de vida ou morte, enquanto guiam um carro no meio da neblina, com informação imperfeita” e pressionados pela gritaria de todo mundo que viaja no banco de trás do carro. É claro que o risco de fazerem a coisa errada é extremamente alto – ou você acha que não?

É o que está acontecendo. Esqueceu-se a natureza do vírus: apavorados com a rapidez da sua proliferação, os governantes se recusam a examinar qualquer outro dos seus aspectos. Em vez de se concentrarem no tratamento dos que ficam efetivamente doentes, dando prioridade ao atendimento nos hospitais, à distribuição de equipamentos, ao treinamento de pessoal, partiram para a quarentena como a grande salvação de tudo.

“Paralisar o mundo com consequências potencialmente tremendas pode ser totalmente irracional”, diz Friedman. “É como atacar um elefante com um gato doméstico”.

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