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Boliviana protesta em La Paz em meio à suspeita de fraude na eleição presidencial.
Boliviana protesta em La Paz em meio à suspeita de fraude na eleição presidencial.| Foto: Jorge Bernal/AFP

Na semana passada o prestigiado The Washington Post, de propriedade do homem mais rico do planeta Jeff Bezos, causou furor na Bolívia e de arrasto em ditaduras como as de Cuba e Venezuela. O jornal publicou um texto no qual dois pesquisadores do MIT, o reputado Massachusetts Institute of Technology, afirmaram categoricamente que não encontram evidências estatísticas de que houve fraude nas eleições presidenciais de outubro passado no país andino. Não custa relembrar que o então presidente Evo Morales, no poder desde 2006, tentava a seu quarto mandato à revelia da Constituição boliviana e de um referendo que lhe negava o direito de tentar se manter no cargo. Pilhado em um processo em que urnas eleitorais foram integralmente destruídas e os registros eleitorais manipulados, Morales enfrentou uma rebelião popular que culminou com sua renúncia três semanas depois.

A combinação do The Washington Post e MIT – um dos jornais mais respeitados dos Estados Unidos como uma das universidades mais prestigiada do mundo – produziu uma reverberação imediata. O líder The New York Times, o inglês The Guardian e o espanhol El País (apenas para citar os mais famosos) também repercutiram o diagnóstico que colocou mais lenha na caldeira daqueles que defendem que houve um golpe na Bolívia com o agravante de que a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a União Europeia terminaram validando.

Pois bem. O texto publicado pelo The Washington Post não é bem um texto do The Washington Post. A pesquisa do MIT, não é exatamente do MIT. Mas como assim?

Embora esteja no site do jornalão de Washington, o texto não passou pelos profissionais da publicação. Sob o título de “A Bolívia descartou suas eleições de outubro como fraudulentas. Nossa pesquisa não encontrou motivos para suspeitar de fraude”, o artigo foi publicado em um blog hospedado pelo The Washington Post. Como os próprios autores definem: um site independente do jornal.

Mas os jornalistas de alguns dos principais jornais do planeta não prestaram atenção e repercutiram como se a notícia fosse do The Washington Post.

Em favor dos ludibriados há um detalhe: o blog se mimetiza com o jornal. Se não fosse um pequeno “chapéu” sobre os títulos dos artigos, ele desapareceria camaleonicamente como sendo uma produção da publicação. Para mim, o mais complexo é que o The Washington Post permite o mimetismo. Transferindo para aquele espaço, com certas características de ativismo, toda a credibilidade do jornal. Já vi isso acontecer no Brasil e o resultado não foi bom. A confusão entorno do referido artigo é a prova.

Mas problema não para aqui.

O tal “estudo do MIT”, de fato, tem assinatura de dois profissionais com vínculos com a instituição (ressalte-se que não são professores). Mas o trabalho está bem longe de ser do MIT. Razão número um: o trabalho não é uma produção da instituição. Afirmação está em uma nota assinada pelo reitor da instituição.

O reitor explica que eles foram contratados por um think tank baseado em Washington, que pode ser considerado como à esquerda do Bernie Sanders. A informação está lá no site do contratante, o Center for Economic and Policy Research (CEPR). O Times e o El País perceberam isso, citaram, mas não prestaram atenção.

O CEPR é uma entidade conhecida na capital americana por defender os interesses de chavistas e assemelhados da fauna política da América Latina. Seu fundador e diretor, o economista Mark Weisbrot, foi uma espécie de guia turístico de estrelas de Hollywood que desembarcaram em Caracas para se reunir com Hugo Chávez. Defensor ferrenho de Nicolás Maduro, emprega seu centro de estudos para justificar academicamente seu ponto de vista.

Ou seja, a dupla ganhou uma grana de uma organização que defende interesses de governo bolivarianos nos Estados Unidos. Produziu um relatório que não foi publicado em revista científica, portanto não passou por revisão de pares. O diagnóstico não traz a assinatura ou aval de sequer um professor do MIT, mas, no noticiário, ganhou o poder e legitimidade tal como se a “pesquisa” estivesse cumprido todos os requisitos acadêmicos.

Ao final do dia, o think tank comuna poderia ter contratado a dupla do MIT para a consultoria remunerada deles, o blog comuna poderia ter feito a divulgação e a impressa repercutido da mesma forma se assim entendesse. Mas com uma grande diferença: transparência. Na cadeia de ocultações de interesses quem perde é o leitor. Entendo até que nas trevas das segundas intenções algo muito mais valioso está sob ameaça, como bem define o slogan do The Washington Post: “A Democracia morre na escuridão”.

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