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O republicano Glenn Youngkin comemora sua vitória na eleição para governador da Virgínia
O republicano Glenn Youngkin comemora sua vitória na eleição para governador da Virgínia| Foto: EFE/EPA/Ken Cedeno

Hillary Clinton – ex-candidata à presidência, ex-secretária de Estado, ex-senadora e ex-primeira-dama dos Estados Unidos – disse em 2016, durante um ato de campanha em Nova Iorque, uma frase que traduz a incompreensão dos membros do Partido Democrata, da maioria da imprensa e das elites liberais americanas sobre o fenômeno que naquele ano levaria o outsider Donald Trump à Casa Branca. Para uma plateia de endinheirados que irrigavam os cofres de seu comitê, Hillary definiu assim os eleitores do seu opositor republicano: “Apenas para generalizar de modo grosseiro, você pode colocar metade dos simpatizantes de Trump no que eu chamo de cesta dos deploráveis”.

Em 2020, quando Trump perdeu a reeleição, muita gente comemorou como uma revanche da América civilizada contra a barbárie que brota dos subúrbios e zonas rurais. A gente branca, tosca, fascista, ou como Hillary enumerou “racista, sexista, homofóbica, xenófoba, islamofóbica... você escolhe”.

Nesta semana, em eleições em algumas partes dos Estados Unidos, fez-se ouvir novamente a voz dos deploráveis da América. O barulho foi grande na Virgínia, estado que deu vitória para Biden há apenas um ano e que visivelmente se arrependeu do que fez. Ou pelo menos não está gostando do que o Partido Democrata estava fazendo por lá e em Washington.

O novato Glenn Youngkin, do Partido Republicano, atropelou o ex-governador democrata Terry McAuliffe, que, além de já ter governado o estado, contava com o prestígio nacional de já ter presidido o próprio partido e ter tido ao seu lado cabos eleitorais da pesada, como o presidente Biden e o ex Barack Obama.

O desempenho eleitoral de McAuliffe mostrou que ele foi o preferido nos subúrbios de Washington, D.C. localizados na margem direita do rio Potomac, nos ricos condados de Loudoun, Fairfax e Prince George e em meia dúzia de áreas urbanas aos arredores da capital Richmond, da universitária Charlottesville. No resto do estado, Youngkin deu uma lavada no adversário.

Uma das explicações para a perda da vantagem democrata pode ser a corda que foi esticada demais. Aumento de impostos, assistencialismo indiscriminado e uma agenda de prioridades descolada do mundo real. Enquanto as pessoas esperam políticas que as ajudem a sair do atoleiro econômico da pandemia, o Partido Democrata priorizou debates como a imposição de pronomes neutros, fim de banheiros destinados a meninas e meninos nas escolas e outras perfumarias.

Em Nova Jersey, o democrata Phil Murphy quase não leva. Venceu o republicano Jack Ciattarelli por uma diferença inferior a 70 mil votos. Uma margem de 2,3%. Mas Steve Sweeney, o presidente do Senado de Nova Jersey, como é chamado o legislativo estadual, não teve o mesmo fim. Perdeu para um caminhoneiro que gastou 153 dólares em sua campanha, sendo que 44% do gasto foi com a compra de donuts e café para seus cabos eleitorais em dias de distribuição de cartões de visitas e panfletos que foram pagos com o resto do dinheiro.

Ed Durr bateu um dos mais poderosos democratas de seu estado com um discurso pé no chão. Voltado para “a cesta de deploráveis”. Em seu vídeo de campanha, filmado por ele mesmo com seu celular no estilo selfie, ele bateu duro nos democratas. Acusou Sweeney de atuar bovinamente em favor de seu correligionário Murphy. Em um dos trechos, ele diz: “Em 2020, meu oponente sentou e assistiu enquanto o governador Murphy forçava as casas de repouso a receber pacientes com Covid-19, resultando na morte de mais de 8 mil de nossos idosos”. Em outro momento, ele arremata: “Sweeney permaneceu em silêncio enquanto o governador Murphy fechou de mais de um terço de nossos pequenos negócios, custando milhares de empregos a famílias de Nova Jersey”.

Os resultados das eleições nos dois estados americanos são explicados por alguns como uma reação dos deploráveis. Aliás, essa mesma gente deplorável tem levado a culpa pelos atrasos na campanha de vacinação contra a Covid-19 nos Estados Unidos.

Não faltam análises que colocam nas costas do branco suburbano ou de baixa escolaridade e dos caipiras a explicação pela taxa vacinal que hoje é inferior à do Brasil. É verdade que nesse universo existem, sim, pessoas vulneráveis aos delírios do tipo QAnon, por exemplo, mas culpar as pessoas mais simples ou o eleitor republicano por tudo que “de ruim” se passa no país é uma comodidade. A tal cesta de deploráveis não é capaz de explicar tudo.

Um exemplo é Washington, D.C. A capital americana é um dos locais mais democratas – se não o mais democrata – dos Estados Unidos. Desde que os moradores do Distrito de Colúmbia ganharam o direito de votar em eleições presidenciais, em 1964, nunca um candidato republicano saiu vitorioso. Os percentuais em favor dos democratas sempre foram arrasadores. Sempre acima de 90% dos votos.

Mas as taxas de vacinação em Washington, D.C. são um horror. Democratas também não se vacinam. Considerando apenas a população adulta, aquela que vota, apenas 58% tomaram vacinas. Quando ampliado para os adolescentes maiores de 12 anos, a taxa global cai para 46,7%. E não há diferença significativa no comportamento entre negros, brancos, latinos ou asiáticos, por exemplo. Os dados, aliás, mostram que, entre as pessoas com menos de 40 anos, são os negros os que menos se vacinaram até agora. Seriam eles todos trumpistas deploráveis? Essa história americana tem um paralelo inevitável com o Brasil. E sinceramente não é necessário tomar mais um segundo da vida de ninguém para explicar.

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