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O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, em Caracas, 30 de setembro de 2019
O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, em Caracas, 30 de setembro de 2019| Foto: YURI CORTEZ / AFP

O finado Hugo Chávez empurrou a Venezuela para o abismo e ajudou a convulsionar a América Latina — e acredite várias outros lugares fora dela — escondendo-se atrás da imagem de fanfarrão. Mas quem já despachou com ele e posteriormente com o seu sucessor Nicolás Maduro faz uma descrição bem objetiva da dupla. O primeiro se fazia de bobo para conseguir alcançar seus objetivos, enquanto o segundo é um completo idiota que tenta construir a reputação de gênio (do mal) para justificar sua posição. Seus pronunciamentos públicos são marcados por frases sem sentido, erros e comparações bizarras que lembram, em alguns momentos, os discursos embaraçosos da ex-presidente Dilma Rousseff, como aquele em que ela divagou sobre estocar vento.

Justamente por ter sido ignorado na sua capacidade de causar danos, Chávez foi extremadamente eficiente em seus planos de revolução. Primeiro presidente eleito da safra daqueles que integram o Foro de São Paulo, Chávez torrou a receita petroleira da Venezuela para financiar a reengenharia política da região. Os efeitos estão sendo sentidos até hoje, em meio às nuvem de gás lacrimogênio e a quebradeira promovida por manifestantes em uma série de países sul-americanos.

Chávez amasiou-se com Cuba de Fidel Castro e dessa relação vieram os rebentos: Nestor e Cristina Kirchner, Evo Morales, Rafael Correa e Pepe Mujica — apenas para citar os mais conhecidos. Desde o Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, era o padrinho. Nada mais justo para quem ajeitou a união e se mostraria fiel nos momentos mais críticos da aliança. O petista ofereceu conselhos, recursos financeiros e proteção.

Mas, da mesma forma que foi equivocado ignorar as reais intenções do “palhaço” Chávez, também é um erro superestimar as capacidades de Nicolás Maduro e de seus parceiros cubanos. Nesta semana, o ditador venezuelano provocou um alvoroço ao confessar que o Foro de São Paulo está por trás dos distúrbios que começaram no Peru, alastraram-se pelo Equador, ameaçaram eclodir na Colômbia e, agora, devastam a governabilidade no Chile.

Maburro, como o ditador é chamado até por alguns de seus assessores mais próximos, teria que ser mesmo muito imbecil para fazer públicos os planos do Foro de São Paulo para desestabilizar a região. A sua “confissão”, carregada de sarcasmo (que não é bem uma característica dos burros), serve para aumentar o valor de seu passe. Maduro se diverte. Sapateia sobre o esforço que a equipe de Juan Guaidó tem empreendido para convencer os aliados a tomarem medidas mais duras contra o regime. Quem sabe até uma invasão, para bloquear a “desestabilização hemisférica”.  Maduro desdenha: “Vai perfeito o plano do Foro de São Paulo (…)  Mas não posso dizer mais. São segredos do super bigode”, diz ele.

Mas como Maduro é mesmo muito burro, ele deixa escapar informações importantes que dão pistas de qual é o papel do Foro de São Paulo nos distúrbios na região. No mesmo video, ele diz que o Foro esta “renovado” e que a união dos movimentos populares de toda América Latina além de “outras partes do mundo”.

É justamente quando fala de outras “partes do mundo” que Maduro permite entender qual é a justa medida do Foro de São Paulo e quais são os atores que podem estar envolvidos nas tensões recentes na América Latina. Mas antes de seguir, considero fundamental ler a postagem abaixo e, sobretudo, escutar o que Maduro disse em uma visita que ele fez à Russia, em setembro.

Este video, em que Maduro aparece caminhando com a Catedral de São Basílio ao fundo, está esquecido na timeline do ditador. Enquanto escrevo este artigo observo que teve apenas 5,3 mil likes e 4,8 mil compartilhamentos. As visualizações estavam ao redor de 89 mil. Uma pena. Este sim é um vídeo relevante. Nele, o ditador venezuelano cercado de sua mulher Cilia e alguns de seus principais assessores diz: “Ratificamos com o presidente Putin um mapa estratégico de cooperação. Um mapa estratégico de cooperação para toda esta etapa que vem. Terminar bem o ano de 2019 e apontar para os anos de 2020, 2021, 2022… Vou-me feliz de Moscou, porque definimos um caminho. Um caminho que fundou o presidente Chávez. Um caminho que tem dado muito resultado. Graças à Rússia. Gracias ao presidente Putin”.

Maduro entrega o que considero ser o mais importante elemento para compreender a crise venezuelana e tudo que deriva dela. O seu regime só está de pé por causa dos agentes externos que atuam na Venezuela. Rússia e China são os principais. Não por acaso, ele foi a Moscou e Diosdado Cabello, que vem a ser um dos principais nomes do regime, foi quase simultaneamente a Pequim. Mas não só as visitas que indicam para onde aponta a bússola geopolítica que determina os rumos do chavismo.

A Síria vive oito anos de guerra civil e o ditador Bashar al-Assad segue inabalável. Tem a Rússia e Irã ao seu lado. Maduro está prestes a completar cinco anos sob crise constante em uma país colapsado economicamente, onde mais de 10% da população já fugiu da carestia. Mas nem de longe atingiu os níveis de brutalidade e violência cometidos por Assad. Maduro segue firme. Ele tem os mesmo aliados. Putin sustenta Maduro, que tem a vantagem de ter a China como aliada adicional.

O chavismo turbinou o Foro de São Paulo. Valeu-se da capilaridade das organizações partidárias e sociais que fazem parte da aliança para promover seus interesses. Mas, o chavismo fez algo maior. Pavimentou a entrada de outros atores na cena latino-americana. Cuba, Venezuela e o próprio Foro de São Paulo viram prestadores de serviço. Proxies locais de interesses globais, sem os quais os operadores externos (aqui falo sobretudo de Putin) não seriam capazes de atuar com a mesma eficiência. Chávez e sua turma abriram as portas continente para os interesses (não estou falando de economia) da China, Rússia e Irã. É por isso que eles mantêm o regime chavista de pé.

Vender a tese de que o “Super Bigode” e os cubanos falidos são um máquina de guerra de desestabilização hemisférica é um exagero que convém aos atores reais envolvidos na mais moderna das guerras. É uma miragem perigosa, pois tira o foco do problema e o transfere para os laranjas. Duvidar das capacidades do Foro de São Paulo é o mesmo que dizer que as FARC, que é um dos seus membros, não existe. Mas o Foro ser capaz de fazer tudo que lhe é atribuído pode ser enganoso.

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