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O infectologista Anthony Fauci, principal assessor da Casa Branca sobre a pandemia
O infectologista Anthony Fauci, principal assessor da Casa Branca sobre a pandemia| Foto: Wikimedia Commons / Casa Branca

O jornal The Washington Post e o site Buzzfeed obtiveram por meio da “lei de acesso à informação” americana, a Freedom of Information Act (FOIA), o conteúdo das mensagens trocadas pelos Anthony Fauci, o diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas (NIAID), entre os meses de janeiro e junho do ano passado. Uma série de reportagens tem mostrado a confusão que existia, mesmo dentro do maior centro de pesquisas médicas do planeta, sobre a origem da pandemia e, sobretudo, sobre o que fazer durante aqueles primeiros meses.

Mas qual é a relevância da correspondência de Fauci? Suspeito que nenhuma. Pela simples razão de que não há nada de relevante nela que vá além do que já era conhecido. A barulheira em torno dela presta um desfavor em momento de inflexão do mundo em relação à necessidade de sabermos a origem da pandemia. Fazer algazarra com e-mails de Fauci pode significar cair em uma armadilha que tem enorme potencial de desviar a atenção do que realmente merece ser observado.

É evidente que alguns detalhes das correspondências de Fauci merecem destaque, mas não antes de ressaltar: as mensagens são do primeiro semestre de 2020. Portanto, elas compreendem um período de quando não se sabia nada ou quase nada sobre o vírus. Um estágio tão “primitivo” no combate à pandemia que as vacinas que hoje estamos tomando eram uma incógnita. Um salto de conhecimento que não permite considerar aquelas mensagens trocadas “no escuro” como se elas tivessem sido redigidas hoje.

Em uma busca textual, no conteúdo de 3.234 de documentos, a palavra cloroquina/hidroxicloroquina, por exemplo, aparece 79 vezes. Cientistas de várias partes do mundo trocaram informações com Fauci e sua equipe do NIAID em busca de alternativas para o tratamento. Ao contrário do que disse o senador-ortopedista Otto Alencar (PSD/BA), alguns dos principais pesquisadores médicos do planeta não só conheciam as propriedades antivirais da cloroquina, como estavam com a mente aberta para aprender se a droga serviria ou não para o tratamento de Covid-19. Naquele momento da pandemia, não era nenhum absurdo o mundo procurar respostas, inclusive na cloroquina.

Mas o fato de pesquisadores de elite terem flertado com a cloroquina em um momento tão inicial da pandemia não deveria servir de justificativa para relutância em seguir em frente defendendo um tratamento que, ao final do dia, não se revelou milagroso. Aliás, a cloroquina não foi a única droga a ser discutida nas trocas de e-mail de Fauci. A comunidade científica estava navegando às cegas. Entre drogas já conhecidas houve quem falasse em pesquisas com gengibre e açafrão. O erro não foi discutir as alternativas, mas sim politizá-las ou transformá-las em causa perpétua.

Os e-mails de Fauci também estão sendo usados para reacender o debate estéril sobre a necessidade ou não do uso de máscaras. Na primeira semana de fevereiro de 2020, Fauci recebeu um e-mail da ex-Secretária do Departamento de Saúde dos Estados Unidos e presidente da American University, Sylvia Mathews Burwell, no qual ela pedia um conselho. Burwell iria fazer uma viagem ao exterior e queria saber se precisava ou não usar máscara. Fauci respondeu que não. Segundo ele, as máscaras eram recomendadas para pessoas infectadas, para evitar que a infecção se espalhasse para as pessoas sãs. Além disso, ele acrescentou que as máscaras “de farmácia” não são eficazes para impedir a entrada de vírus.

Não há absolutamente nada de novo naquela resposta. As autoridades sanitárias não sabiam exatamente como o vírus se comportava. Sequer havia casos nos Estados Unidos, mas os americanos já iniciavam uma corrida por máscaras que viria a se tornar em um problema doméstico, ao ponto que dias depois, o então cirurgião-geral dos Estados Unidos, Jerome Adams, lançou um apelo à nação: "Parem de comprar máscaras!". Além de ineficazes, disse ele, a corrida pelos equipamentos levaria à falta para os profissionais de saúde e quem estivesse contaminado. Na primeira semana de março, Fauci disse ao famoso 60 Minutes: "não há razão para andar por aí com uma máscara".

Somente em abril, quase um mês depois de a OMS decretar pandemia, que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) passou a recomendar o uso de máscaras em público. O Fauci pode ser criticado por mil e uma coisas, mas a polêmica dos e-mails resvala na injustiça, por não considerar o contexto em relação ao que se sabia ou não da pandemia.

Não é razoável usar aquela conversa de fevereiro de 2020 para dizer que máscara é enganação.

Sinceramente, não encontrei absolutamente nada de relevante nos e-mails de Fauci. E toda barulheira com cloroquina, máscara, sabotagem da campanha de reeleição de Donald Trump é um desperdício de energia e atenção para o realmente interessa, reafirmo.

Meu conselho para esta semana. Esqueça os e-mails do doutor Fauci e leiam a Vanity Fair. A edição deste mês faz uma viagem no emaranhado de casos suspeitos e absurdos que envolvem não só o doutor Fauci, mas uma fila de cientistas, ONGs, financiamentos públicos para pesquisa oferecendo um belo panorama para quem quer ir além da discussão se máscaras protegem ou não.

O papo agora é de onde veio o vírus. Da natureza ou não. Quem pagou. Como a China ocultou a história. Como a OMS falhou. Como a comunidade científica fracassou. Como a religião ciência é anticientífica.

A Vanity Fair joga luzes sobre um personagem interessante, que está presente, mas foi ignorado por quem busca pelo em ovos nos e-mails de Fauci. Trata-se do zoologista Peter Daszak, presidente da ONG EcoHealth Alliance. Ele moveu milhões de dólares dos cofres públicos dos Estados Unidos para bancar pesquisas que agora estão sob escrutínio. Entre as quais o “ganho de função” que pode ter permitido o coronavírus saltar dos morcegos para os humanos sem escalas.

Como patrono de um montão de outros cientistas, Daszak não teve dificuldade para reunir 27 deles para assinar uma carta no início da pandemia que precocemente descartava a teoria do vazamento do vírus em Wuhan.

No ano passado, a administração Trump enviou à OMS uma lista de três nomes para investigação das origens do vírus. Um veterinário do FDA, um epidemiologista do CDC e um virologista da equipe de Fauci.  Nenhum deles foi escolhido. A OMS escalou Daszak.

Este é apenas um aperitivo das várias histórias que sim valem ser lidas e melhor investigadas. O Dr. Fauci sai limpo delas? Talvez não. Mas enquanto isso, use máscara e esqueça a cloroquina.

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