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Incêndio na Angeles National Forest, na região de Los Angeles. Foto de 10 de setembro de 2020.
Incêndio na Angeles National Forest, na região de Los Angeles. Foto de 10 de setembro de 2020.| Foto: AFP

A fumaça que se vê acima é resultado de milhares de incêndios que, no verão, ardem na vegetação ressequida do Oeste dos Estados Unidos, sobretudo no estado da Califórnia. O fogaréu deste ano já torrou mais de 12 mil quilômetros quadrados de vegetação. Pelo caminho do fogo, foram incineradas mais de 4,3 mil edificações e propriedades inteiras, carros e animais. Mortes já foram registradas.

Comparada com a de 2019, a temporada de incêndios deste ano pode ser considerada superlativa. A área queimada em 2020 já é 24 vezes maior que a do ano passado. O bloco de fumaça é tão denso que quando o sol raiou na última quarta-feira (9), sua luz foi bloqueada e cidades como São Francisco ficaram sob um céu alaranjando, com tons de apocalipse.

O ex-presidente Barack Obama não perdeu a chance de pedir votos para Joe Biden. “Vote como se sua vida dependesse disso, pois ela depende”, escreveu desavergonhadamente no Twitter.

Obama recorreu ao surrado aquecimento global para dizer que a situação dramática em que vivem milhões de pessoas no estado mais democrata dos Estados Unidos é exemplo de uma catástrofe cujos efeitos são globais, mas a solução pode começar pela eleição de Biden. Obama sendo Obama.

Mesmo tendo destruído uma área 24 vezes mais extensa que em 2019, os incêndios que o ex-presidente Obama descreve como uma mensagem derradeira de vida ou morte para os eleitores americanos não chegam a um quarto das queimadas que ocorriam na mesma região antes de qualquer colonizador europeu colocar os pés na América, conforme concluíram os cientistas.

A humanidade estava a pelo menos quatro séculos de distância da queima do primeiro litro de petróleo e o que hoje conhecemos como Califórnia já ardia em chamas todos os anos. Os índios manejavam a paisagem com fogo. Pode parecer esquisito, mas o ecossistema local é adaptado às chamas. Até se beneficia delas. Relatos mais recentes mostram que nativos chegavam a percorrer longas distâncias a cavalo carregando tochas para espalhar as chamas pela maior área possível. Invariavelmente, as chamas fugiam do controle. Mas a tática era eficiente. Queimavam muito para evitar que naturalmente o fogo queimasse muito mais.

Os arquivos do The New York Times estão repletos de reportagens do século XIX que – se fossem consultadas pelo staff da publicação ou qualquer outro jornalista que se mete a escrever sobre os incêndios na Costa Oeste – seriam uma fonte preciosa para entender as dinâmicas das queimadas naquela parte dos Estados Unidos.

Há relatos de incêndios colossais em 1860, 1864 e referências a um ocorrido em 1781, que produziu uma “fumaça que era tão densa que muitas pessoas pensavam que o juízo final tinha chegado”. O arquivo do jornal traz outros relatos sobre o passado enfumaçado da Califórnia. As florestas arderam impiedosamente em 1894, 1889, 1919 e 1932.

Não se trata, portanto, de negar as mudanças climáticas, mas atribuir fenômenos como o da Califórnia ao aquecimento global é um truque no qual não dá para cair.

A história das queimadas na Califórnia começou a mudar no início do século passado. A elite local passou a cobrar o fim das queimadas – que eram mais que um transtorno, mas sinônimo de prejuízos. Na década de 1920, aproximadamente mil casas foram devoradas pelas chamas.

Nos primeiros anos, os esforços de redução de queimadas foram promissores, mas não demorou para que os efeitos se revelassem paliativos; os resultados não passavam de uma bomba-relógio. Sem fogo, o acúmulo de matéria orgânica criava condições para queimadas gigantes de tempos em tempos. É o que está ocorrendo nesta temporada na Califórnia.

A solução seria o manejo das áreas florestais, mas não como os índios, que tocavam fogo em larga escala na vegetação e perdiam o controle da queimada. Falo de fogo controlado, combinado com exploração madeireira e coleta de matéria orgânica. Mas os dois primeiros recursos sofrem com a oposição da população e de ambientalistas, que são contrários ao corte de árvores antigas e ao fogo provocado em épocas certas e sob controle.

Mais ou menos como o discurso da candidata democrata à vice-presidência, Kamala Harris, que é senadora pela Califórnia. Ela defende o fim das usinas nucleares no estado e a substituição por energia limpa. Conceito lindo e muito popular no Brasil também.

O que acontece é que o fechamento gradual das usinas nucleares californianas tem um resultado grotesco. O preço da energia disparou e a população enfrenta apagões constantes. Em muitas casas, ligar o ar-condicionado em dias de calor extremo é um luxo pelo fica difícil arcar. O suplício é ainda maior quando o ar se torna irrespirável fora. As pessoas se refugiam em casa e, de janelas fechadas e sem ar-condicionado, cozinham enquanto a Califórnia manda para o mundo o seu exemplo torto de sustentabilidade.

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