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A aliança entre o ditador Nicolás Maduro e o regime teocrático iraniano é uma ameaça à precária estabilidade política da América do Sul.
A aliança entre o ditador Nicolás Maduro e o regime teocrático iraniano é uma ameaça à precária estabilidade política da América do Sul.| Foto: Marcelo GARCIA / Palácio de Miraflores / AFP

Cinco petroleiros iranianos estão a caminho da Venezuela. O país latino-americano é dono das maiores reservas de petróleo do planeta, mas não é capaz de tirar do solo o óleo que precisa e muito menos refiná-lo para transformá-lo em gasolina. Há anos, os venezuelanos sofrem com a escassez de combustível e nos últimos meses o quadro se agravou.

O paradoxo venezuelano não tem relação alguma com as sanções que o país vem recebendo recentemente por causa das constantes violações aos direitos humanos, patrocínio ao crime transnacional – cuja lista vai do tráfico de drogas, passando pela lavagem de dinheiro e suporte ao terrorismo – e desprezo às regras da democracia.

Quando Hugo Chávez assumiu a presidência, em 1999, a Venezuela tinha uma produção diária de 3,1 milhões barris de petróleo. Desde então, o país experimentou uma queda constante na capacidade de extração. E hoje, a PDVSA processa menos de 800 mil barris diários. Cerca de 75% menos que há 21 anos. O colapso foi provocado pelo sucateamento das instalações e pelo aparelhamento da estatal petroleira.

Os cerca de 1,5 milhão de barris de gasolina iraniana que estão a caminho da Venezuela não são suficientes para suprir um mês da demanda local. Tampouco o valor que será pago pela carga ajudará o Irã a superar as várias crises que enfrenta: política e econômica que foram agravadas pelo fato de o país ter sido um dos epicentros da pandemia de coronavírus. O movimento do regime dos aiatolás tem outro significado.

A frota que singra o oceano rumo aos portos venezuelanos tem como missão principal elevar a temperatura no lado de cá do planeta. Os aiatolás pretendem exportar, juntamente com os tanques abarrotados de gasolina, a confusão que eles criaram no Estreito de Ormuz, região por onde passa 30% da produção de petróleo e que é um foco constante de atrito entre o regime teocrático iraniano e democracias ocidentais.

Há exatos dois anos, o Irã passou a sequestrar navios em Ormuz, patrocinou atentados contra embarcações e instalações petroleiras da Arábia Saudita e alimentou grupos insurgentes aliados que infernizam a vida dos sauditas.

No final do ano passado, milícias iraquianas financiadas pelo Irã cometeram uma série de atentados contra alvos americanos no Iraque que culminaram com a tentativa de invasão da embaixada em Bagdá. Um cenário que muitos viram como pré-guerra depois que os Estados Unidos reagiram com um ataque cirúrgico que matou o super general iraniano Qasem Soleimani, que era quem comandava as operações terroristas do Irã no exterior.

Qual é a estratégia iraniana na Venezuela? No pior dos cenários para eles, será uma interceptação da frota que permitirá ao mundo condenar uma possível ação americana como anti-humanitária. Por que isso é importante?

Desde abril, embarcações da marinha dos Estados Unidos patrulham o mar do Caribe em uma operação para o bloqueio de atividades ilícitas da Venezuela. Desde que Nicolás Maduro e alguns dos principais nomes de seu regime foram denunciados por narcotráfico pelo governo americano, o Estado venezuelano formalmente passou a ser tratado como um falido. E uma máquina de exportação de crime e instabilidade. Os americanos resolveram agir. Não só dificultam as ações militares no Caribe, como passam a exercer um certo nível de pressão militar ao regime.

Maduro ofereceu ao presidente iraniano Hassan Rouhani a possibilidade de colocar entre os americanos e a Venezuela os petroleiros. Rouhani sabe que, se a Marinha dos Estados Unidos interceptar os navios ou determinar um desvio de rota, o gesto poderá servir para nutrir a propaganda de que o problema da Venezuela não é resultado direto do regime ditatorial de seu aliado Maduro, mas da desumanidade gringa. Em meio a uma pandemia, privam os venezuelanos de acesso ao combustível.

Rouhani pode, também, exportar para as franjas dos Estados Unidos e para bem longe de suas fronteiras a tensão que eles criaram em Ormuz. Este seria o melhor cenário para os aiatolás. E que, por mais pura ironia, conta com a torcida da oposição venezuelana.

Nas mais variadas frentes opositoras na Venezuela há um clima de vale-tudo para derrubar Nicolás Maduro. O desejo é legítimo e urgente, mas o clima de desespero os coloca em uma posição de vulnerabilidade.

Os golpes fracassados, as alianças com chavistas infiltrados e até a torcida para uma guerra servem de referência para medir a falta de rumo da Venezuela. Quem se nutre disso é o regime que jamais perdeu a capacidade de engolfar seus adversários que quase sempre embarcam nos planos desenhados no Palácio de Miraflores.

A novidade do momento é a campanha por uma coalisão militar que derrube o ditador bigodudo. “Antes que Teerã instale mísseis na Venezuela e inicie uma nova crise dos mísseis”, é o mantra opositor.

A dupla Maduro e Rouhani está pagando para ver. Uma escalada militar na região só servirá aos interesses de ambos. Querem ver os presidentes dos Estados Unidos, Colômbia e Brasil enrolados em um problema cuja solução não é simples e cujos efeitos, associados ao que o coronavírus já está provocando na região, podem arrastar a região para o precipício.

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