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O preço do populismo migratório
| Foto: EFE/EPA/ALLISON DINNER

Uma das promessas de campanha do então candidato Donald Trump era construir um muro nos 3.144 quilômetros de fronteira entre os Estados Unidos e o México. Trump foi eleito em 2016 e quatro anos depois foi embora deixando de pé apenas 881 quilômetros prontos, sendo que mais da metade da extensão representa reformas e melhorias em barreiras já existentes.

As imagens dos últimos dias mostram como cerca de 14 mil imigrantes haitianos estão se empilhando em um cercadinho que as autoridades americanas montaram no Texas, bem próximo ao ponto de entrada que eles escolheram para chegar aos Estados Unidos. Cenas horrorosas que estão infernizando a vida da administração atual e empurrando a popularidade de Joe Biden para as cordas.

Se não fosse trágico, caberia um “bem-feito” para definir os reflexos de seu populismo migratório, demonstrado na campanha eleitoral do ano passado.

Entre os vários pontos que o comitê do Partido Democrata quis demarcar de diferença em relação ao malvado Trump, estava uma redefinição, uma reengenharia ou que sabe até um afrouxamento da política migratória americana.

Um dos primeiros movimentos de Biden foi anunciar, em maio deste ano, a concessão de 18 meses de Status de Proteção Temporária (TPS) para os haitianos. A medida, de caráter humanitário, tem como objetivo suspender qualquer tipo de deportação de cidadãos originários do país beneficiados pela medida. Para o presidente democrata, a anistia temporária serve para proteger os imigrantes ilegais de terem que ser enviados para um país em frangalhos, cuja situação se deteriorou ainda mais com a pandemia de Covid-19.

Perfeito! Mas esquecendo-se de que não estava mais em campanha – aquela mesma campanha na qual ele precisava convencer os americanos de que era presidente camarada –, Biden não foi muito claro de que a medida valia para quem já estava em solo americano. Apenas para quem já estava por aqui. Em favor de Biden, é preciso considerar que o TPS é autoexplicativo. Mas a falha abriu a brecha para um movimento curioso e suspeito.

Familiares daqueles que já estamos nos Estados Unidos ficaram eufóricos com a notícia que infestou as redes sociais locais, principalmente o Facebook. As mensagens diziam que as fronteiras dos Estados Unidos estavam abertas para haitianos e davam até a rota de como chegar: as cidades, as linhas de ônibus e o preço das passagens.

Imagine o impacto de uma informação que diz que a fronteira dos Estados Unidos está aberta para uma população que vive em um país-purgatório? Ainda mais com um vídeo do presidente boa-praça garantindo a proteção?

O WhatsApp dos haitianos bombou. Uma enxurrada de mensagens dizendo que a fronteira estava aberta para eles inundou a comunidade deles nos Estados Unidos. Quem pôde enviou os recursos necessários para seus familiares iniciarem a jornada para América. O roteiro, desenhado por Deus lá sabe quem, indicava justamente a cidade texana de Del Rio. Não por acaso, onde todos foram desaguar.

Em 2018, os Estados Unidos foram destino de uma onda migratória de dimensões bíblicas. Milhares de centro-americanos marcharam rumo à fronteira em caravanas apinhadas de membros de gangues e até imigrantes originários de países conhecidos como celeiros de extremistas islâmicos. O fenômeno, cujas origens podem estar associadas aos cartéis de drogas que atuaram como financiadores, se somou ao estardalhaço das separações familiares na fronteira.

Apesar desses dois eventos verdadeiramente críticos que foram registrados na administração Trump e a ausência do muro físico, a política linha dura do republicano vinha dando resultado. Com chance de sucesso reduzida, cada vez menos gente se aventurou a contratar as redes de tráfico humano para atravessar o deserto em busca do sonho americano.

O gráfico abaixo mostra o número de imigrantes encontrados mortos no deserto e rios da fronteira sul dos Estados Unidos.

Statistic: Immigrant deaths near the southwest border in the United States from FY 1998 to FY 2020 | Statista
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Trump esteve longe de conseguir implementar uma política migratória perfeita. Mas não enganou ninguém. Foi eleito dizendo que fecharia as portas e que quem fosse flagrado sem documentos seria enviado de volta. Declarações que deixaram muita gente assombrada, mas que não diferiam em nada na prática de seus antecessores e, agora, de John Biden.

Em junho, a vice-presidente Kamala Harris disse aos centro-americanos: “Não venham”. Mas ninguém lhe deu ouvidos. Acreditam mais no que foi dito na campanha do que no que tem sido feito na prática. Ou acreditam mais no que chega para eles pelo Facebook ou zap dos amigos. As máfias que dominam o tráfico humano estão lucrando como nunca. A administração está se intoxicando com a própria fumaça que gerou ainda na eleição. E o muro – ah, o muro –, não se surpreenda se este vir a ser um dos grandes empreendimentos da administração atual. E terá que ser o muro físico, pois o muro conceitual de Trump foi demolido na campanha.

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