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O promotor federal paraguaio Marcelo Pecci, assassinado na Colômbia esta semana
O promotor federal paraguaio Marcelo Pecci, assassinado na Colômbia esta semana| Foto: EFE/Noelia F. Aceituno

A península de Barú é um paraíso banhado pelo mar do Caribe que, combinado com a colonial Cartagena, forma um dos melhores destinos turísticos da Colômbia. Foi onde o promotor federal paraguaio Marcelo Pecci escolheu passar sua lua de mel. E foi nas areias brancas de Barú que ele – acreditando estar longe do perigo que o cercava no Paraguai – foi executado com três disparos de uma pistola 9mm. Sem dizer uma só palavra, o atirador desembarcou da garupa de um jet-ski, caminhou até Pecci e mostrou quão longos são os braços do terror e do crime.

Constantemente ameaçado pelos criminosos que atuam em seu país, Pecci estava constantemente sob proteção policial. Um estilo de vida opressor. Ao se refugiar no litoral colombiano, Pecci, que havia se casado apenas dez dias antes de ser assassinado, talvez buscasse a paz e a privacidade que os criminosos haviam lhe tirado fazia tempo.

O casal Pecci estava tão feliz e tranquilo que nem se deu conta de que, ao compartilhar seus momentos de relax pelo Instagram, talvez estivesse dando o mapa do caminho para os assassinos. As investigações ainda estão em curso, mas não parece absurdo pensar que foi por meio do Instagram que mandantes de seu assassinato identificaram o momento e local exatos de sua morte.

Um descuido que jamais poderá ser interpretado como culpa. O casal Pecci só queria viver alguns momentos de normalidade, longe do perigo diário imposto a eles no Paraguai. Mas eles descobriram, da pior maneira possível, que não há descanso diante do tipo de criminosos que o promotor enfrentou.

Por anos de desmazelo institucional e negligência, o Paraguai se transformou em um paraíso de traficantes, contrabandistas e operadores financeiros de máfias e organizações terroristas. Com os atentados de 11 de setembro de 2001, o mundo começou a colocar os olhos na região, mas alguns agentes políticos, de segurança e diplomatas – incluindo brasileiros – sempre preferiram negar, ocultar e distorcer os fatos sob uma suposta alegação de “preconceito religioso”, “securitização” e “paranoia”. Desculpas para não fazer nada.

Nos últimos anos, o Paraguai tem se esforçado para se livrar das máfias. Ser um lugar melhor e seguro. Melhorou os mecanismos de prevenção e combate à lavagem de ativos, designou como organizações terroristas grupos que até então atuavam livremente em seu território, buscou ajuda dos vizinhos para combater o tráfico e começou a reprimir as ações do PCC, que montou no país uma de suas bases internacionais para “administração” da cocaína boliviana que é descarregada ali e do contrabando de armas, cigarros e outras estripulias.

Evidentemente, tudo é muito difícil. Os esforços para reverter os estragos chegaram tarde e são mais lentos que os avanços do crime. Mas o Paraguai, com todas as suas limitações, vem fazendo um esforço de governança inédito e louvável. O promotor Marcelo Pecci era um dos agentes de transformação do país. Ele liderou operações gigantescas para prisão de traficantes, o desmantelamento de redes de lavagem de dinheiro e mandou para a cadeia pelo menos dois tubarões do Hezbollah – o grupo terrorista libanês, que desde os anos 1980 usa o Paraguai, Argentina e Brasil como base de suas operações financeiras.

Os investigadores suspeitam que talvez esta seja a razão de sua morte. A extradição para os Estados Unidos de dois dos mais importantes operadores financeiros do Hezbollah na América Latina foi um golpe duro para os terroristas que por 40 anos atuaram livremente na região. As investigações também apontam para outros caminhos. Alguns deles levam ao PCC e aos seus parceiros locais, por exemplo. Nada está descartado.

Muito menos uma joint venture entre os terroristas do Hezbollah e os traficantes brasileiros, que há tempos trabalham em conjunto nas operações de tráfico de cocaína e lavagem de dinheiro. Uma aliança que parece ter surgido nas penitenciárias do Paraná, onde membros do Hezbollah, que foram presos pelos crimes mais diversos, construíram uma relação de negócios e troca de experiência com os traficantes.

A sociedade parece complexa, mas a sua constituição foi relativamente simples por meio da convergência de interesses e a complementaridade das atividades. Especialista em evasão de divisas, lavagem de dinheiro e rotas clandestinas com capilaridade na África, Europa e principalmente nos Estados Unidos, o Hezbollah passou a oferecer serviços financeiros e de logística externa em troca logística local e o provimento de drogas até os canais de desembarque, que hoje são preferencialmente portos marítimos.

Além do fornecimento de drogas, o Hezbollah recebe do PCC proteção para os membros e seus negócios ilícitos (quase sempre relacionados ao contrabando), serviços de pistolagem e uma série de outras operações locais.

Assim como foi o atentado à bomba que o Hezbollah comandou contra a sede da Associação Mutual Israelita de Buenos Aires (Amia), em 1994, ou o assassinato do procurador Alberto Nisman, em 2015, a execução de Pecci tem uma dupla função: em essência, vingança. Mas também intimidação.

Há tempos, a fronteira entre o crime transnacional e o terrorismo foi rompida. As investigações do assassinato de Pecci parecem que levarão para um caminho que nos lembrará que, enquanto as autoridades seguirem pensando que traficantes e terroristas são bichos que não compartilham o mesmo ecossistema, esses criminosos seguirão tirando vantagens evolutivas, e quem faz o trabalho de lutar contra eles e o mal que representam acaba em desvantagem.

Como se não bastasse, Pecci foi morto no dia mais feliz de sua vida. No dia em que ele soube que seria pai.

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