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Secretários de Defesa dos Estados Unidos, da Rússia e da Ucrânia plantam girassóis em um aterro onde antes havia silos de lançamentos de mísseis nucleares, em 1996
Secretários de Defesa dos Estados Unidos, da Rússia e da Ucrânia plantam girassóis em um aterro onde antes havia silos de lançamentos de mísseis nucleares, em 1996| Foto: Arquivos Nacionais dos Estados Unidos

A fotografia que ilustra esta coluna é um registro de 5 de julho de 1996. Nela, aparecem o então secretário de Defesa dos Estados Unidos, William Perry (de óculos escuros), e seus homólogos Pavel Grachev, da Rússia (ao centro), e Valeriy Shmarov, da Ucrânia (à esquerda).

Eles se reuniram naquele dia quente e ensolarado para plantar girassóis em um aterro sobre o local onde antes havia silos de lançamentos de mísseis nucleares. Flor nacional da Ucrânia, os girassóis foram escolhidos para representar a esperança que vinha depois da destruição de centenas de ogivas e dezenas de mísseis de um arsenal herdado pelos ucranianos depois do desmanche da União Soviética (URSS).

Cinco anos antes, a Ucrânia havia firmado com a Rússia, Estados Unidos e Reino Unido um acordo de desarmamento. Em resumo, o país que acabava de recuperar sua independência com o fim da URSS não queria tensões com Moscou, nem com os vizinhos europeus ou muito menos com os Estados Unidos.

Passados 31 anos, muitos analistas atribuem ao “erro” da desnuclearização a vulnerabilidade da Ucrânia de hoje. Se tivesse armas nucleares, dizem estes mesmos especialistas, a Rússia não teria invadido a Crimeia em 2014 e não estaria invadindo o restante do país agora.

Será que é simples assim?

Era 1992. A Ucrânia, que havia testemunhado e sofrido o comunismo do auge ao fracasso, celebrava o fim da Guerra Fria e aspirava um futuro diferente da traumática experiência de república soviética. Os ucranianos olhavam para o Ocidente como uma projeção de futuro. Ficar sentado em cima do terceiro maior arsenal nuclear do mundo tinha o potencial de dar ao país mais dores de cabeça do que proteção.

Em janeiro daquele ano, em troca de seu arsenal de 176 mísseis balísticos intercontinentais, 44 bombardeiros e 1,9 mil ogivas nucleares, a Ucrânia ganhou garantias de segurança, o compromisso de fornecimento de combustível nuclear para seus reatores e assistência e o que aparentemente seria o seu passaporte para integração com o Ocidente.

A transferência ou destruição do arsenal não foi imediata. Mas também foi longe do que se pode chamar de lenta. Depois de dois anos sem encontrar uma solução comum, ucranianos e russos ganharam a mediação dos Estados Unidos, que, em 1994, foi o padrinho do acordo, que finalmente foi assinado pelos presidentes Bill Clinton, dos Estados Unidos, Boris Yeltsin, da Rússia, e Leonid Kravchuk, da Ucrânia.

O documento que eles assinaram naquele dia dizia que, ao se desnuclearizar, os ucranianos recebiam a garantia de que os Estados Unidos, a Rússia e a Grã-Bretanha respeitariam sua independência, não exerceriam pressões econômicas e ofereceriam proteção militar. Mas apenas 20 anos depois, a invasão da Crimeia mostrou que a única parte a cumprir o acordo foi a Ucrânia.

A Rússia tomou um pedaço do país e os Estados Unidos e o Reino Unido apenas fizeram barulho.

“Ah! Mas se a Ucrânia tivesse armas nucleares, isso não teria acontecido”, é talvez uma das frases que mais foram ditas naquele 2014 e neste ano é um dos argumentos que acompanham algumas das reflexões sobre a invasão russa.

Mas se a Ucrânia jamais tivesse se desfeito de seu arsenal? Será que teria chegado até aqui sem ter se transformado em um estado fantoche da Rússia? Como teria sido a travessia de três décadas sob a desconfiança da Europa e dos Estados Unidos? As respostas não são fáceis, mas uma coisa era certa: os cenários possíveis não eram promissores.

Possivelmente, as armas nucleares teriam sido um problema muito maior para a Ucrânia como foi o que se desenhou depois de o país não as ter.

Por exemplo. As armas nucleares de Israel impedem que o país seja constantemente bombardeado pelos terroristas do Hamas e Hezbollah? Este mesmo arsenal atômico impedirá que os aiatolás iranianos parem de sonhar com a destruição total de Israel? Possivelmente, até os estimule a tocar seu programa nuclear clandestino.

No caso de Israel, o arsenal nuclear serve como uma mensagem aos inimigos para desestimulá-los do uso de armas semelhantes contra eles, ou dissuadir seus inimigos de uma aliança para uma invasão massiva. Mas existe o Irã. E quando se trata do regime dos aiatolás, nem tudo é tão simples. Se os líderes xiitas levam mesmo a sério as profecias escatológicas que contam como será o fim dos tempos, eles não querem bomba atômica para se defender, mas para atacar. Segundo a interpretação mais literal e radical da leitura que os líderes iranianos têm da religião, a destruição de Israel é condição para o juízo final e, portanto, a tão sonhada abertura das portas do paraíso.

Quando os Estados Unidos e os demais países ocidentais aliviam para o Irã, acreditando que seu programa nuclear tem motivações pacíficas, esquecem que não estão lidando com um país à sua imagem e semelhança. O regime dos aiatolás já foi flagrado mais de uma vez burlando as regras. Os aiatolás querem a bomba.

Nesta semana, o jornal americano The New York Times contou a história incrível de dois americanos que tentaram vender para o Brasil segredos nucleares roubados da Marinha dos Estados Unidos. Não dá para saber exatamente o quê, mas eles estavam traficando informações sobre reatores de submarinos nucleares. O Brasil foi peça fundamental para prender os espiões, pois ao receber a oferta, avisou os americanos, que fizeram uma operação encoberta para prender os espiões.

Na sequência, a Folha de S.Paulo acrescentou mais um ingrediente à história. Um suposto “não dos EUA” teria sido a causa para o presidente Jair Bolsonaro ceder aos encantos de Putin. Além da pauta dos fertilizantes, o brasileiro teria ido à Moscou em busca de tecnologia nuclear. O assunto também foi pincelado pelo The New York Times na reportagem original.

Insistir em um submarino nuclear é mais que um delírio, como muitos críticos acusam. A tecnologia refundaria as capacidades da defesa da gigantesca costa brasileira não apenas em um cenário de guerra convencional (que é o mais remoto e equivocadamente o único na cabeça da maioria). O conceito de defesa inclui a proteção de recursos naturais como os pesqueiros, cada vez mais ameaçados por frotas “piratas”.

A Constituição Federal proíbe o Brasil de construir uma bomba atômica. Mas isso nunca deixou de alentar os sonhos de alguns. Desde Enéas Carneiro (1938-2007), passando pelo ex-ministro lulista da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, chegando ao presente, há quem sonhe com um Brasil armado nuclearmente.

Em 2020, um cidadão do Paraná apresentou uma proposta de lei que ganhou milhares de adesões, ao ponto que está sob análise do Senado. Ele sugeriu que o Brasil construa uma bomba atômica para proteger a Amazônia da intervenção estrangeira.

Coincidência ou não, os assuntos estão aí juntinhos. “Soberania da Amazônia”, “não virar uma Ucrânia” e tecnologia nuclear. Entre a realidade e o delírio, a necessidade e o oportunismo, se dá a guerra brasileira.

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