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Paramilitares chechenos celebram a “libertação” de Mariupol
Paramilitares chechenos celebram a “libertação” de Mariupol| Foto: Reprodução

Nesta semana, os meios estatais russos e as redes de propaganda e desinformação que Moscou alimenta pelo mundo afora exibiram um vídeo em que soldados barbudos celebram a “libertação” de Mariupol – a cidade ucraniana que leva este nome em homenagem à mãe de Jesus – e que foi a localidade mais atacada pelas tropas de Vladimir Putin desde o início da invasão em fevereiro. Eles celebravam a vitória sobre uma cidade em ruínas, aos gritos de Allahu akbar (“Alá é maior”) – uma expressão islâmica que é usada pelos muçulmanos desde as orações e momentos de júbilo mais pacíficos até os momentos de mais extrema loucura demonstrada por seus radicais em atentados e outras barbáries.

Os barbudos de Putin não fazem parte de seu exército regular. São chechenos que servem como paramilitares a Ramzán Khadyrov, um títere do Kremlin que ocupa a “presidência” da Chechênia com a permissão do presidente russo. Formalmente, esses milicianos estão sob o guarda-chuva das Forças Armadas Russas, mas são um poder paralelo que atua nas trevas sob as ordens diretas de Khadyrov.

O “presidente” Khadyrov é o herdeiro de um clã que lidera parcela significativa da minoria islâmica chechena que lutou contra a Rússia pela independência, mas depois mudou de lado e passou a vender não só a influência, mas a violência, para conter os separatistas e ajudar Putin a manter o território sob seu controle.

A presença dos chechenos na Ucrânia é a evidência de uma guerra dentro da guerra. Enquanto Putin emprega os milicianos de Khadyrov no combate, pelo menos dois batalhões separatistas chechenos lutam ao lado das tropas ucranianas. Uma guerra civil foi exportada para o teatro de operações na Ucrânia.

Putin não tem simpatia alguma pelos chechenos. Sob sua batuta, a Rússia os enfrentou duas vezes desde o colapso da União Soviética. Perdeu uma e ganhou outra, recuperando não só o território, mas a influência sob a brutalidade terceirizada por Khadyrov, que é acusado de crimes contra a humanidade contra seu próprio povo. Imagine o que ele não é capaz de fazer em terras estrangeiras. A propaganda russa não faz questão de esconder a reputação de carniceiro que seu aliado-útil cultiva.

Não é de hoje que entre as intenções de Putin está a de transformar a Ucrânia em um lugar inviável. Um Estado falido na Europa. As lutas sectárias que o presidente russo exporta para a Europa são um ingrediente pernicioso, que aumenta as suas chances de sucesso. E também não é novidade para ninguém que ele quer colocar os chechenos para se devorarem. Nada mais eficiente que uma arena no exterior, bem longe do território que ele tem sob controle.

A presença de Khadyrov e seus soldados na Ucrânia tem sido explorada por Putin internamente. Além de mandar uma mensagem de que está jogando duro na “desnazificação” da Ucrânia, mostra que o domínio russo sobre os chechenos nunca foi tão sólido. As redes russas espalharam que as forças especiais chechenas desembarcaram na Ucrânia com a missão principal de assassinar o presidente Volodymyr Zelensky. E que toda e qualquer ação prévia, como a tomada de Mariupol, são passos para alcançar o objetivo.

Outro aspecto da presença dos milicianos chechenos no campo de batalha, combinados com os mercenários que Moscou importou da Síria: demonstra que Putin está se preparando para uma guerra urbana. Com elementos de guerrilha e atores assimétricos. Uma evolução da guerra que começou com ingredientes convencionais e tem potencial para se transformar em um conflito de longa duração e alta taxa de letalidade e destruição. A experiência dos chechenos nos combates urbanos bem-sucedidos contra os russos no passado agora será usada pelos russos em seu favor para inviabilizar a Ucrânia.

As lições não vêm apenas das disputas internas, mas da própria experiência russa na guerra civil da Síria, onde a Rússia foi um ator predominante, mas com nenhuma ou quase nenhuma participação regular. Foi um potente financiador e fomentador dos grupos aliados ao ditador Bashar al-Assad que se digladiaram no conflito que se iniciou em 2011 e está longe de seu fim.

Enquanto a maioria dos analistas sua frio pensando no risco de uma guerra nuclear, Putin avança minando a reputação do Ocidente, disseminando mentiras e plantando um nível de discórdia, ressentimento e fracasso no contexto europeu.

Talvez a tragédia humanitária que levou 7 milhões de sírios a deixarem o seu país e muitos deles a encarar a loteria de vida ou morte atravessando o Mediterrâneo ou o mar Egeu em busca de asilo na Europa não seja algo tão desconexo das batalhas sob os gritos de Allahu akbar em solo ucraniano. Dependendo da escalada do conflito urbano, em que chechenos matarão chechenos, o risco do alistamento de radicais islâmicos (cuja presença grassa na Europa) cresce de forma exponencial.

As ações de Putin não podem ser negligenciadas ou analisadas dentro de conceitos convencionais de guerra. Tal como as tradicionais matrioskas russas, a guerra de Putin esconde dentro de si algo mais. E sempre há algo ainda mais oculto sob cada uma de suas camadas.

Até uma possível derrota militar ou recuo – algo em que muita gente tende a crer – pode trazer um objetivo implícito. Putin está vencendo a guerra em vários de seus objetivos implícitos. A adesão que Putin obteve em vários setores do Ocidente (da esquerda radical ao direitismo delirante) é apenas uma das conquistas. A Ucrânia como problema já era. Virou pretexto. O que preocupa é o que virá depois dos escombros dessas guerras dentro de guerras.

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