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O ex-coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, faz pronunciamento em Brasília na quarta-feira (17), depois de ter seu mandato de deputado federal cassado pelo TSE
O ex-coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, faz pronunciamento em Brasília na quarta-feira (17), depois de ter seu mandato de deputado federal cassado pelo TSE| Foto: EFE/André Borges

A corrupção é... A corrupção foi... A corrupção deve... A corrupção será... A corrupção precisa... A corrupção está... A corrupção move... A corrupção isso... A corrupção aquilo... Nove em cada dez frases proferidas pelos agentes da Lava Jato resumiam a operação ao combate à corrupção. Mesmo depois que seus personagens mais ilustres, Sergio Moro e Deltan Dallagnol, estrearam novas carreiras, a corrupção (sempre ela) era um mantra interminável que explica tudo e está na origem de tudo. Este foi o pecado capital da operação.

Corrupção não é o fim, mas apenas um dos meios. Por mais monumentais que tenham sido, os escândalos revelados pela Lava Jato não resumem o que acontecia. Diante de um dragão, a Lava Jato se concentrou em descrever a anatomia das patas do monstro. A corrupção... corrupção... corrupção... corrupção... é apenas um recurso que foi empregado em um sistema de lavagem de dinheiro cuja dimensão e amplitude não foram descritos e alcançados.

A Lava Jato retirou algumas engrenagens, levando à interrupção do funcionamento de um mecanismo de escala global que permitia um fluxo financeiro das mais variadas origens (e acredite, a roubalheira brasileira talvez seja a menos indecente delas). A Pedra Roseta se chama Departamento de Operações Estruturadas.

Para quem não se lembra, este é o setor da Odebrecht criado para pagar propinas, mas não só. Era uma espécie de universo paralelo por onde passava muito dinheiro. Muito mesmo. As planilhas encontradas em uma das buscas realizadas pela PF e explicadas pelo chefe do setor da propina, Hilberto Mascarenhas, em sua delação mostram que o fluxo financeiro dentro da organização não se explica por corrupção ou propina.

Em alguns anos, o volume de dinheiro movimentado pelo Departamento de Operações Estruturadas foi maior que o lucro líquido declarado pela companhia inteira. Como é possível pensar que uma empresa pagou mais por baixo da mesa para “corruptos” do que foi capaz de auferir como lucro?

Esta coluna já tratou sobre isso no passado. O tema volta a ser relevante com a cassação do mandato de deputado federal de Dallagnol e a série de ameaças públicas de advogados e autoridades que dão conta de que Moro será o próximo a ser degolado. Mas não só por isso. Depois que Luiz Inácio Lula da Silva reverteu suas condenações e abriu uma avenida para a impunidade, pessoas que confessaram crimes com sorriso no rosto agora se dizem vítimas de tortura.

Companhias, cujos donos e executivos assumiram crimes, agora querem de volta os valores pagos em multas alegando terem sido vítimas de abusos judiciais.

Qual é a origem desse revés? Foram as patinadas processuais de Moro, Dallagnol e dos demais membros da força-tarefa? Não. Foi o apequenamento da percepção do que eles estavam enfrentando.

A tal corrupção que eles identificaram e atacaram era parte de um conjunto de engrenagens cujo mecanismo a Lava Jato de fato emperrou por um tempo. Mas não suficientemente para impedir que ele fosse reparado e modernizado.

A invasão dos telefones dos membros da força-tarefa, gerando o escândalo que ficou conhecido como Vaza Jato, foi um revés sofrido pela Lava Jato que nada tem a ver com corruptos ou corrupção. Inventaram a tese de hackers de Araraquara para limpar uma ação, cuja complexidade e alcance não fazem sentido algum serem atribuídas aos esforços de jovens estelionatários do interior de São Paulo, para muito seguramente desviar a atenção sobre os autores cujas competências e capacidades são compatíveis com a de agentes de Estado.

O conteúdo das conversas roubadas mostra ainda a despreocupação de quem acreditava na criptografia do Telegram como um escudo intransponível para corruptos. Sem saber que eles não estavam afetando apenas corruptos, mas organizações e regimes corruptos que usavam os mesmos canais para fazer fluir rios de dinheiro.

A reação em cadeia contra a Lava Jato, provocada depois dos vazamentos, não tem nada a ver com corruptos ou corrupção. Essa ralé da estrutura é a face mais visível e supostamente a única beneficiada, como Moro e Dallagnol ainda teimam em dizer.

Os esforços para pinçar falhas processuais e transformar Moro e Dallagnol em “chefes de quadrilha” vão além de anistiar corruptos. Está evidente que são para reescrever a história. Punir de maneira exemplar funcionários que se meteram no caminho. Moro e Dallagnol (aqui representando todos da Lava Jato) fizeram algo inédito para o Brasil e a América Latina. Cometeram erros. Mas nenhum de seus erros é maior que os benefícios da operação. Nenhum de seus erros foi menor do que ter pensado que tudo se resumia em roubalheira de dinheiro público.

Os grandes jogadores estão preocupados com conquista, manutenção e expansão de poder em contextos que vão da política à geopolítica – o que não exclui a atuação do crime transnacional organizado e de estados mafiosos. Para eles, os corruptos são instrumentos. As reações à Lava Jato têm sua origem nas trevas onde interesses e personagens se tornaram invisíveis em meio à conveniente névoa da corrupção... corrupção... corrupção... corrupção...

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