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A universidade com partido e a pluralidade de um lado só
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Começou no dia 14/07 e termina hoje o Festival do Conhecimento, evento online realizado para comemorar os 100 anos da criação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Fundada em 1920, com o nome Universidade do Rio de Janeiro, e reestruturada em 1937, quando passou a se chamar Universidade do Brasil, a UFRJ atende pelo nome atual desde 1965.

A lista de convidados destacados no site oficial do evento dá uma ideia da pluralidade e da diversidade de pensamento que hoje reinam no ambiente acadêmico: como se vê, a presença de Dilma Rousseff, Fernando Haddad, Marcelo Freixo e Jandira Feghali, representando a esquerda, é amplamente equilibrada por... ninguém. Os artistas da lista, incluindo uma cantora trans, também são de esquerda, vejam vocês.

É a pluralidade de um lado só. Alguém ficou surpreso?

Ocupada e aparelhada há décadas pela esquerda, a universidade pública é hoje uma das principais trincheiras de uma guerra de narrativas criminosa, que divide a sociedade entre “nós” e “eles” e joga brasileiros contra brasileiros. Sua função hoje, sobretudo na área de Humanas, não é ensinar nem capacitar para o mercado de trabalho, é doutrinar e formar militantes.

Como a maioria das universidades federais, se não todas, a UFRJ é claramente uma universidade com partido. Seus alunos aprendem que a política é uma disputa entre o bem e o mal, e que o mundo se divide entre esquerdistas e fascistas. Em uma fase da vida na qual a necessidade de aceitação e pertencimento ao grupo é enorme, os estudantes são uma presa fácil dessa narrativa.

Não surpreende, portanto, que qualquer evento promovido pela UFRJ convide exclusivamente políticos, intelectuais e artistas de esquerda.  Só tem um porém:  sendo pública, ou seja, bancada pelos impostos pagos por todos os brasileiros – aí incluída a maioria do eleitorado que votou contra a esquerda nas últimas eleições – a UFRJ deveria ser mais ecumênica na celebração do seu centenário.

Não apenas por uma questão de honestidade intelectual. Convidar somente políticos do campo derrotado nas urnas para a celebração do centenário de uma instituição bancada pelo povo é nada menos que um tapa na cara de 58 milhões de eleitores, em sua imensa maioria pertencentes às camadas populares da sociedade – ou Bolsonaro foi eleito pelas elites? Fazer pouco dessas camadas populares é apenas uma burrice, em termos de estratégia política.

Depois não entendem por que perdem apoio a cada eleição. Aguardem novembro para ver o desempenho da esquerda. Aliás, um dos seus luminares, o governador do Maranhão Flavio Dino, fez esta semana uma previsão: e esquerda deve perder em todas as capitais, mesmo em um contexto de crise econômica e pandemia.

De qualquer forma, por curiosidade e dever de ofício, tentei assistir a algumas atrações do Festival do Conhecimento. Devo dizer que muitos painéis, sobretudo aqueles ligados à área da Saúde, tinham gente séria e trataram de temas relevantes, ainda que muito específicos. Mas todas as mesas voltadas para um público mais amplo - foco deste artigo - foram um festival de pensamento único e lacração esquerdista, como veremos a seguir.

Na programação do dia 15/07, a primeira mesa que chamou minha atenção foi “Bolsas de pesquisa: reajuste de valor, extensão de prazo e outras lutas”, um tema mais do que relevante. Afinal de contas, muitos graduados em militância não têm como se sustentar fora da bolha da academia, depois de formados. Eles têm um diploma, mas, coitados, só foram capacitados para lacrar e praticar o ódio do bem nas redes sociais.

Depois de passar quatro anos tendo seus estudos pagos pelo povo (que, repito, elegeu Bolsonaro), é um direito deles continuar sendo bancados pelo dinheiro do povo, que está interessadíssimo nas pesquisas que resultarão dessas bolsas (a própria “Gazeta do Povo” listou algumas monografias bancadas com dinheiro público nesta matéria de 2017, entre elas "Fazer banheirão: as dinâmicas das interações homoeróticas na Estação da Lapa e adjacências", “Mulheres perigosas: uma análise da categoria piriguete" e "Erótica dos signos nos aplicativos de pegação: processos multissemióticos em performances íntimo-espetaculares de si."). O sofrido povo brasileiro certamente apoiará essa luta por extensão de prazo e reajuste do valor das bolsas.

No mesmo dia, o painel temático “A ascensão da extrema-direita em perspectiva internacional: contribuições a partir da leitura do Pós-Fascismo” partiu da premissa de que pertencem à “extrema-direita” todos os governos de direita e/ou conservadores eleitos nos últimos anos pelo voto popular. Como se sabe, o povo só tem razão quando elege os candidatos que a esquerda apoia; caso contrário, estará apoiando o Fascismo e destruindo a democracia, porque toda derrota da esquerda é uma ameaça à democracia.

Também constava na programação do dia uma “apresentação cultural” da Mídia Ninja.

No dia seguinte, 16/07, mais do mesmo: no painel “Reconfigurações do Fascismo” (a fixação na palavra “Fascismo” é quase sexual), tentou-se mais uma vez demonstrar que a única alternativa ao projeto da esquerda no Brasil e do mundo é o Fascismo, e que todos que estiverem à direita de Stálin são fascistas que desejam o aumento da desigualdade e o extermínio dos pobres (os mesmos pobres que a esquerda despreza e ofende, por terem votado em Bolsonaro).

Queria ter assistido à mesa “Barbosão: Futebol, resistência e lazer”. Segundo entendi, é uma galera que se reúne para jogar pelada com forma de resistência. Um dos times da liga é o Soviet FC, que postou o seguinte em uma rede social: “Entendemos que, se o Barbosão quer ser uma resistência e um espaço que junte a classe trabalhadora para jogar futebol e debater a sociedade, só fará isso com êxito se conseguir incluir as mulheres e debater o machismo presente no dia-a-dia da sociedade e do futebol”. Entendi. Só espero que estejam jogando de máscara.

Voltei à plataforma do Festival 100 anos de Lacração, digo, Festival do Conhecimento, em 20/07. O destaque da programação do dia foi o painel temático “Gordofobia no discurso da saúde para o controle dos corpos gordos”. Aprendi que a obesidade não é um problema de saúde pública que coloca em risco os cidadãos com sobrepeso, associado a doenças coronarianas, AVC, vários tipos de câncer, diabetes, hipertensão etc. Li também em várias fontes que até as complicações da Covid-19 são maiores e mais frequentes nos obesos. Mas descobri que fui enganado. Os gordos são, na realidade, vítimas de uma narrativa opressora, cujo objetivo é controlar seus corpos.

(Então você já sabe: na próxima consulta, quando seu médico recomendar perder alguns quilinhos, você deve responder na lata “Seu fascista!”, sair do consultório e se empanturrar de hambúrguer, batata frita e milk-shake na loja de fast food mais próxima. Será um ato de resistência.)

Também estavam na programação do dia outros debates interessantes, como “Cozinhas e gênero: masculinidades e feminismos em debate”, “Saúde das atletas trans no meio esportivo”, “Nudes: entre a expressão e possibilidades de empoderamento da juventude" (como se sabe, os nudes empoderam os jovens) e “A transdisciplinaridade na vida: Diálogo em torno da multi, inter e transdisciplinaridade, suas definições, usos e benefícios”. Por fim, um painel temático intitulado “Ninguém solta a mão de ninguém”. Mas acabei perdendo, porque a mesa sobre gordofobia abriu meu apetite, e passei o resto do dia comendo para protestar contra a ditadura.

O ápice do evento foi a palestra da ex-presidente Dilma Rousseff. Sim, é isso mesmo: a UFRJ decidiu homenagear em seu centenário a presidente que foi responsável pela maior tesourada no orçamento da Educação da História deste país (corte de R$ 10,5 bilhões em 2015, isso sem nenhuma pandemia); a presidente que saudou a mandioca e queria dobrar a meta sem ter meta; a presidente que levou a economia brasileira para o abismo, com inflação de dois dígitos, recessão por dois anos seguidos e desemprego galopante, enterrando o projeto petista de perpetuação no poder; a presidente em cujos mandatos foram batidos sucessivos recordes no número de assassinatos no Brasil (56.337 em 2012, 59.626 em 2014, 61.600 em 2016).

Enfim, a lista de realizações seria longa. Os temas da palestra de Dilma foram o “capitalismo de vigilância” e a “quarta revolução tecnológica”. O vídeo está disponível no Youtube, para quem estiver com saudade da presidente com o histórico acima.

No dia seguinte, 21/07, o título de uma mesa me deixou confuso: “O neoliberalismo e a privatização do dinheiro”. Sempre achei que dinheiro, por definição, fosse privado, já que dinheiro público é o dinheiro dos pagadores de impostos, confiscado compulsoriamente pelo Estado (para, entre outras coisas, pagar as bolsas de pesquisa dos militantes e promover eventos só para a esquerda). Mas eu estava errado: na verdade, todo dinheiro é público, e todo dinheiro privado, parafraseando Proudhon, é um roubo. Deveriam criar, inclusive, uma estatal chamada Dinheirobrás, para combater o neoliberalismo fascista e a privatização do dinheiro.

Outra atração do dia foi o painel “Trans(formações): do mictório à Constituição”. E um dos debates de ontem, 23/07, tinha como tema “Um papo sobre a implementação de um serviço do processo transexualizador no interior do Nordeste e visões do manejo em saúde da população trans no Brasil”.

O evento acaba hoje, ainda dá tempo de assistir. Destaco na programação as mesas “Fascistização [olha a fixação aí!] na atual conjuntura política brasileira” e “Gêneros e Sexualidades e sua emergência nas pesquisas em Educação em Ciências e Matemática”. Porque, como todo mundo sabe, as ciências e a matemática mudam conforme o gênero e a sexualidade da pessoa. Você não sabia disso? Seu fascista!

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