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Alan Greenspan conta a história do capitalismo americano
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É preciso enfrentar com a expectativa correta a leitura das 500 páginas de “Capitalismo na América – Uma História”, escrito a quatro mãos por Alan Greenspan, ex-presidente do FED, o Banco Central americano, e Adrian Wooldridge, editor de política da revista “The Economist”, caso contrário a experiência pode ser bastante frustrante. Campeões do livre mercado, os autores recapitulam a evolução do capitalismo no país mais rico e inovador do planeta com um recorte bastante específico, enfatizando o conceito da “destruição criativa”, formulado pelo economista Joseph Schumpeter, e o papel dos empreendedores que colocaram em prática esse conceito.

Embora o ponto de partida seja 1750, quando o ritmo de crescimento do país já era elevado para os padrões da época, a narrativa ganha interesse quando chega no final do século 19, o período dos chamados “Barões ladrões” – exaltados pelos autores como figuras titânicas que, apesar de suas muitas falhas morais e de caráter, foram responsáveis por um aumento inimaginável nos padrões de vida da sociedade americana. Homens como John Rockefeller (filho de um vendedor de óleo de cobra) e Andrew Carnegie (um imigrante sem um centavo), que, começando do nada, acumularam mais poder que muitos reis na História.

Mas não há, como seria de se esperar, qualquer discussão conceitual sobre as falhas de mercado, o papel da regulação, a relação do capitalismo com as instituições democráticas ou o grau adequado de intervenção do Estado na economia. Greenspan e Wooldridge basicamente se limitam à apresentação cronológica de personagens, descobertas e inovações que foram determinantes para a crescente prosperidade da América. Quanto aos eventuais ônus da destruição criativa, os autores adotam uma justificativa do tipo “no pain, no gain”: ela causa muita dor e sofrimento, reconhecem, mas sem dor e sofrimento a economia não avança.

Nesse sentido, embora ambicioso em seu caráter panorâmico, “Capitalismo na América” se revela modesto em profundidade, reduzindo a indicadores e estatísticas questões que mereceriam análises mais complexas. O livro está mais para uma competente, mas anedótica, história de homens de negócios e suas conquistas que propriamente para uma história econômica. Nos Estados Unidos, aliás, Greenspan foi bastante criticado pela pouca atenção dada no livro aos revezes do capitalismo americano, em especial a Grande Depressão de 1930, bem como pelo tratamento dado ao New Deal e outros períodos de maior intervenção do Estado.

Não se trata, portanto, de uma investigação sobre a natureza do capitalismo, seus princípios e fundamentos, nem sobre a dinâmica das relações de produção e consumo que esse sistema estabelece e suas consequências sociais, mas de uma aplicação esquemática da ideia de destruição criativa, como fundamento e motor da economia, a histórias particulares de inovação e conquista protagonizadas por “grandes homens”. Além da apresentação impessoal da evolução de indicadores em diferentes setores da economia americana, os autores dedicam boa parte do livro à descrição das trajetórias individuais de empresários – como Thomas Edison, Henry Ford, J.P.Morgan, os já citados Rockefeller e Carnegie, até chegarmos a Bill Gates – e da ação de grandes (aos olhos dos autores) presidentes, como John Kennedy, Richard Nixon, Ronald Reagan e Bill Clinton, este elogiado pela responsabilidade fiscal. Todos são apresentados como ilustrações perfeitas da ideia de que antigos modelos de negócios e políticas públicas precisam ser periodicamente abandonados, realocando capital, ideias e mão-de-obra, para que o capitalismo floresça e continue crescendo.

Foi Reagan, aliás, quem nomeou Alan Greenspan presidente do FED, e ele foi confirmado no cargo pelos três presidentes seguintes, dos dois partidos (Democrata e Republicano). O hoje nonagenário defensor do livre mercado foi celebrado pelo bom desempenho da economia americana durante sua gestão, um período de otimismo, para em seguida ser satanizado como um dos responsáveis pela grande crise financeira que eclodiu em 2008, pouco tempo depois de ele se aposentar. Naquele mesmo ano, Greenspan lançou o best-seller “A era da turbulência”, apresentando sua própria interpretação dos fatores que levaram à recessão global e ao quase-colapso dos mercados financeiros internacionais.

“Capitalismo na América” mantém o padrão cronológico nos primeiros 11 capítulos, mas no décimo-segundo (“Enfraquecimento do dinamismo americano”), o mais interessante do livro, os autores mudam o foco e passam a examinar com mais profundidade as causas da estagnação da economia nos últimos anos, pregando a volta da cultura do risco e do empreendedorismo como caminho para a América recuperar o dinamismo hoje em declínio. Os autores fazem uma crítica dura à cultura da aversão ao risco e ao excesso de regulação das atividades econômicas: “A terra da liberdade na prática se tornou uma das sociedades mais reguladas do mundo”, lamentam. A sobrecarga regulatória, argumentam com razão, “burocratiza o capitalismo e mata o espírito da inovação empreendedora”. Mas, se Greenspan classifica a burocracia que hoje recai sobre os empresários americanos como um “pesadelo kafkiano”, o que ele diria sobre o Brasil?

Capitalismo na América – Uma História

Alan Greenspan e Adrian Wooldridge (Tradução de Catharina Pinheiro)

Editora Record, 518 pgs. R$ 74,90

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