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Economista investiga o que nos leva a tomar decisões erradas
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No trabalho como na vida pessoal, somos pressionados o tempo inteiro a tomar decisões que consomem energia, geram ansiedade e podem ter consequências negativas. Para reduzir o stress envolvido nesse processo, a tendência costuma ser ligar o piloto automático da mente e decidir com base em crenças arraigadas e padrões consolidados pela repetição. Mas isso pode nos levar a fazer escolhas ruins, que provocarão problemas e sofrimento no futuro. Em um mundo cada vez mais complexo e sob um bombardeio incessante de informações, pode ser útil refletir sobre formas de aprimorar nossos processos de tomada de decisão.

Mas aprender a decidir melhor não é uma tarefa tão fácil quanto parece: envolve lidar com a incerteza e a impossibilidade de prever o desfecho de uma situação. Envolve, também, aceitar e entender nossas limitações. Isso fica particularmente evidente na forma como reagimos à pandemia de Covid-19: como, objetivamente, a ciência e a mídia não conseguiram criar uma narrativa satisfatória sobre os riscos, os tratamentos, o isolamento social, a eficácia das vacinas, as taxas de crescimento de contágios e mortes, nosso cérebro pode encontrar justificativas para comportamentos que vão da paranoia ao negacionismo, com base nas “âncoras” erradas – a opinião de amigos, o zunzunzum das redes sociais ou mesmo questões ideológicas e políticas.

No livro “Escolher bem, escolher mal – Armadilhas da tomada de decisão”, a economista e professora da FGV Alexandra Strommer Godoi investiga os mecanismos psicológicos e mentais envolvidos nas nossas escolhas, com base nas pesquisas mais recentes em diferentes áreas – da psicologia cognitiva e da economia comportamental à administração e às ciências da computação.

Entre outros temas, Alexandra analisa o “efeito manada”, comportamento bem documentado na psicologia que está associado à necessidade de aceitação e pertencimento ao grupo. Se isso faz sentido socialmente falando, o problema é que, frequentemente, a manada está errada. Boa parte do livro tem relação com os chamados “vieses cognitivos”, que estão na raiz de quase todas as escolhas erradas que fazemos.

Por exemplo, frequentemente confundimos correlação com causalidade: vemos uma coisa acontecer depois da outra e concluímos apressadamente que a segunda foi consequência da primeira. É com base nesse viés que se desenvolvem superstições, crenças falsas – e as teorias da conspiração. Também tendemos a só procurar notícias e opiniões que confirmem aquilo em que acreditamos (“viés de confirmação”), quando muitas vezes é mais prudente e eficaz saber lidar com humildade com informações que contradizem aquilo em que acreditamos. Como escreveu Anaïs Nin, citada pela autora, “não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos”.

Ou seja, é necessário estarmos preparados para mudar de opinião quando a realidade fria dos fatos demonstra que estávamos errados. Aliás, o melhor capítulo de “Escolher bem, escolher mal” é “Espelho, espelho meu… A sutil arte do autoengano”. Aqui a autora analisa por que resistimos a reconhecer nossos erros: nossas crenças determinam nossa identidade social, nossa autoestima, nossa capacidade de lidar com as ansiedades e medos que os desafios do cotidiano trazem. Crenças são, nesse sentido, "marcadores de identidade", e o processo de nos livrarmos delas pode ser doloroso. “Pertencer pode, muitas vezes, ser mais importante que estar certo”, escreve Alexandra. “Os grupos a que pertencemos têm lógicas próprias de funcionamento e objetivos que vão além da vontade de descobrir a verdade”.

É natural, portanto, quando confrontados com uma realidade que contradiz nossas crenças, reagirmos defensivamente e encontrarmos uma maneira de negar os fatos. Como escreveu Mark Twain, “é mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que elas foram enganadas”. E isso vale para todo mundo, independente da ideologia ou partido político.

Uma conclusão importante da autora é que, da mesma forma que não existe almoço grátis, não existe escolha sem perda. Quando decidimos abrir uma porta, estamos ao mesmo tempo fechando outras (e vice-versa). Todas as decisões têm custos, sejam eles emocionais ou financeiros (ou simplesmente de tempo e energia). Vale a pena, portanto, rever os métodos que adotamos para tomar nossas decisões.: a vida pode ficar bem menos difícil.

A economista Alexandra Strommer Godoi, autora do livro
A economista Alexandra Strommer Godoi, autora do livro

Trecho do livro “Escolher bem, escolher mal”:

“Nossas crenças não são apenas ferramentas que usamos para a tomada de decisão: elas têm valor por si próprias. Aquilo em que acreditamos define muitas vezes quem somos, portanto novas informações que as desafiem não são bem-vindas. Estamos dispostos a defendê-las com afinco, e usamos diversos ‘truque psicológicos’ para nos protegermos do desconforto, angústia e medo que sentimos quando as vemos ameaçadas.

“Esse ‘ilusionismo mental’ nos impede de ver como as coisas realmente são e, por vezes, nos leva a visões equivocadas do mundo, fenômeno que é muito amplificado quando os valores em questão são parte da identidade do grupo ao qual pertencemos. Somos biologicamente programados para imitar as ações do coletivo, o que nos permite absorver informações do grupo eficientemente e reagir com rapidez a perigos, como a manada que escapa do predador. Porém, em certos contextos, nossa propensão a seguir a maioria pode amplificar e retroalimentar erros, levando a uma ‘escalada de autoengano’ com consequências muito graves.

“Mais do que reconhecer vieses nos outros, é importante que estejamos conscientes de que somos, nós mesmos, vítimas fáceis para o ‘ilusionismo mental’. Quanto mais informados e sofisticados formos, e quanto mais motivados estivermos, mais recursos e incentivos teremos para racionalizar nossas ações. Concluímos primeiro, depois justificamos.”

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