“Quando as pessoas são livres para fazerem o que querem, elas geralmente imitam umas às outras”, escreveu Eric Hoffer, autor de “Fanatismo e movimentos de massa” (“The true believer”, 1951).
De fato, por sua necessidade inata de aprovação social, o ser humano tende a achar mais corretos os comportamentos e opiniões que a maioria das pessoas à sua volta considerar corretos.
Daí a importância do controle de narrativa por qualquer governo de viés autoritário: à força da repetição, e com o indispensável apoio da mídia e outras instituições aparelhadas, ideias que seriam consideradas ridículas há 20 ou 30 anos ganham ares de verdades incontestáveis. Isso ao mesmo tempo em que se destroem crenças e valores que até outro dia eram compartilhados por toda a sociedade.
A combinação de propaganda maciça e ausência de valores compartilhados cria o caldo de cultura ideal para a imposição de uma agenda ideológica, a qual pretende transformar a sociedade de cima para baixo - sem qualquer espaço para o contraditório e a dissidência. Oposição, só de mentirinha. A opinião da maioria só vale quando interessa aos donos do poder.
Voltarei a Erich Hoffer em outro artigo, mas o preâmbulo acima ajuda a entender como e por que o sistema se esforça tanto para disseminar, na sociedade, “verdades” absolutas, que não aceitam crítica ou contestação.
Por exemplo, na cobertura das atuais eleições legislativas na França, a grande mídia cooptada é unânime em apresentar Marine Le Pen e seu partido como sendo de “extrema direita” ou “ultradireita”, enquanto Lacron (digo, Macron) é descrito como um defensor da democracia.
(Porque, como se sabe, a democracia, tal como se pratica hoje, não aceita o convívio com a diferença: todos devem pensar da mesma forma e defender as mesmas ideias, sob pena de ser classificado como "fascista", alguém que merece ser perseguido e censurado.)
O objetivo não é só desinformar, mas constranger, intimidar e calar. É criar um ambiente no qual qualquer pessoa medianamente culta se sinta mal ao manifestar simpatia por Marine Le Pen, já que isso pode trazer consequências sociais desagradáveis. Desnecessário dizer, o mesmo processo ocorre no Brasil, em relação a Bolsonaro, e nos Estados Unidos, em relação a Donald Trump.
Na França, como no Brasil, o cidadão comum está cansado de discursinho de ostentação de virtude e de patrulhamento
A boa notícia é que o truque não está colando mais. O cidadão comum, na França como na América e no Brasil, está de saco cheio de discursinho de ostentação de virtude e de patrulhamento. Porque ele sente na pele que sua vida está só piorando e que está perdendo a própria liberdade, enquanto os valores nos quais acredita são ridicularizados por aqueles que dizem representá-lo. Sem falar que prometeram picanha e entregaram pescoço de galinha.
Mas será mesmo que Marine Le Pen é de extrema direita? Em que se baseia essa afirmação, repetida à exaustão por jornalistas da grande mídia e outros formadores de opinião? Será que eles leram e entenderam quais são as propostas de Le Pen e de seu partido, o Reunião Nacional (RN)? Ou estão apenas repetindo, como papagaios, comandos recebidos de cima?
Pois bem, para entender - e concluir de maneira honesta e informada - se Marine Le Pen pode ou não ser considerada de extrema-direita é preciso conhecer seu programa político. Listo a seguir as principais propostas, separadas por tema, do RN, o partido que venceu por larga margem o primeiro turno das eleições legislativas na França:
Em relação à imigração e segurança:
- Reduzir a imigração, limitando o número de imigrantes legais e endurecendo as políticas de asilo;
- Expulsar imigrantes ilegais e aqueles que cometeram crimes.
Em relação à soberania nacional:
- Reforçar as fronteiras nacionais e aumentar o orçamento da polícia e das forças de segurança;
- Realizar um referendo para restabelecer a supremacia das leis francesas sobre as leis da União Europeia;
- Retirar a França do comando integrado da OTAN e recuperar a independência militar;
Em relação a economia e emprego:
- Dar prioridade a empresas francesas em contratos públicos.
- Criar tarifas e barreiras comerciais para proteger a indústria francesa da concorrência estrangeira desleal;
- Reduzir impostos para pequenas e médias empresas e para trabalhadores de baixa renda.
Em relação à cultura e identidade nacional:
- Promover a cultura e os valores tradicionais franceses;
- Restringir o uso de símbolos religiosos em espaços públicos, com ênfase particular no Islamismo.
Em relação à Justiça e ao sistema penal:
- Endurecer as penas para crimes graves e reincidentes.
- Construir mais prisões para resolver a superlotação carcerária.
Em relação a políticas sociais:
- Melhorar o sistema de saúde pública e aumentar o orçamento para hospitais e profissionais da área da saúde.
- Implementar políticas de bem-estar social que priorizem cidadãos franceses.
Em suma, é uma agenda voltada para a defesa da soberania nacional, o protecionismo econômico, o aumento da segurança interna e a preservação da identidade cultural francesa.
Alguém de boa fé acredita mesmo que estas são propostas fascistas? Que elas configuram uma agenda de extrema-direita? Por quê? Com base em que critérios? Em alguns casos, elas poderiam até ser defendidas por candidatos de esquerda!
É óbvio que qualquer pessoa pode discordar de algumas ou mesmo de todas essas propostas. O sujeito tem o direito de ser a favor da imigração descontrolada, inclusive de criminosos; tem o direito de defender o aumento de impostos e o fim da polícia; tem o direito de defender o desencarceramento e a destruição dos valores tradicionais e da identidade cultural francesa; tem o direito de achar que imigrantes devem ter prioridade em relação aos cidadãos franceses na politicas sociais; tem o direito de achar que a França deve abrir mão de sua soberania e se curvar a ditames externos. Na democracia é assim, cada um defende as propostas que quiser.
Mas ele não tem o direito de rotular como fascista, nem de censurar e desqualificar quem aprova essas propostas (como a maioria dos franceses parece aprovar). É desonesto.
Autoridades, professores universitários, jornalistas da grande mídia e outros formadores de opinião: parem de ladainha, porque essa estratégia não está mais funcionando. Saiam do cercadinho ideológico em que vocês escolheram viver. Reconectem-se com as pessoas comuns, entendam o que elas querem, em quê elas acreditam, o que elas esperam do governo, da mídia e das universidades. Seguramente, vão ter muitas surpresas.
Porque, na França como na América e no Brasil, as pessoas comuns estão cansadas de serem rotuladas de fascistas e de extrema direita apenas por defenderem seus valores e os interesses de seu país. Elas não estão mais ligando para o que vocês dizem. Está ficando feio e ridículo.
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