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Pacientes da Gripe Espanhola em um hospital do Kansas, em 1918
Pacientes da Gripe Espanhola em um hospital do Kansas, em 1918| Foto: Divulgação/US National Museum of Health

Eu me lembro de ter visto um meme, logo no começo da pandemia, no qual um viajante do tempo vindo do futuro e uma pessoa qualquer travavam o seguinte diálogo:

_ Em que ano estamos?

_ 2020.

_ Humm...  Ainda no primeiro ano da pandemia...

O que parecia uma piada – supor que a Covid-19 duraria mais que um ano – começa a ganhar contornos de realidade. O cômico virou trágico: já estamos nos aproximando do final de 2020, e a pandemia de Covid-19 ainda está longe de ser superada. A expectativa de começarmos 2021 livres desse problema agora parece ingênua e otimista, e há quem diga que isolamentos sociais intermitentes continuarão sendo necessários até 2022.

Em meio à segunda onda que atinge com força os países europeus e às incertezas sobre os prazos e a real eficácia das vacinas, fica difícil acreditar em uma solução a curto prazo. Convém adequar as expectativas à realidade, porque, salvo na cabeça dos negacionistas, não há perspectiva de retorno rápido à antiga normalidade.

Por outro lado, a sensação de pânico e descontrole está se atenuando, em parte por cansaço das pessoas, em parte porque os dados sugerem que a segunda onda será menos letal que a primeira. As curvas de casos no planeta voltaram a aumentar e bater recordes, mas as curvas de mortes não.

Casos e mortes diários no planeta, segundo o site worldometers.info/coronavirus
Casos e mortes diários no planeta, segundo o site worldometers.info/coronavirus

Pode ser um bom momento para voltarmos mais uma vez os olhos para o passado e perguntar: como foi que a Gripe Espanhola de 1918/1919 terminou?

Como se sabe, a pior pandemia do século 20 infectou mais de 500 milhões de pessoas e matou pelo menos 50 milhões, em uma época na qual a população do planeta era muito menor. No Brasil estima-se o total de mortes em 35.000, sendo 15.000 só na cidade do Rio de Janeiro. A Gripe causou mais mortes dos que os campos de batalha da Primeira Guerra, mas um dia ela passou – e sem vacina.

Teremos que aprender a conviver com o vírus: máscaras, álcool gel e regras de distanciamento ainda farão parte do cotidiano do planeta por um bom tempo

Hoje o consenso é que a Gripe Espanhola (que aliás não começou na Espanha) terminou mesmo em função da imunização de rebanho, que impediu o vírus de continuar se espalhando, por falta de hospedeiros. Mas isso só aconteceu depois que um terço da população mundial teve contato com o vírus. Houve uma segunda onda (pior que a primeira) e uma terceira onda, já em 1920. A Covid-19 pode seguir o mesmo padrão?

A notícia ruim é que, se os números oficiais estiverem corretos, menos de 1% da população atual do planeta já foi contaminada pelo novo coronavírus. No momento em que escrevo, o site worldometers.info/coronavirus registra cerca de 41,5 milhões de casos no mundo inteiro (em uma população de 7,6 bilhões de pessoas). Isso após quase 10 meses de quarentenas, lockdowns e outras medidas variadas, em diferentes países. Mesmo que haja subnotificação e que o número real de infectados seja cinco ou mesmo dez vezes maior, ainda vai demorar muito para atingirmos a tal imunidade de rebanho.

Ou seja, teremos mesmo que aprender a conviver com o vírus. Máscaras, álcool gel e regras de distanciamento ainda farão parte do cotidiano do planeta por um bom tempo. Mas é claro que uma parte da população não está nem aí: são as pessoas que se sentem seguras e se mostram indiferentes aos mais vulneráveis. Atenção: não estou falando de quem não pode se dar ao luxo de ficar em casa, porque precisa trabalhar e levar comida para casa, mas daqueles que, sem precisar, buscam as aglomerações e se comportam como se não houvesse amanhã, ignorando deliberadamente os riscos de transmissão.

No final de setembro, a CNN entrevistou três estudiosos da Gripe Espanhola – o historiador John M.Barry, autor do livro “A Grande Gripe – A História da pandemia mais mortal de todos os tempos”; o médico Jeremy Brown, autor de "Influenza – A caçada de 100 anos para curar a doença mais mortal da História”; e a jornalista Gina Kolata, repórter de ciência e medicina do jornal “The New York Times” e autora de "Gripe – A História da grande pandemia de Influenza de 1918 e a busca pelo vírus que a causou".

Trazendo boas e más notícias, alimentando esperanças e medos, os três especialistas fizeram analogias entre a Gripe Espanhola que eclodiu em 1918 e a pandemia de Covid-19 de 2020. Uma das perguntas que os três responderam foi a seguinte: “Dado o que você sabe sobre a Gripe de 1918, com o que você está particularmente preocupado agora?”

Barry respondeu estar preocupado com as sequelas invisíveis da Covid, já que o vírus pode causar danos permanentes ao coração e aos pulmões dos infectados, mesmo quando são assintomáticos – danos que poderão afetar suas vidas daqui a 10 ou 15 anos. Kolata manifestou preocupação com as pessoas que perderam tudo e não têm o suficiente para comer e com a geração perdida de estudantes que se formam e não encontram emprego.

Mas a resposta que mais me impressionou foi a de Brown:

“Estou mais preocupado com o egoísmo das pessoas que têm esse pensamento: ‘Se eu estou bem, isso é tudo que importa’. A mensagem que vimos nessa pandemia é que as pessoas são egoístas em um grau notável, como nunca vimos antes. O egoísmo e a incapacidade de ter empatia por outras pessoas que não são como elas é um dos aspectos muito, muito preocupantes que a doença destacou”.

Concordo totalmente.

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