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“Teorias cínicas” examina agenda secreta dos movimentos identitários
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Um livro de leitura obrigatória acaba de ser lançado: “Teorias cínicas – Como a academia e o ativismo tornam raça, gênero e identidade o centro de tudo – e por que isso prejudica todos”, de Helen Pluckrose e James Lindsay.

Um dos autores que elogiaram “Teorias cínicas” é o psicólogo Steven Pinker, professor da Universidade Harvard e autor de livros como “O novo Iluminismo”: “Muitas pessoas estão perplexas com a onda de guerra de justiça social que transbordou do ambiente acadêmico e inundou outras esferas da vida. De onde veio? Que ideias estão por trás disso? Aqui estão as raízes intelectuais surpreendentemente superficiais dos movimentos que parecem estar engolindo a nossa cultura”.

Pinker conhece bem o assunto: em julho de 2020, ele foi “cancelado” em um manifesto de intelectuais e linguistas americanos, que denunciaram um "padrão de abafamento das vozes de pessoas que sofrem violências racistas e sexistas" nos seus artigos e postagens no Twitter. Em um desses artigos, Pinker questionou a tese de que a polícia americana atira desproporcionalmente em negros: “A polícia mata muitas pessoas, brancas e negras. O foco na raça distrai da solução do problema”, escreveu. Isso bastou para os autores do manifesto acusarem Pinker de “fazer afirmações desonestas para ofuscar o papel do racismo estrutural na violência policial”. Pois é.

Evidentemente, Pluckrose e Lindsay não negam a legitimidade e a necessidade do combate a qualquer tipo de intolerância contra minorias, mas mostra como os movimentos identitários de apropriaram dessa bandeira de forma a impor à sociedade uma narrativa autoritária, que ignora evidências e qualquer forma de debate livre: “Os cruzados sociais progressistas de extrema esquerda se apresentam como os únicos e justos defensores do progresso social e moral”, escrevem.

O duro é que a grande mídia compra e vende essa narrativa, que cola na testa de todos aqueles que não rezam pela cartilha progressista-identitária o carimbo de fascistas e reacionários – e faz do politicamente correto uma arma para difamar adversários: basta acusá-los de terem dito algo que, por não satisfazer aos novos códigos de fala e conduta impostos pela ditadura das minorias, é interpretável como sexista, racista ou homofóbico.

A consequência dessa ideologia fundamentalista que divide a sociedade entre “nós” (a esquerda pura, justa e boazinha, detentora do monopólio da luta pela justiça social) e “eles” (os “fascistas”, isto é, todos aqueles que não concordam com as nossas teses e que, portanto, odeiam os pobres e merecem ser massacrados na praça pública das redes sociais) é um ambiente de guerra cultural e censura, no qual ativistas se unem em matilhas nas redes sociais para perseguir, humilhar publicamente e esfolar qualquer pessoa que tenha a ousadia de manifestar uma opinião divergente (ou de votar no candidato “errado”...).

O aprimoramento da democracia, a limitação dos poderes do governo, a defesa dos direitos humanos, a igualdade jurídica, a liberdade de expressão e o próprio respeito à diversidade são conquistas do liberalismo, não de regimes de esquerda

Os autores começam afirmando uma verdade óbvia, deliberadamente ignorada pelos militantes progressistas e pelos ativistas dos movimentos identitários: o aprimoramento da democracia, a limitação dos poderes do governo, a defesa dos direitos humanos, a igualdade jurídica, a liberdade de expressão e o próprio respeito à diversidade são conquistas do liberalismo, não de regimes de esquerda. Foi nos países de governos liberais que a justiça social aumentou, sobretudo no respeito às minorias – e não nos regimes antiliberais, onde essas minorias são ainda hoje perseguidas e criminalizadas, e onde liberdades individuais são cotidianamente desrespeitadas.

É uma contradição em termos dos movimentos identitários, portanto, associar a luta por justiça social ao combate a governos liberais ou de direita. Mas a contradição não é um problema para eles, ao contrário: Pluckrose e Lindsay demonstram como a esquerda progressista se serviu das teorias do pós-modernismo que negam a existência de uma verdade objetiva e reduzem tudo – todas as questões de raça, classe, gênero e sexualidade – a disputas de poder, nas quais o que importa não é a verdade, mas derrotar o inimigo: “[Os ativistas] interpretam o mundo através de uma lente que detecta a dinâmica de poder em cada interação. (...) É uma visão de mundo centralizada em ressentimentos sociais e culturais e visa converter tudo em uma luta política que gira em torno de marcadores de identidade, como raça, sexo, gênero e sexualidade”.

“Teorias cínicas” ordena e sistematiza de forma clara a evolução do ideário pós-modernista desde as décadas de 1960 e 1970, quando ganharam destaque pensadores como Michel Foucault e Jacques Derrida, e mostra como essas ideias foram politicamente acionadas pelas teorias identitárias que se consolidaram na universidade americana a partir dos anos 80 e 90: a toeira pós-colonial, os estudos de gênero, a teoria queer e o feminismo interseccional – movimentos aos quais se somaram, mais recentemente, dois novos campos de estudo de minorias, sobre os deficientes e sobre o “corpo gordo”.

Segundo os autores, esses intelectuais e acadêmicos vêm se dedicando com uma convicção religiosa, já há algumas décadas, a sabotar e destruir – ou melhor, “desconstruir” – todos os valores e pilares que sustentaram até aqui a sociedade ocidental, começando pelo cristianismo, para substitui-los por um novo sistema de crenças e poder. Esse processo, em pleno curso, passa pela redução de todos os problemas do mundo à “supremacia branca”, ao “patriarcado”, à “heteronormatividade”, à “cisnormatividade” e, mais recentemente, ao “capacitismo” e à “gordofobia”.

O grande capital aplaude: o inimigo da esquerda deixou de ser a elite econômica e passou a ser o cidadão comum que trabalha e se recusa a aceitar a ideologia de gênero ou admitir que “trans é mulher”. Tempos estranhos.

O processo de implantação da agenda não tão secreta de desconstrução dos valores ocidentais passa, também, pela afirmação de que só homens podem ser sexistas, e só pessoas brancas podem ser racistas, ou por toda a bobajada da “apropriação cultural”, que inclui proibir as pessoas de praticar yoga, usar turbante ou se fantasiar de índio no carnaval . “Diante disso”, escrevem Pluckrose e Lindsay, “torna-se cada vez mais difícil e até perigoso sustentar que pessoas devem ser tratadas como indivíduos [leia-se, independentemente do sexo, etnia ou orientação sexual], ou preconizar o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada, diante de políticas identitárias desagregadoras e coercitivas (...). Isso dissuade muitas pessoas bem intencionadas de sequer tentar, [em função do] perigo de ser rotulado de inimigo da justiça social”. É assustador.

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