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Um passo a passo para perverter a democracia (final)
| Foto: Reprodução Instagram

Um dos traços distintivos do nosso tempo é o fenômeno da “burguesia de esquerda”. Essa burguesia foi convencida a acreditar (ou finge acreditar por cinismo) que é portadora de uma dívida histórica infinita, mas com uma vantagem: ela pode pagar essa dívida alegremente, em prestações a perder de vista. Basta replicar diariamente slogans lacradores e postar textões nas redes sociais apontando o dedo, difamando, perseguindo e esfolando quem discordar da agenda progressista.

A burguesia de esquerda age como se carregasse nas costas o peso do mundo, como os ombros do poema de Drummond, mas na verdade a sua cruz é de isopor: ela não precisa gastar um centavo, nem ajudar de verdade os pobres e as minorias, nem fazer qualquer esforço real para reduzir as desigualdades sociais. É suficiente lacrar todos os dias e se declarar de esquerda, o lado certo, o lado do bem.

Na verdade, ela não precisa nem se levantar do sofá: dá para praticar o ódio do bem pelo celular até no intervalo do Big Brother. A contrapartida ao pagamento diário desse carnê é um certificado de superioridade moral assinado por um ator de telenovela, uma bilionária de esquerda, um cantor de funk e uma youtuber-blogueirinha-digital influencer – pois são estes os personagens que a mídia vende como as referências éticas da nossa época.

Esse certificado de superioridade moral garante à burguesia de esquerda ser deixada em paz para continuar a usufruir de todos os seus privilégios sem culpa: viagens ao exterior, gastos exorbitantes em shopping centers, jantares em restaurantes caros frequentados pelos happy few, roupas de grife, festas abastecidas da droga da moda. Acham natural e bonito e até defender a censura, desde que aplicada aos adversários. Nunca pisaram numa favela, mas odeiam a polícia e fecham os olhos para os traficantes/bandidos vítimas da sociedade: sua relação com os pobres que ela afirma defender é abstrata.

É um fenômeno que mereceria um estudo aprofundado, este da burguesia de esquerda: uma burguesia cuja situação de classe não coincide com sua consciência de classe – porque sua consciência de classe é uma má consciência de classe. Essa burguesia é em tudo burguesa– menos no discurso, radicalmente hostil à “elite branca” que ela própria integra.

A burguesia de esquerda age como se carregasse nas costas todo o peso do mundo, mas a sua cruz é de isopor

Essa esquizofrenia de classe ajuda a entender por que, por exemplo, na eleição municipal do Rio de Janeiro em 2016, o candidato do PSOL foi maioria apenas nos bairros ricos da Zona Sul carioca (e somente aí), povoados por uma juventude que aprendeu, nas salas de aula da Escola com Partido, a odiar a elite à qual pertence, mas na qual não se enxerga nem se reconhece. A periferia em peso votou no candidato evangélico. Muita burrice e ingratidão.

Mas cuidado, leitor: mesmo sendo pobre ou pertencendo a alguma minoria, se você criticar a burguesia de esquerda será execrado e condenado ao desterro simbólico, à morte social diante de pelotões de fuzilamento moral montados às pressas pela “galera do bem” em grupos de WhatsApp. Tempos sombrios.

Voltando à análise do mapeamento das estratégias de perversão da democracia realizado por Noam Chomsky, tema deste e deste artigo, encerro comentando a última, a estratégia do monitoramento:

7 - Monitoramento:

“Por meio do uso de técnicas de pesquisa de opinião, mineração de dados em redes sociais e também dos avanços nas áreas de psicologia e neurobiologia, os donos do poder tem conseguido conhecer melhor o comportamento do indivíduo comum muito mais do que ele mesmo. A monitoração deste comportamento além de alimentar os dados que aperfeiçoam seu modelo psicossocial, oferecem informações que facilitam o controle e a manipulação da opinião pública.”

Até a campanha eleitoral de 2018, as redes sociais eram ocupadas de forma hegemônica e predatória pela esquerda: durante mais de uma década, um exército de militantes virtuais (conhecidos como MAVs), remunerados ou não, se dedicou com afinco a espalhar nas redes sociais posts elogiosos (nem sempre verdadeiros) sobre o Governo e seus aliados e posts agressivos (geralmente falsos) sobre a oposição. Além disso, invadiam sem nenhuma cerimônia o espaço de comentários de qualquer postagem ou reportagem crítica ao governo, colando textões que desqualificavam o autor do post original.

Isso mudou bastante, é claro: em 2018 a esquerda perdeu de vez o monopólio das redes sociais – como já tinha perdido o monopólio das ruas, a partir dos protestos de junho de 2013. Mas, curiosamente, durante o longo período em que as redes eram monopolizadas pela esquerda, não se teve notícia de uma iniciativa sequer do Poder Judiciário para interferir no ativismo digital, nem muito menos para criminalizar a militância virtual. Antes era liberdade de expressão. Hoje é crime que dá cadeia.

A lista de Chomsky poderia ser complementada com muitas outras estratégias – que serão tema, quiçá, de um artigo futuro: a estratégia da auto-vitimização; a estratégia da auto-vangloriação; a estratégia da campanha eleitoral permanente; a estratégia da “moral total flex”; a estratégia do shaming; a estratégia da difamação, do cancelamento e do assassinato de reputações; a estratégia de atribuir ao adversário as próprias condutas; a estratégia de afirmar como verdade óbvia uma opinião; a estratégia das agressões e ofensas diretas. Etc etc etc.

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