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(Brasília - DF, 20/08/2019) Apresentação das Crianças do Conservatório Musical do Vale do Juruá. rFoto: Marcos Corrêa/PR
Bolsonaro posou para fotos com crianças e jovens do Conservatório Musical do Vale do Juruá: música que alerta sobre ameaças à Amazônia não pôde ser cantada.| Foto: Marcos Correa/PR

“Salvem o nosso planeta/Salvem o nosso país/Salvem a nossa Amazônia/O nosso verde está por um triz”. O alerta foi feito, em forma de canção, pelas crianças e adolescentes integrantes do Conservatório Musical do Vale do Juruá (AC), que se apresentou nesta semana nos salões do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Quartel General do Exército, em Brasília. A música só não foi executada no Planalto, onde o coral foi recebido pelo presidente Jair Bolsonaro, porque não houve tempo.

A mensagem chegou num momento em que o presidente levantava a suspeita de que ONGs seriam responsáveis por queimadas criminosas na Amazônia. Bolsonaro também tem contestado informações de institutos e órgãos ambientais, principalmente do exterior, sobre o crescimento do desmatamento na floresta amazônica durante o seu governo.

O criador e coordenador do projeto “Musicalizando pessoas com amor”, de Cruzeiro do Sul (AC), promotor Iverson Bueno, lamentou o pouco tempo de apresentação no Planalto: “Eu gostaria de tocá-la, gostaria de passar essa mensagem ao nosso presidente, para que cuide da nossa Amazônia. Sou da floresta amazônica, sou procurador do meio ambiente, mas, infelizmente, por questões do cerimonial, tivemos que tirar”. Os versos da música que não pôde ser apresentada ao chefe da nação são da compositora Jamily.

Bueno afirmou que não houve censura: “Essa música em nenhum momento foi barrada pelo cerimonial. Eles aceitaram, só que, em razão do tempo, foi necessário ser retirada para que pudéssemos executar as outras músicas”. Ele e o maestro optaram pelo trecho em latim da cantata Carmina Burana. “Tecnicamente, estamos também pensando no futuro do projeto. E a ópera, com crianças carentes, algumas até analfabetas, cantando em latim, chamaria muito mais a atenção para o apoio que a gente precisa”, explicou o promotor.

“Há, sim, desmatamento”

Questionado sobre as declarações do presidente de que não estaria havendo crescimento do desmatamento na Amazônia, o promotor ambiental afirmou: “na prática, nós percebemos que há, sim, um aumento. A questão das queimadas no Acre começou muito forte no mês de agosto. Há sim um desmatamento acontecendo. No Vale do Juruá, nós verificamos a poluição. As pessoas são tão conscientes de que não podem poluir que fazem as queimadas durante à noite, na madrugada. Nós percebemos durante o dia uma névoa na cidade. Infelizmente, é a nossa realidade, está tendo um desmatamento sim, desenfreado”.

Bueno afirma que os órgãos ambientais no estado estão combatendo o desmatamento. “Estamos investigando e, na medida do possível, efetuando prisões em flagrante dessas pessoas, em razão desses fatos que são comprovados por imagens de satélites. Nós cruzamos os dados e identificamos o dono da propriedade. Concluindo, o Acre está sim sendo desmatado”. Mas ele destaca que isso não é prioridade para o governo federal: “percebemos que o objetivo principal hoje, do Ministério do Meio Ambiente, está nas cidades. A política de gerenciamento dos resíduos sólidos e saneamento básico. A nossa floresta e a zona rural estão em segundo plano. Talvez seja esse um problema que o MP (Ministério Público) vai ter que enfrentar daqui para frente”.

“O problema está nas cidades”

O senador acreano Márcio Bittar (MDB) aprova a prioridade do governo Bolsonaro. “O grande problema de contaminação no Brasil é na floresta ou nas áreas urbanas? O maior problema é nas cidades. O nosso problema é o Rio Acre, que alaga a cidade todo ano e provoca R$ 200 milhões, R$ 300 milhões de prejuízo. Os igarapés se transformaram em esgoto. O governo está certo”.

Bittar também contesta as críticas de países como Alemanha e Noruega, que retiraram doações para o Fundo Amazônia em protesto contra a política ambiental de Bolsonaro. “Quem é a Alemanha, a Noruega, para dar lição de moral ao Brasil? Eles, sim, de fato, devastaram suas floretas. O Fundo Amazônia é um atentado à soberania brasileira. Não fizeram um quilômetro de esgoto. Só servem para fazer proselitismo, patrocinar ONGs apátridas, pagar pessoal, passagens, diárias”.

O senador também apoia a ideia de Bolsonaro de dar liberdade aos índios para explorar as riquezas das suas terras. “O índio hoje não é dono da terra dele coisa nenhuma. Se quiser usar um hectare da sua terra para plantar eucalipto, vai conseguir licença? Não vai mesmo. O nosso índio hoje como está? Alcoolizado, catando lixo no meio da rua, sendo cooptado pelo narcotráfico na fronteira. É a lei da selva”.

Bittar também ataca a crescente pressão internacional contra o governo brasileiro na área ambiental. “Acho isso uma vassalagem do Brasil. Alguém deixa de comprar petróleo da Arábia porque eles dão porrada em mulher?” Ele também criticou a afirmação de que a nuvem negra que pairou sobre a cidade de São Paulo nesta semana teria sido originada na Amazônia. “No mesmo dia, ficou esclarecido que era resultado do movimento dos mares e de fumaça que veio da Bolívia do Evo Morales”.

Crianças cooptadas pelo crime

O projeto "Musicalizando pessoas com amor” teve início há dois anos, numa parceria do MP com o Exército. Eles reformaram uma casa abandonada e abriram inscrições para crianças carentes. Selecionaram as melhores vozes, os melhores talentos e criaram uma orquestra. Já há 400 alunos inscritos e outros 500 na fila. O promotor Bueno conta como surgiu a ideia: “elas estavam sendo cooptadas pelo crime organizado, o Comando Vermelho, Bonde dos 13, que são duas facções que existem em Cruzeiro do Sul (no Acre). Percebemos que devíamos fazer alguma coisa de prevenção”.

O resultado veio logo: “O conservatório de música virou uma espécie de laboratório de psicologia, filosofia, transformação social. O professor de música passa a ser pai, tio, irmão, um consultor daquele jovem que vive em constante problema social. E o resultado disso foi o sucesso deles, através da música. Eles acreditaram que podiam mudar as suas vidas”, relata o promotor.

A viagem a Brasília foi mais um marco para o conservatório, que já ganhou alguns prêmios nacionais. “Vir a Brasília, fazer apresentações no Palácio do Planalto, no STF, no MPT, no Quartel General, mostra que o trabalho está sendo bem feito. Devemos continuar, ampliar”. Foram cinco dias na estrada, mais de 4 mil quilômetros ouvindo as histórias das crianças. “Nós percebemos que nós, adultos, não temos tempo para ouvir os problemas dos adolescentes. Nesses cinco dias, podemos perceber como eles são carentes. Com esse projeto, acabamos desenvolvendo neles a autoconfiança. Eles agora têm mais amor próprio. Eles estão voltando transformados para o estado do Acre”.

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