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O residencial dos generais quatro estrelas em Brasília, conhecido como "Fazendinha": taifeiros cozinham, limpam a casa e cuidam do jardim, entre outros afazeres.
O residencial dos generais quatro estrelas em Brasília, conhecido como “Fazendinha”: taifeiros cozinham, limpam a casa e cuidam do jardim, entre outros afazeres.| Foto: Lúcio Vaz/Gazeta do Povo

Militares do Exército relataram ao blog que cabos e soldados estão fazendo o serviço de taifeiros – cozinha, copa, limpeza geral – em casas de generais, embora o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, tenha baixado portaria, em maio deste ano, proibindo esses serviços em atividades particulares nas residências ocupadas por oficiais-generais. O blog havia mostrado as humilhações a que taifeiros eram submetidos, como fazer a comida dos cachorros e lavar roupas íntimas das esposas de generais.

O primeiro relato sobre a volta dos taifeiros foi feito pela Associação de Praças das Forças Armadas, que reúne cerca de 5 mil sargentos, cabos e soldados dos Comandos do Exército, Marinha e Aeronáutica. Em seguida, o blog fez entrevistas, presenciais ou por telefone, com militares que estão prestando serviços de taifeiro na vila dos generais de quatro estrelas, a chamada “Fazendinha”, no Setor Militar Urbano, distante 700 metros do Quartel General do Exército, e também no Hospital das Forças Armadas. Seriam cerca de 40 somente na Fazendinha.

A vila dos generais de quatro estrelas, a chamada “Fazendinha”, em Brasília.
A vila dos generais de quatro estrelas, a chamada “Fazendinha”, em Brasília.| Reprodução/Google Maps

Cozinhar, lavar, passear com cachorro

Um dos diretores da Associação de Praças descreveu as atividades dos novos taifeiros: “É cozinhar, lavar, passear com cachorro. Eles são comandados pela esposas e filhos dos oficiais. Eles não se sentem confortáveis porque foram formados para ser militar, mas estão fazendo uma tarefa doméstica. Se sentem discriminado”. O militar não se identificou temendo retaliações.

Ele explicou que, diante da quase extinção do quadro de taifeiros, equivalente a terceiro sargento, o Exército está formando cabos e soldados, a maioria temporários, para serviços de intendente. “Esse pessoal está sendo enviado para trabalhar na residência dos generais e fazendo o serviço de taifa. Mudou pouca coisa. O ministro da Defesa soltou uma portaria, mas parece que não foi cumprida”.

Pelas informações que a associação recebeu de dezenas de militares, a rotina de trabalho continua a mesma, relatou o diretor. “Chegam pela manhã. Muitos preparam e servem o café da manhã e o almoço para a esposa, filhos e parentes. Raramente o general almoça em casa. Inclusive animais eles têm que cuidar. Além de dar alimentos, têm que fazer a limpeza geral, passear com o animal, dar carinho. Também têm que limpar o imóvel, deixar comida para o final de semana, quando não trabalham final de semana, porque tem alguns que trabalham”.

“Taifeiros preparam o banquete”

Tem ainda os jantares de representação, quando os generais recebem convidados em suas casas. “São eles que preparam tudo, preparam o banquete, arrumam as mesas. Tem o cozinheiro, o garçom, às vezes, tem o auxiliar, que levam do Quartel General, para ajudar no evento”.

O blog acompanhou, por três dias, a chegada dos novos taifeiros na “Fazendinha”, a partir das 7h da manhã. Segundo o relato de dois deles, todas as casas de generais contam com o serviço de taifeiros, algumas delas com três ou quatro. Eles disseram que cozinham e fazem a limpeza da casa, além de servir os familiares dos generais. Alguns fazem serviços de jardinagem ou acompanham o trabalho de prestadores de serviços, como pedreiros ou encanadores. São cabos e soldados.

Os relatos correspondem à denúncia feita pela Associação de Praças. O expediente vai das 8 às 15 horas. A conversa com um militar que trabalha no Hospital das Forças Armadas foi por telefone. Ele repetiu os demais relatos

Só em eventos oficiais

A portaria nº 29 do Ministério da Defesa, baixada em 7 de maio, proíbe a utilização de serviços de taifeiros em atividades particulares nas residências ocupadas por oficiais-generais. Determina que o serviço de taifa nas residências ocupadas por autoridades militares que exerçam função de natureza política, direção ou comando “deve ser empregado apenas em situações de cunho representativo”. A norma diz que o serviço prestado em residências oficiais compreende as atividades de cozinha e copa em organização de eventos oficiais.

Ação civil pública movida pelo Ministério Público Militar em Santa Maria (RS) revelou casos de desvio de função e abuso de poder por parte de oficiais-generais. Os taifeiros eram obrigados a preparar jantares para familiares e amigos de autoridades militares, servir café da manhã para familiares, organizar eventos como bingos e rifas para esposas de oficiais-generais, buscar amigos no aeroporto e lavar roupas dos militares e de suas esposas.

O depoimento mais completo sobre as humilhações foi prestado pelo sargento da Aeronáutica Victor Hugo Briones, no Rio de Janeiro. Em 30 de julho de 2012, ele afirmou que, em muitas ocasiões, os taifeiros desempenham tarefas para “servir aos caprichos e proporcionar bem-estar aos familiares e amigos do oficial ou ainda aos amigos dos familiares do oficial”.

Citou o exemplo de um militar que teve problemas porque questionou o brigadeiro sobre o fato de ter que levar uma empregada doméstica para fazer faxina numa residência de praia, localizada em outro município, no veículo particular do próprio taifeiro.

“Algumas vezes, dirigia o carro da família para recolher pessoas, familiares e hóspedes no aeroporto. Também era solicitado para tomar conta de idosos, crianças e animais domésticos. Eu e o soldado lavávamos os carros da família. Além disso, lavei banheiro e limpei a casa. Várias vezes, saímos às 3h da manhã da residência do general, depois de preparar jantar para seus amigos íntimos, ou amigos da pós-graduação da filha do general. Inúmeras vezes, saímos depois do horário do expediente para organizar eventos como bingo para a esposa desse general juntamente com as esposas de outros generais e de oficiais superiores”, relatou Briones.

Limpar fezes de cachorros

Ele descreveu em detalhes a maior humilhação sofrida: “Ao chegar, tínhamos que limpar as fezes e urina dos cachorros deixados no quarto e no banheiro em que trocávamos roupa. Após lavar a louça, praticamente todos os dias, preparava a mistura, colocada por mim ou pelo sargento De Paula, para os três cachorros – Baruk, Vanile e Speedy – comerem no horário do almoço. Essa mistura consistia em pedaços de frango desfiado, carne moída ou coração em pedaços, com algum legume ralado ou talo de verdura picado”.

Outro lado

Questionado pela blog sobre a denúncia da Associação de Praças, o Centro de Comunicação Social do Exército afirmou que o quadro de taifeiros no Exército Brasileiro foi extinto e, atualmente, existem somente três militares remanescentes deste quadro no serviço ativo.

“O serviço de taifa, eventualmente exercido por militares, no âmbito do Exército Brasileiro atende às determinações constantes na Portaria Normativa nº 29/GM-MD, de 3 de maio de 2019. Nesse contexto, somente as autoridades que exercem função de natureza política, de direção, chefia ou comando utilizam esses serviços em situações de cunho representativo”, diz a nota do Centro de Comunicação.

O blog questionou o Ministério da Defesa sobre a denúncia feita pela Associação de praças. Em resposta, o ministério enviou o seguinte texto:

"A Portaria Normativa nº 29, publicada pelo Ministério da Defesa, em 3 de maio deste ano, regulou o serviço de taifa, exercido por militares, nas residências ocupadas por autoridades que exercem função de natureza política, de direção, chefia ou comando, estabelecendo que não será empregado em atividades particulares, ficando limitado a situações de cunho representativo. O Ministro da Defesa mora em imóvel próprio, não ocupa residência oficial (próprio nacional residencial) e não emprega nenhum serviço de taifeiro em sua residência em nenhuma atividade."

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