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A potência da monotonia
| Foto: Pixabay

Acompanhar a mídia pode ser uma experiência monótona. Mas não só ela. A potência da monotonia já fora apontada pelo filósofo alemão Theodor Adorno (1903-1969) ao se referir ao mundo do capitalismo americano. Essa sensação revela sua potência na instalação do tédio como afeto. O fetiche do novo é a repetição do mesmo em modo acelerado.

Temos vários exemplos desse fato. A terceira onda da Covid-19 é aguardada com ansiedade pelas profecias apocalípticas de sempre. Celebridades oportunistas são criadas – no silêncio do cotidiano, orações são elevadas ao alto, pedindo a eternidade da peste –, artigos supostamente científicos são desmentidos no dia seguinte para quem tem olhos para ver.

Ao contrário do que se pensa, somos indiferentes a grandes números. A morte estatística é inócua no dia a dia. Como dizia o sábio Stálin, uma morte é uma tragédia, mas milhões de mortes são estatísticas. Saber que um vizinho morreu de Covid nos choca no elevador, mas números altos na imprensa nos são indiferentes. A partir de um certo momento, toda catástrofe gigantesca se torna monótona. A mídia informa no vazio. Palavras de indignação enchem o ar de som e fúria um pouco antes de uma taça de vinho.

Políticos profissionais na CPI da Covid, que espero que tenha efeito sobre nosso governo canalha, demonstram horror diante desses mesmos altos números, mas apenas por razões de interesse completamente dissociado da suposta empatia pelo sofrimento.

Aliás, o fenômeno bolsonarista proporcionou a explosão da bolha de corrupção absoluta do Estado brasileiro – de políticos suspeitos de corrupção que passam da categoria de escorraçado a líder da honestidade diante da governança da pandemia na condução da CPI da Covid até altos tribunais que desdizem tudo que disseram durante anos para recuperar a legitimidade eleitoral do ex-presidente Lula, a fim de fazê-lo tábua desesperada de salvação contra um novo governo Bolsonaro em 2022.

O tédio da corrupção se faz presente no horizonte político como se nada ocorrera nos últimos anos no país. A repetição contínua de temas nas páginas dos jornais e da mídia em geral sobre racismo e antirracismo, direitos trans, feminismo, assédio nos roteiros de filmes e assuntos similares desenha o quadro da monotonia das causas, levando-nos a crer que nada há além disso de relevante acontecendo no mundo.

Muito dessa monotonia é fruto das opções editorais vistas na missão de pregar, esquecendo-se que, também aqui, a repetição, para além da bolha de interessados deságua na indiferença de quem lê.

Um dos maiores engodos revelados, já depois de alguns anos de redes sociais, é a crença de que o aumento do tráfego de conteúdo capilarizado levaria a um suposto enriquecimento de temas, abordagens e até a uma inovação.

Pelo contrário. Diante de olhos um pouco mais atentos, o aumento do número de acessos implica, apenas, o aumento da monotonia de temas, de abordagens e de "inovação" no mundo. A democratização da informação se revela uma inércia da repetição da mesmice de modo acelerado. Ao olharmos para todos os lados, todo mundo diz a mesma coisa.

O movimento de ampliação de acessos e interatividade carrega consigo um efeito negativo, que é o parentesco desse movimento com a economia de escala. A escalada da repetição gera um empobrecimento da linguagem que, por sua vez, é a estupidez democrática a que autores distintos, em momentos distintos, como Nelson Rodrigues e Umberto Eco, se referiam como tendência à imbecilidade numérica reinante –em outras palavras, sua majestade, a métrica.

A inteligência se sente mal no registro da economia de escala. Tal fenômeno se vê de forma evidente no marketing. Essa ciência social aplicada, incapaz de lidar com um mundo que não seja o seu departamento de negócios, espalha por todos os lados a sua mediocridade com glitter na lida com a realidade.

É isso aí – a sociedade de mercado tem uma vocação ao empobrecimento cognitivo na medida em que opera sob a forma de enxame. Tudo no fim é sempre o mesmo: o tédio contínuo da publicidade.

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