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Carnaval é democrático?
| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

Há várias formas de entendermos a democracia. Desde a Atenas do século 5.º a.C. até hoje, a democracia se transformou de um regime direto em um regime representativo que, provavelmente, os atenienses não considerariam uma democracia de fato.

A democracia é essencial, antes de tudo, por causa da separação e do conflito entre os poderes, limitando assim o poder em si: as várias instituições com poder limitam uma a outra. Mas, concordo que essa compreensão se afasta em muito do entendimento que faz o senso comum de democracia como um "regime do povo nas ruas".

E aqui o senso comum é transversal em todas as classes sociais: de pobres a ricos, muitos não conseguem entender que democracia não é um regime do povo, mas, sim, prioritariamente, um regime de instituições representativas que devem organizar e solucionar os conflitos da sociedade.

Comportamento autoritários são, muitas vezes, praticados por parte da população, incluindo gente proveniente de setores menos vulneráveis.

Pensemos num exemplo que parece banal, mas não é. Seria o Carnaval um exercício de democracia? Muitos o consideram hoje uma ferramenta política em vários sentidos: feministas, ativistas do clima e de gênero, bolsonaristas e afins.

Aqueles que assim o pensam sustentam que o caráter democrático do Carnaval se faz presente na medida em que, como dizia uma velha marchinha de Carnaval baiano (nasci no Recife e vivi na Bahia, ao todo, cerca de 25 anos, por isso conheço o Carnaval do Nordeste por dentro), "a Praça Castro Alves é do povo, como o céu é do avião". Isto é, a ocupação livre da cidade mediada pela vontade popular seria um indicativo de valores democráticos.

Entretanto, há controvérsias nesse argumento. Existem atitudes autoritárias que brotam do chão no cotidiano das ruas e não apenas do poder Executivo. A dinâmica do Carnaval, me parece, é um desses casos: há traços de autoritarismo social no Carnaval, e ele é, cada vez mais, invasivo da rotina da cidade.

Esse caráter autoritário e invasivo se manifesta, antes de tudo, no que o filosofo Immanuel Kant (1724-1804) chamaria de categorias a priori de sensibilidade, espaço e tempo. O Carnaval, à medida que cresce, sequestra a cidade, acuando quem não participa dele, logo, invadindo o espaço de todos.

Por outro lado, cada vez mais começa antes da data oficial e cada vez mais termina depois da data oficial, sequestrando o tempo e o calendário. Mas, como todo ato autoritário, quem o pratica está entusiasmado com sua própria alegria. Alguém duvida do Eros implicado no exercício do autoritarismo?

O fato é que mesmo a turminha politizada e ideológica (o Carnaval tem crescido como plataforma ideológica, aliás, como tudo o mais) em seus bloquinhos sujam a cidade de forma absolutamente totalitária e invasiva. Mijam (para não dizer coisa pior) nas ruas dos outros, às vezes, mesmo, com gritos de "direito de apropriação do espaço público".

Samurais gourmet com coques na cabeça, feministas empoderadas, apocalípticos do aquecimento global dão provas da sua alegre incivilidade em toda parte.

Como respeitar um desses personagens que andam falando por aí em nome da democracia depois de vê-los darem uma mijada no seu muro ou na árvore na praça onde você mora?

E sabe quem vai limpar essa sujeira no dia seguinte? Provavelmente evangélicos não tão branquinhos como a maioria dos foliões e que, possivelmente, nem participaram da "festa democrática" abusiva. Esses mesmos evangélicos que os branquinhos que mijam por aí acham um horror de preconceituosos.

O Carnaval é, também, uma grande festa do capital. Por isso, cresce exponencialmente em São Paulo, cidade mais rica do país.

Afinal, o Carnaval é uma festa democrática? A conclusões nesse âmbito é difícil de se chegar. Arriscaria dizer que há um componente democrático no Carnaval de teor popular espontâneo, e, por isso mesmo, podemos ver que a espontaneidade da vontade popular é, às vezes, bastante autoritária e invasiva, ao contrário do que pensa nossa vã militância festiva.

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