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Marx tinha razão
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Portaria inteligente ou remota. Claro que o termo “inteligente” aparece sempre que alguém quer vender algo que faz os inteligentinhos de mercado ficarem excitados. Tenho conversado com pessoas cujos condomínios contrataram portarias inteligentes, e as opiniões são controversas. Mas a moda está pegando e a demissão em massa dos profissionais na área cresce. Uma portaria inteligente é uma portaria sem porteiros ou quaisquer funcionários similares. Você fala com um cara, sei lá, no Acre, que monitora 150 portarias pelo país. O argumento básico é a redução de custos, claro.

Podemos olhar pra esse fenômeno de um modo mais amplo, ou mais imediato, ligado ao cotidiano. A portaria inteligente torna o prédio impermeável, inclusive a você e seus convidados ou encomendas. Coisa de gente chata.

A ordem espontânea e expandida (expressão usada pelo economista liberal Hayek para se referir ao mercado) é uma entidade moral, social, política e econômica. Na China, por exemplo, você vê um número enorme de pessoas, claramente sem grande formação, realizando “pequenos trabalhos”. Esse fato garante a atividade e a dignidade de pessoas dentro dessa ordem espontânea e expandida. Economia sem a dimensão social é uma economia tão cega quanto um mercado em que o Estado controla preços: gera desemprego, instabilidade, e, por tabela, pobreza, concentrando a riqueza na mão de quem destrói o próprio tecido social do mercado. Coisa de idiotas de mercado.

Um idiota de mercado confunde a dimensão social e moral do mercado com a ingerência de um Estado gigantesco na vida das pessoas

Infelizmente, no Brasil, existe em grande número esse personagem que é o idiota de mercado ou o liberal inteligentinho, que acha que sociedade de mercado é uma entidade meramente econômica. Não. O mercado é moral e social. Adam Smith, filósofo do século 18, antes de ser um “economista”, foi um filósofo moral.

Como você identifica um idiota de mercado? Esse personagem confunde a dimensão social e moral do mercado com a ingerência de um Estado gigantesco na vida das pessoas. A dimensão social e moral do mercado é a responsabilidade moral dos agentes econômicos nas suas “pequenas” decisões diárias, nas suas esferas de poder. Mas, para além dessas consequências mais amplas, há de se pensar nas consequências mais imediatas, no curto e médio prazo, no mínimo.

A humanidade envelhece a passos largos. Idosos que conseguem manter suas casas, onde viveram e constituíram memória, dependem de pessoas que os ajudem a lidar com o cotidiano nos prédios em que vivem. Portarias inteligentes destroem essa dimensão do vínculo externo da casa com o condomínio. Apenas millennials, enquanto ainda têm 15 anos, não percebem isso. Todo mundo sabe que porteiros e similares são os primeiros a darem socorro e tomarem decisões em momentos de emergência. Muitos idosos dependem deles no seu dia a dia, inclusive para ajudar na lida com pequenas compras. Os inteligentinhos de mercado, provavelmente, dirão que esses idosos devem ser lançados em casas de repouso, locais em que a história presente na memória material deles inexiste.

O problema é que o número de idosos só cresce, e destruir essa rede de vínculos próximos, no cotidiano, só aumenta a inviabilidade da vida desses idosos nos prédios em que sempre viveram. É uma forma clara de desumanização. Se por um lado a sociedade contemporânea deve pensar no meio ambiente e nos jovens, ela deve se ocupar com o modo como lidará com o crescimento da longevidade.

Outro traço das portarias inteligentes é o aumento gigantesco de burocracia, inclusive mediado pelo uso de ferramentas mais próximas à sensibilidade dos millennials. Receber, por exemplo, uma nova faxineira se transforma num processo semelhante a tirar vistos para viajar. Cada passo banal da relação do prédio com o mundo externo se transforma num grande processo kafkiano. Você se sente um K, personagem famoso do Kafka, se quiser receber uma encomenda e não tiver ninguém em casa pra recebê-la.

Portarias inteligentes comprovam a tese marxista segundo a qual o capital, um dia, mandaria os humanos à merda e se tornaria autônomo no seu processo entrópico.

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