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Imagem ilustrativa.| Foto: Pixabay

Estamos acostumados a pensar em negacionistas grosseiros tais quais os zumbis bolsonaristas. Gente que defende cloroquina. Mas também existem negacionistas chiques, como bolsas Prada.

Esses negacionistas com credenciais citam diplomas e termos técnicos e o senso comum acredita neles. Cada dia se especula mais diante da ignorância crassa acerca da peste. Diante das câmeras, se diz qualquer coisa pra manter a bola quicando. Mas a verdade é que não sabemos muito mais sobre ela do que se sabia sobre a gripe espanhola em termos epidemiológicos ou sanitários. Esse negacionista nega a sua ignorância, no entanto.

Aliás, o mundo era mais sexy antigamente. Pegar a gripe espanhola tinha um quê de sensual. Imagine se disséssemos "peguei a gripe chinesa" em vez de "peguei a Covid-19".

Hoje, contudo, quero refletir sobre o negacionismo com marca de luxo. Os negacionistas chiques não são tão óbvios quanto os zumbis. Darei dois exemplos. Seguramente, se você lê jornais, tem um negacionista de luxo ao lado, ou ainda no seu próprio espelho.

Ambos são fenômenos que circulam entre pessoas de classe média pra cima, com razoáveis condições financeiras, um repertório de viagens ao exterior invejável, acesso a informação de qualidade, digamos, e até hábito de leitura acima da média miserável do país. Assim como existem zumbis bolsonaristas que têm apartamento em Miami, existem negacionistas chiques que mantêm apartamento em Lisboa.

O primeiro exemplo são os negacionistas alternativos. Gente que toma cúrcuma pra fortalecer o organismo contra o coronavírus. Gente que acha que os efeitos da vacina da Pfizer podem ser comparados a casos como a da talidomida, que levou uma geração dos anos 1950 e 1960 a ter membros encurtados e órgãos com má-formação ao ser receitado como um remédio para enjoo a mulheres grávidas.

Antivacina em geral, mas com passaporte francês. Aliás, a França, país chique por excelência, apresenta um número significativo de indivíduos contra vacinas por causa da disseminação da cultura de medicina alternativa em meio aos croissants.

Membros dessa tribo podem jantar com você – depois da peste – e você nem perceberá. Aliás, eles existem desde antes da peste, no que demonstram ser mais chiques do que os novos negacionistas zumbis bolsonaristas.

Um negacionista de classe lê nas suas bolhas das redes "artigos que provam" que vacinas são ruins para a saúde e acredita numa coisa vaga chamada natureza.

Para eles, a vacina antipólio, infelizmente uma exigência das escolas, não é a responsável pela queda de pólio entre as crianças, mas sim hábitos alimentares "mais naturais".

Esses idiotas com branding não lembram que câncer é tão natural quanto cúrcuma. Imagino o drama de quem é contra testes em animais pra tomar as vacinas contra Covid. Coitadinhos, não?

O segundo caso é mais delicado e profundo. Esse tipo de negacionista não tem a mínima ideia de que ele é um negacionista, no caso, das ciências sociais. Dessa tribo podem fazer parte médicos, cientistas, jornalistas, e até mesmo a Mulher-Maravilha.

Pestes são entidade sociológicas, além de médicas. Mas muitos médicos, talvez a maior parte, mesmo se especialistas na sua área, bombaram em ciências sociais. E epidemiologia e saúde pública são áreas da medicina com uma face voltada para as ciências biológicas e outra para as sociais.

Quer saber como você identifica um deles? Muito fácil: basta ver alguém berrando por um lockdown radical no Brasil, e você estará diante de um negacionista com credenciais múltiplas. Suspeito mesmo que a palavra lockdown, para muitos, dispare uma sensação de orgasmo. O lockdown é o fetiche da esquerda, assim como a cloroquina é o da direita.

O lockdown radical é impossível no Brasil por razões sociológicas, econômicas, políticas e históricas. O Estado não tem braços pra impor algo assim. Nem dinheiro pra pagar a conta. Um brasileiro que morre de fome não pode pagar multas em euros. O negacionista chique aqui, mesmo com títulos científicos, legisla do seu laptop para um país que não existe.

Isso não dá razão a Bolsonaro, apenas impõe limites sociais às políticas de contenção epidemiológica. É uma tragédia, mas nem por isso é menos científica do ponto de vista das ciências sociais.

E os jornalistas, já desgastados com essa efeméride de uma peste que não passa, berram: "queremos lockdown!".

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