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Retrato de John Stuart Mill.
Retrato de John Stuart Mill.| Foto: Wikimedia Commons

O pensamento liberal entre nós engatinha. Não há quase tradição de reflexão liberal no Brasil. Os motivos são muitos – a ditadura de 1964, que destruiu a validade do pensamento que não seja de esquerda, construindo às avessas este como reserva de ética política no país (o que é ridículo como fato histórico), a ausência de espaços institucionais de formação em que jovens pudessem ler autores da tradição liberal de forma sistemática e profissional, a quase inexistência de agentes na mídia que não fossem de têmpera à esquerda, fechando aí também, a possibilidade de um debate que não fosse filiado, de alguma forma, ao PT.

Uma lista básica de liberais: John Locke, do século 17, considerado pai da tradição em questão, mais conhecido entre nós no mundo acadêmico, porque celebrado pelos iluministas franceses e por ser empirista, Adam Smith, do século 18, John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville, ambos do século 19, Isaiah Berlin (meu preferido), Ludiwig von Mises e Friedrich Hayek, os três do século 20, e, por último, citaria o ainda vivo Thomas Sowell.

É claro nesta brevíssima lista que transitamos por autores distintos, alguns mais filósofos da política ou moral, outros mais economistas. A têmpera liberal transita da economia à política, passando pelo essencial terreno moral. A moral, normalmente, é esquecida pelos afoitos liberais de mercado entre nós. E por moral aqui não me refiro ao ato de "cagar regra", mas de refletir acerca dos impasses e dos dramas da liberdade e do caráter. Não vou me ater a dar uma definição histórica do termo.

Parte da imaturidade do pensamento liberal entre nós é a falta de compreensão histórica de como essa escola se constituiu. Farei uso da definição do historiador britânico Tony Judt (1948-2010), em si, um social-democrata europeu: "Um intelectual liberal é alguém atraído pela imperfeição". Neste sentido, alguém que deveria ser, por definição, um antiutópico. Da lista dada acima, entendo que Isaiah Berlin é um exemplo típico desta definição (alias, Tony Judt pensava principalmente nele quando cunhou essa definição).

O que seria uma utopia liberal? Seria imaginar que existiria o homem de John Stuart Mill, no meu entender, o mais utópico dos liberais em política. Von Mises me parece o mais utópico em economia. Se o homem de Rousseau não existe, na sua dimensão de harmonia entre desejo e necessidade em interação com os limites naturais e sociais, tampouco existe o homem de Mill. Ou um mundo em que a história possa ser reduzida ao combate entre Estado e propriedade, como descendentes de Von Mises parecem crer.

Ninguém suporta "ser livre" o tempo todo. Ninguém reinventa os modos de vida o tempo todo. Ninguém vive a autonomia de Mill na vida real. Ninguém "debate ideias" o tempo todo. Estamos mais próximos de tomar ansiolíticos. Tampouco a utopia de Von Mises de um "mercado puro" resiste à realidade imperfeita do homem. Enfim, o homem de Mill e o homem de Von Mises são quase tão utópicos quanto o de Marx.

"Ser liberal" é suportar um ônus de abandono na vida que faz dessa forma de pensamento quase uma ética de uma sociedade guerreira antiga. E mais: a promessa de que "trabalhando, você melhora de vida", é verdade, mas nem sempre. Por isso os liberais acabam mentindo quando fazem marketing político. Isso não significa que o mercado não produza mais riqueza do que o mundo planejado. Mas, pra você melhorar de vida há que sangrar, e nem sempre se sobrevive a esse sangramento.

Por outro lado, não existem "valores indivisíveis". A liberdade não é "uma coisa" que você encontra andando em Wall Street. Nem a liberdade econômica ou o mercado são valores absolutos a partir dos quais se deduz as outras realidades da vida.

Mas, isso não significa que o Estado brasileiro não seja enorme e ineficiente. Entretanto, isso não apaga o fato de que nossa elite econômica enriqueceu graças a esse Estado paquidérmico. A elite brasileira nunca foi liberal, mas sim mesquinha.

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