• Carregando...
10 pontos para traçar o limite entre quarentena e liberdades individuais
| Foto:

Há um debate inflamado nas redes sociais do Brasil sobre os limites entre tomar medidas necessárias para a Saúde Pública e a violação de liberdades individuais. Embora a maioria das reclamações não tenha como base reais violações, mas o incômodo de alguém que não pode fazer o que quer por um tempo, realmente existe aí um ponto a se prestar atenção.

Diversos regimes ditatoriais em todo o mundo têm se aproveitado da pandemia para aumentar poderes e manipular a população pelo medo. Há, por um lado, uma permissividade excessiva com relação aos dados privados dos cidadãos quando se pretende fazer tecnologia que identifique pessoas infectadas. Por outro, há ditadores que negam a pandemia e alguns, como o da Coreia do Norte, que chegam ao cúmulo de dizer que não tem um único caso no país - sem ter testado ninguém.

Todos estamos abalados, tivemos nossas rotinas alteradas e efetivamente não estamos livres como nos acostumamos a ser. A grande questão é: como diferenciar um incômodo, ainda que justo, de uma violação de direitos? O guia lançado hoje propõe 10 pontos para análise.

"Nenhum país ou governo pode resolver sozinho essa crise de saúde e eu estou atendo a tendências de limitações preocupantes que têm sido informadas pela sociedade civil em todo o mundo, incluindo a habilidade da sociedade civil de apoiar uma resposta efetiva à pandemia de COVID-19", disse Clément Nyaletsossi Voule, Relator Especial da ONU sobre Direitos à Liberdade Pacífica de Livre Associação e Assembleia, que elaborou um guia prático com 10 pontos aos quais devemos estar atentos. Sempre que a palavra ESTADO aparece no documento, leia-se Chefe de Estado, no nosso caso, a Presidência da República:

1. Assegurar que novas medidas legais respeitem os Direitos Humanos. Tanto o conteúdo quanto o processo de aprovação de novas medidas tem de ter no horizonte o respeito aos Direitos Humanos. Quando possível, a população deve ser consultada previamente. As limitações de direitos necessárias no combate à pandemia devem cumprir 3 princípios: legalidade, necessidade e proporcionalidade. É necessário criar regras de exceção para atores da sociedade civil, particularmente quem monitora direitos humanos, sindicatos, serviços sociais, ajuda humanitária e jornalistas cobrindo a resposta à crise. Novas medidas devem ser claras, públicas e de fácil consulta por todos. É necessário dar às pessoas tempo para se familiarizar com novas medidas antes de impor penalidades por lei.

2. Assegurar que a emergência de Saúde Pública não seja usada como pretexto para infringir direitos. A crise não é justificativa para uso excessivo de força ao dispersar aglomerações nem para a criação de penalidades desproporcionais. É lícito que os Estados-membros da ONU façam restrições de direitos numa emergência de Saúde Pública e devem seguir os Princípios de Siracusa para tais ações, comunicando às Nações Unidas a decretação de emergências. Todas as limitações devem ser suspensas ao final da pandemia de COVID-19. O ideal é que novas leis e regras já sejam aprovadas com uma cláusula que as invalida ao final da pandemia. É particularmente importante que Legislativo e Judiciário utilizem o sistema de freios e contrapesos para evitar poder excessivo nas mãos do Executivo.

3. Democracia não pode ser adiada infinitamente. É muito complexo realizar eleições da forma tradicional durante uma pandemia e não há soluções simples. A limitação de reuniões em muitos países pode afetar o direito de fazer campanhas, participar de comícios, fazer pesquisas e monitorar o processo eleitoral. A sociedade também tem restrita sua possibilidade de interagir com candidatos. Uma sugestão é garantir a plena liberdade de expressão e permitir que os direitos de reunião e associação sejam garantidos online. Preservando a integridade do processo eleitoral, os Estados devem tomar todas as medidas para garantir a realização de eleições de maneira atempada, inclusindo até a alternativa de votar de maneira remota.

 4. Garantir participação inclusiva. Cidadania ativa é fundamental em momento de crises e a sociedade civil deve ser vista como parceira essencial dos governos em responde à crise, ajudando a elaborar políticas inclusivas, disseminar informações e providenciar ajuda às comunidades mais vulneráveis. Os Estados devem garantir que organizações da sociedade civil possam continuar a se formalizar durante a pandemia e devem dar suporte às que elaboram ou ajudam a implementar estratégias efetivas de Saúde Pública. Os Estados devem dar apoio financeiro às organizações da sociedade civil que estão dando apoio social vital, principalmente aquelas que atendem pessoas com deficiências e comunidades vulneráveis. Os Estados devem garantir que não haja limitação para que essas organizações tenham acesso às comunidades que apóiam. A crise não pode ser utilizada para impedir que organizações da sociedade civil, advogados de defesa e jornalistas monitorem ações da polícia, situação dos presídios, centros de dentenção de imigrantes e outros aparatos que servem aos processos legais.

5. Garantir liberdade de associação e assembleia online. Os mesmos direitos de associação e assembleia pacíficas se aplicam ao meio virtual. Quando há restrições de encontros pessoais, é necessário garantir o fundionamento da internet e não devem ser feitas restrições como censura online ou suspensão do serviço de internet. Os Estados devem tomar providências para garantir que toda a população tenha acesso à internet e isso é economicamente viável. Particularmente nas organizações da sociedade civil, os Estados devem assegurar que elas se registrem online e devem permitir que elas participem, pela internet, da formulação de políticas públicas. O direito dos cidadãos à privacidade devem ser plenamente respeitados e protegidos.

6. Proteger a liberdade de associação e assembleia no local de trabalho. O direito de liberdade de associação se estende à formação de sindicatos e o de assembleia à realização de greves. A pandemia salienta a necessidade de proteção no local de trabalho e medidas que garantam a saúde dos empregados. Em nenhum caso trabalhadores podem ser demitidos por se organizar nem por pedir mais proteção e segurança em seus locais de trabalho.

7. A liberdade de expressão deve ser assegurada. O direito dos atores da sociedade civil, incluindo jornalistas e defensores dos Direitos Humanos, de livremente buscar, receber e compartilhar ideias e informações, seja sobre a crise e sua gestão ou sobre outros assuntos deve ser assegurado. Leis criminalizando "fake news" ou coisas do gênero, que têm uma longa história de abuso, incluindo seu uso para atingir defensores de Direitos Humanos, devem ser particularmente evitadas.

8. A participação da sociedade civil em institutições multilaterais deve ser assegurada. A ONU e outras instituições multilaterais devem tomar providências para que as organizações da sociedade civil continuem a participar de todas as decisões sobre políticas públicas, incluindo o enfrentamento do COVID-19, especialmente nos casos de parcerias público-privadas. Também devem continuar a ser feitas as transmissões e arquivo de imagens das instituições de Direitos Humanos da ONU e outras reuniões e, quando possível, se deve facilitar a participação da sociedade civil por link de vídeo. As agências e órgãos da ONU devem ser proativos no contato a entidades da sociedade civil na ausência de reuniões pessoais, tendo a devida consideração em adaptar reuniões online e consultas às necessidades de segurança dos defensores de direitos humanos e suas dificuldades em exercer o direito de associação online. Os times nacionais da ONU são particularmente importantes neste momento e seu engajamento com a sociedade civil nas respostas ao COVID-19 e garantia de direitos humanos deve ser reforçado tanto para assegurar a efetividade das parcerias entre a ONU e os governo quanto para monitorar potenciais restrições à sociedade civil neste contexto.

9. Solidariedade internacional é mais necessária do que nunca. As limitações financeiras estão rapidamente corroendo as possibilidades que a sociedade civil tem de contribuir para o combate à crise do COVID-19. Mesmo antes da crise, o acesso da sociedade a financiamento era restrito por leis que impedem apoio internacionais. O Estado deve repelir leis que indevidamente dificultem o acesso da sociedade a apoio financeiro, principalmente o interncional. Onde possíve, os Estados devem providenciar apoio financeiro e outros tipos de apoio a organizações da sociedade civil e devem reconhecer o papel chave que muitas delas têm em assegurar amplamente a Saúde Pública.

10. Implicações futuras do COVID-19 e respostas a pedidos da população por reformas. O ano anterior à presente crise foi marcado por uma onda de protestos sem precedentes em todo o mundo. Enquanto as demandas e preocupações dos manifestantes eram diferentes de acordo com o contexto, manifestantes consistentemente demandaram mais governança democrática, mais respeito por Direitos Humanos, mais equidade, fim da austeridade e passos reais para combater as mudanças climáticas e a corrupção. A crise atual não vai aliviar essas demandas, pelo contrário: a crise econômica causada pela crise, combinada com medidas financeiras que podem aumentar a desigualdade, servirá para exacerbar essas causas. É vital neste contexto que as respostas à crise do coronavírus levem em conta as demandas dos cidadãos e que os Estados tomem medidas para adotar estruturas com mais governança democrática, que aumentem a proteção e respeito aos direitos dos cidadãos, reduzam a desigualdade e reconheçam que é necessário aumentar o apoio e a atenção para o uso de formas mais sustentáveis de energia.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]