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A primeira-dama Michelle Bolsonaro comemora a aprovação de André Mendonça para o STF
A primeira-dama Michelle Bolsonaro comemora a aprovação de André Mendonça para o STF| Foto: Reprodução / Instagram

A internet veio abaixo com a divulgação do vídeo em que a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, comemora a aprovação do novo ministro do STF falando em línguas. Ou melhor, não foi bem a internet, foi o parquinho de areia antialérgica da internet. A reação da imprensa à cena mostra uma distância calamitosa entre o mundo real, onde vivem os brasileiros, e a Nárnia onde se enfiou o jornalismo brasileiro. Não é possível uma pessoa que se dedica a noticiar e analisar a realidade brasileira ficar surpresa com a cena.

Antes de mergulhar no tema, faço questão de deixar um aviso aos machos-palestrinha. Sei que não há machos-palestrinha entre os assinantes da Gazeta do Povo, mas vai que algum de vocês compartilha. Mulher prevenida vale por duas. Não estou discutindo a forma como esta nomeação ou as demais para o STF são feitas nem se a primeira-dama deve ou não comemorar. "Nunca vi isso antes", disseram alguns espertalhões que jamais trabalharam lá ou estiveram nos bastidores. Já vi isso e pior, crianças, sou velha e não me surpreendo mais com quase nada.

"Ah, mas as críticas não foram à manifestação religiosa em si, foram à promiscuidade entre Executivo e Judiciário", ouvi. Sério, Brasil? Então chamar de ragatanga, Bebê de Rosemary e dizer que usa a Bíblia para enxugar o sovaco são formas novas de questionar promiscuidade entre Poderes da República. Coloco abaixo, sem identificar os autores, algumas das "críticas" feitas à manifestação religiosa em si.

Evangélicos pentecostais acreditam no dom de falar em línguas. Eu, pessoalmente, não creio e respeito. A questão não é crer na manifestação religiosa em si, mas saber que existe e ter noção do quanto é importante para uma parcela significativa da população brasileira. Enquanto a patrulha religiosa tirava sarro da manifestação da primeira-dama, muita gente via ali deboche com a mulher cristã.

Você pode até não concordar com essa visão, mas as pessoas para quem a glossolalia é sagrada, manifestação pura do Espírito Santo, sentem-se atingidas pelo deboche. O mais curioso é que a tiração de sarro veio principalmente de quem não tinha a menor noção do que ocorria ali. Num ambiente onde ateísmo é sinônimo de inteligência e status, desconhecer as práticas de um povo religioso é algo tido como normal. A grande questão é como analisar o que é importante para esse povo sem conhecer o que realmente importa para ele.

Tenho uma tese de que a oficialização da lacração na política brasileira começa pelo PSOL do Rio de Janeiro e as pautas identitárias instrumentalizadas a partir do Leblon. Fonte: vozes na minha cabeça. Posso estar completamente errada, são só impressões. Jair Bolsonaro começa a ganhar projeção nacional a partir do momento que entra em colisão com Jean Wyllys. Verdade seja dita, Lula nunca embarcou nessa e está preocupado com cancelamentos e patrulha contra evangélicos em 2022.

Este final de semana, o ex-presidente repetiu o encontro com evangélicos e levou a tiracolo o pastor Henrique Vieira, progressista e filiado ao PSOL. “Seria extremamente importante que você pudesse convencer muitos e muitos pastores, de todas as igrejas evangélicas de todo o Brasil. Porque nós temos a obrigação de convencer a população brasileira de que o Bolsonaro não crê em Deus e não pratica nenhum ensinamento que está na Bíblia”, disse Lula. Enquanto ele discursava, seus apoiadores tiravam sarro das práticas religiosas de Michelle Bolsonaro.

Vai ser difícil enfiar o gênio da lacração de volta na garrafa depois que a campanha de Fernando Haddad deu corda a esse tipo de militância. Com as redes sociais, patrulhar e atacar significa ganhar poder no mundo real. Muitos acham que o PT nem partido é, resume-se à figura mítica de Lula e aceitar tudo o que ele manda. Pelo jeito, a lacração venceu até isso. Ele está há duas semanas pedindo para não bater em evangélico, mas o pessoal não obedece.

Os pastores Ariovaldo Ramos e Henrique Vieira têm feito um esforço monumental para explicar à lacração que evangélico também é gente. Vai ser meio difícil. Para lacrador, a dignidade humana depende de concordar 100% com a pauta proposta, qualquer que seja ela. Questionou? Será cancelado, precisa ser enxovalhado, ridicularizado, perder emprego, vida acadêmica, amigos e vida pessoal. Muita gente teme perseguição. Sabe quem está acostumado? Evangélico.

Argumentaram comigo que o Senado não é lugar para manifestação religiosa. Tem muita gente que pensa assim e é livre para pensar dessa forma, mas não é o que diz a lei. Vemos na imprensa o Estado Laico ser tratado muitas vezes como um "Estado Ateu", como se fosse a laicité francesa que proíbe manifestação religiosa no ambiente público. Ocorre que é o exato oposto. Permite todas as manifestações religiosas individuais, inclusive proselitismo e negação da religião. (Mais esclarecimentos abaixo com Thiago Vieira e Jean Regina, do Instituto Brasileiro de Direito Religioso, autores da coluna Crônicas de um Estado Laico).

Também ouvi argumentos de que os evangélicos fariam um escândalo se os espíritas ou praticantes de religiões afro-brasileiras fizessem suas manifestações no espaço do Congresso Nacional. Trata-se de fantasia e projeção de caráter. Eu já presenciei uma manifestação dessas, no ano de 2001. O deputado Luiz Bassuma (PT-BA) presidiu a sessão de comemoração de 200 anos de Alan Kardec incorporado de um espírito. Muito provavelmente você nem tenha ficado sabendo. Caso houvesse um levante evangélico na ocasião, você com certeza saberia.

Michelle Bolsonaro chegou a dizer que foi alvo de preconceito religioso. Tentaram fazer o famoso "gaslighting", como é feito em todo ataque de turba. Não foi o ato de fé em si o atacado, foi o sistema de indicação de ministros e a promiscuidade. Print é vida, né? O que as pessoas realmente disseram é bem diferente da versão que tentam contar agora. Quem partilha a fé da primeira-dama sabe agora como é visto por essas pessoas.

A patrulha já chegou num nível que nem são mais os evangélicos que protestam contra os ataques. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que derrotou Marcelo Crivella nas urnas, fez questão de tornar pública sua solidariedade à primeira-dama. Para algumas elites urbanas a religião é um detalhe, para a maioria do povo é o centro da vida.

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