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A jihad dos justiceiros sociais de teclado
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Não é à toa que temos políticos craques em discursar uma coisa e agir de forma completamente diferente. Na sociedade brasileira, é uma manobra que quase sempre dá certo, principalmente quando se lança mão do auto-elogio ou do recurso do monopólio da virtude para determinado grupo.

Estamos numa pandemia, foi divulgado o vídeo da reunião ministerial, tivemos entrevistas importantes de ex-ministros, ainda não temos um plano concreto de combate à doença nem de recuperação da economia. Quem é o vilão da semana? Uma blogueira que tirou foto de sapatilha sem ter esse direito. Bem vindos ao parque de areia antialérgica dos justiceiros sociais.

Como quase toda a problematização feita pelos justiceiros sociais, num primeiro momento quase ninguém entende qual é o problema, até porque problema não há. O caso é que a blogueira Bianca Andrade, que participou do BBB e é conhecida como Boca Rosa, fez um ensaio fotográfico para divulgar um novo projeto.

Adivinha onde está a polêmica? Na sapatilha. Aparentemente, ela ofendeu gravemente um monte de gente ao usar uma sapatilha de ponta. É com essa desculpinha esfarrapada que justiceiros sociais protagonizaram as piores baixezas contra a moça para depois querer posar de vestais. Chegaram a subir a hashtag #EnfiaASapatilhaNoC*.

É um duplo padrão curioso: se o simples uso da sapatilha em uma foto é tão ofensivo, como classificar as condutas de quem se diz tão sensível e ofendido? Precisamos aprender a desmascarar quem age de forma diferente da que prega.

Sinceramente, compreendo que as pessoas sintam-se desrespeitadas ao ver símbolos de conquistas profissionais servindo como brinquedinhos ou acessórios no mundo da fama. Mas avalie se os jornalistas fôssemos fazer essa perseguição com quem usa microfone ou teclado sem ter condições técnicas. Ou se os médicos inaugurassem uma jihad contra quem debate a pandemia sem ter noção do que fala. Se os fotógrafos cancelassem fotógrafo amador que usa foto de perfil com câmera. Pense se os advogados resolvessem fazer guerra contra nossos juristas de redes sociais.

A questão aqui não é o uso ou não da sapatilha, mas a reação. Mandar no que os outros vestem, juntar-se em bando para importunar, dizer que vão perturbar até a pessoa apagar todas as fotos e fazer uma live pedindo desculpas é proporcional ao que ocorreu? Claro que não. É só uma desculpa para liberar a porção mais enlameada da alma, mas posar de vestal. A patrulha progressista entende muito disso.

Aqui, trata-se de uma pessoa com visibilidade, que tem condições de se defender. Mas e quando isso é feito com uma pessoa comum, injustamente acusada de ser racista, machista, homofóbica ou fascista por algo que fez ou disse e não tem nenhuma relação com essas condutas? Gera rancor e já contaminou a sociedade.

Desafio você a perguntar às paquitas de político sobre as vezes em que isso aconteceu com elas. Pessoas fracas, quando injustiçadas, procuram proteção de alguém mais forte e dão em troca lealdade. Durante quantos anos a sociedade brasileira aturou pessoas imorais agindo com total falta de respeito contra as outras porque se julgavam integrantes de um grupo acima do bem e do mal? Durante quantos anos aturamos gente sendo maldosa, cruel, preconceituosa e autoritária enquanto discursava em defesa da liberdade, igualdade e minorias? Letargia tem preço, é caro e estamos pagando.

Há preconceitos e desigualdades que precisamos vencer, mas isso não vai acontecer pela batuta dos bem nascidos e criados em parquinho de areia antialérgica que sequestraram o discurso identitário. Sequer ouvem o que querem e defendem as mulheres, negros e homossexuais, aliás, preferem dizer o que devemos pensar e querer. As bandeiras identitárias servem apenas como desculpa para poder exercer a vilania impunemente, sem nem perder reputação.

Alguns dos que se revoltaram contra essa realidade não queriam acabar com ela, queriam vingança e estão conseguindo. Usam também o mesmo método de pregar uma coisa e agir de outra forma. Se dizem conservadores, defensores da família, cristãos, cidadãos de bem. No entanto, têm boca de latrina, entregam-se à devassidão moral e espiritual, desrespeitam o próximo, riem do sofrimento.

Enquanto o brasileiro acreditar somente em discursos, seremos reféns de pilantas em todas as áreas: na política, nas artes, na medicina, no direito, na comunicação, no jornalismo. Temos confundido fama com credibilidade. Fama é a capacidade, ainda que momentânea, de chamar a atenção de muitos. Credibilidade é agir como prega por um longo período de tempo. Uma sociedade só avança fundada na pedra da coerência.

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