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Raoni
Cacique Raoni Metuktire| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A história da moça indígena que chorou num bloco de carnaval ao ver um senhor usando o cocar da etnia dela seria cômica se não fosse trágica. Enxergar "apropriação cultural" até em fantasia de carnaval é, geralmente, prática de quem não tem a experiência de conhecer, respeitar e conhecer outras culturas.

Tornou-se prática comum das militâncias canceladoras inventar um conceito que demonize os demais e fingir que estão defendendo alguma minoria sem consultar ninguém que faz parte dessa minoria. O pensamento colonial continua impregnado na mente brasileira. Talvez seja essa a explicação para a proliferação de manadas progressistas que cancelam pessoas em nome dos indígenas sem consultar os indígenas.

Alguém resolveu consultar o cacique Raoni, uma das mais respeitadas lideranças indígenas da nossa história.“Não é por mal quem está fazendo. Quem está fazendo, faz porque quer se enfeitar, adquirindo nossas vestimentas, nosso cocar, nossas coisas. Nós usamos objetos de vocês também, então é uma troca. Ele gosta e fica contente e alegre."- respondeu o cacique caiapó, usando intérprete porque não fala português.

As origens históricas dos sommeliers de fantasia carnavalesca não está na defesa das minorias, mas na imposição da vontade de uns poucos sobre os demais, inclusive na grande festa pagã que é uma tradição humana há séculos. Uma coisa é não gostar ou não querer participar do carnaval, outra bem diferente é fazer um escrutínio para tentar regrar o que por definição é libertino.

Durante a época em que a América Latina foi assolada por ditaduras militares, houve uma curiosidade do autoritarismo em Córdoba, na Argentina: um decreto de permissão de fantasia de carnaval. Em fevereiro de 1976, a nova lei dizia: "Estão submetidos às disposições do seguinte documento as brincadeiras, as festividades e o uso de fantasias por ocasião da celebração das festas de carnaval."

A sangrenta ditadura militar argentina proibiu terminantemente as fantasias de polícia, militar e padre. Eram ofensivas.

Conseguir a tal "permissão de fantasia" era praticamente uma gincana. Primeiro passo era obter um "certificado de boa conduta", emitido pela ditadura argentina de acordo com a cara do freguês e a boa vontade da autoridade. Então, era possível pleitear a autorização para se fantasiar no carnaval numa época em que, oficialmente, estavam proibidas reuniões públicas de mais de duas pessoas.

A permissão era um cartão, individual e intransferível, azul para homens e branco para mulheres, que deveria ser pendurado no pescoço e permanecer visível, por cima da fantasia, durante todo o tempo. Ele não era suficiente para conseguir pular carnaval. "Se reitera a necessidade de portar o documento de identidade à pessoa que veste fantasia, mesmo que tenha a permissão respectiva", dizia o decreto.

Imaginem um carnaval em que há regras para poder vestir uma fantasia e se faz uma fiscalização em tempo real das que são permitidas ou não? Às vezes eu imagino quanto dinheiro as ditaduras teriam economizado caso tivessem à mão a agilidade das redes sociais e a sanha autoritária das hordas de justiceiros sociais canceladores. São, sem dúvida, muito mais eficientes.

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