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A vassalagem das elites brasileiras – entrevista Paulo Dalla Nora Macedo
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Quando muita gente se empolgou com a renovação política, uma mudança quase absoluta no Congresso Nacional, os mais pragmáticos jogaram água no chopp. Paulo Dalla Nora Macedo foi um deles. Defensor da renovação, preocupou-se em olhar antes se a emenda não sairia pior do que o soneto avaliando a biografia dos novos eleitos. Empresário do ramo de inovação, ele gosta do envolvimento com política, é um dos fundadores de "O Poder do Voto" e vice-presidente do "Política Viva".

Olhando mais detalhadamente, realmente é precipitado pensar, como muitos pensamos, que renovação significaria necessariamente um salto qualitativo nos mandatos. Se uma pessoa chega ao poder sem ter nenhuma experiência profissional ou administrativa, apenas porque se dedicou a defender visões radicais na internet ou à defesa de grandes corporações, por que mudaria ao assumir o cargo? Que bagagem ou repertório tem para agir diferente? Nos encantamos por discursos e deixamos de fazer as perguntas cruciais.

"Quando você exclui esse universo, de quem não é da bancada do YouTube nem das corporações, você vê que a renovação de fato, de qualidade, foi muito pequena. É claro que iria ter consequências e a gente viu isso durante o primeiro ano." - Paulo Dalla Nora Macedo

Muito da confusão se deve a um processo de demonização da política derivado da luta contra a corrupção. Simplificar problemas complexos é a melhor forma de não resolver nada. Num determinado ponto, adotamos uma confusão de discurso entre político e gestor, como se realmente fosse possível ou houvesse alguma experiência no mundo de gestor sem talento político gerar resultados num cargo político.

Paulo Dalla Nora Macedo faz a distinção entre os cargos que são muito bem desempenhados por gestores e os que precisam sim de gente dedicada ao serviço público, com a mentalidade inteiramente voltada ao exercício da política e à preocupação com o bem público. Questiona em que lugar do mundo existe o modelo da inexistência de uma classe política, dedicada a esse ofício, tendo em lugar pessoas que não têm essa vocação mas estão de passagem. A esses perfis devem ser dados os cargos técnicos, aos que querem servir, mas não têm vocação política.

"Medir eficiência do projeto é uma decisão ideológica", explica. No setor privado, o objetivo está definido como, por exemplo, gerar mais lucro para a empresa. A decisão está tomada. No caso do Poder Público, o administrador precisa ter sensibilidade para entender os diversos impactos além da eficiência de um projeto. Por exemplo: decide-se mudar uma escola de lugar porque ficaria mais barato. Mas será que essa economia compensa o impacto na comunidade de pais e alunos? Pesar esses fatores pode ter técnica e um pé em gestão, mas depende de convicções políticas e ideológicas sobre o que é melhor e mais importante.

"Tem que ter uma capacidade muito mais ampliada, não só o gestor com a visão privada. Os melhores exemplos de políticos são aqueles que têm uma visão da gestão com o pragmatismo de números, mas também tem visão para os outros impactos. Se for só político, não entrega. Se for só gestor, não entrega também." - Paulo Dalla Nora Macedo

Um exemplo prático dos problemas enfrentados por grandes gestores na vida real da administração pública é o das privatizações. Um setor que foi lotado de mentes brilhantes e estrelas do mercado não conseguiu dar no primeiro ano nem o primeiro passo da grande revolução que prometeu. Apesar do talento técnico comprovado na iniciativa privada, não se avaliou que as estatais brasileiras são ligadas a políticos e nem se avaliou exatamente onde se estava pisando e quais seriam os maiores e menores desafios. Sem avaliação de cenário, os planos foram embarreirados por influências políticas que sequer foram percebidas corretamente.

"A maior vítima de 2019 foram os fatos, isso é claro. E o maior deles é que a rede social é um mecanismo que permite que a população ventile seus pensamentos de forma livre e transparente. É a maior mentira que tem isso, a maior mentira. Porque hoje as redes sociais e whatsapp são dominados por máquinas de propaganda absolutamente sofisticadas com algoritmos e interesses que ninguém sabe o que é por trás." - Paulo Dalla Nora Macedo

Óbvio que há problemas na mídia e que existe manipulação e distorção. Mas, para o empresário, a manipulação nas redes sociais é infinitamente maior e tem muito mais potencial de aumentar. Os grandes meios de comunicação têm problemas mas prestam contas socialmente e têm um sistema de gestão, uma marca e uma lógica empresarial. Isso faz com que erros e pecados não atinjam o nível da loucura visto em quem pode espalhar anonimamente o que bem entender sem dever satisfações.

O nível de vulgaridade e agressividade do debate nas redes sociais tem sido creditado aos estratagemas de políticos, que vivem da polarização e, entregando às pessoas um circo do qual elas possam participar, não precisam cumprir seu papel ou se submeter a um debate incômodo. Mas esse clima não seria possível se não fosse tolerado pelas elites econômica, intelectual e cultural. Há sim os que se manifestam contra, mas também existe um grande incentivo para os comportamentos pessoais mais baixos e violentos que a classe política possa produzir.

Paulo Dalla Nora Macedo costuma participar de eventos de campanhas presidenciais para o mercado financeiro e o empresariado. São aquelas ocasiões em que presidenciáveis vão falar das suas propostas a uma plateia seleta de gente que tem poder e que também pode contribuir nas campanhas. Geralmente todos os presidenciáveis com chance de eleição ou com história política são recebidos por esses grupos e os encontros geralmente rendem reportagens para a mídia.

Na última campanha, o presidente Bolsonaro pouco falou de economia, ainda que estivesse em eventos do mercado financeiro. Para todos os públicos se apresentou dizendo que entendia pouco de economia e estava colocando Paulo Guedes a bordo para cuidar dessa área da maneira como bem entendesse. E nesses eventos a fina flor dos endinheirados brasileiro incentivava o pior que existe na figura do então candidato.

"As maiores palmas que ele recebia nos eventos, as maiores, é quando ele fazia arminha, quando se falava 'bandido bom é bandido morto.'" - Paulo Dalla Nora Macedo.

Há um discurso de que Jair Bolsonaro é autêntico e fala "a língua do povo", então o mercado tolera as polêmicas diárias e as baixarias que desprestigiam o país e dão a impressão de instabilidade. É injusto colocar isso só na conta do povo ou de Bolsonaro, a elite brasileira não só tolera como gosta bastante de formas de expressão verbal violentas, vulgares e superficiais.

Chega a ser grotesco que um político receba aplausos efusivos da elite de um país quando mostra seu pior lado, seu defeito mais evidente. Mas isso é um incentivo óbvio. Se essa elite o apóia tão efusivamente nessas práticas, não é porque fecha os olhos para elas diante da possibilidade de vantagens econômicas, é porque deseja isso também, um clima liberal com o preconceito, a virulência, o ressentimento e o grotesco. Quem reconhece a própria vulgaridade quer torná-la um orgulho.

"Se você tem um ambiente que estimula isso e que valida isso, como é que segura isso? O gênio quando sai da garrafa e a pasta quando saem do tubo é difícil colocar de novo." - Paulo Dalla Nora Macedo.

Quando alguém se contrapõe a qualquer que seja das amostras diárias de moral de chiqueiro ou boca de latrina dos políticos em geral, qual é a resposta mais comum? Você está torcendo contra o Brasil. Você não é patriota. O empresário considera que bater palma para político falar bobagem não é patriotismo e lembra que isso não é um caso de amor com Jair Bolsonaro, é uma característica histórica.

Nos mesmos eventos, com as mesmas pessoas do mercado financeiro e empresariado, se repetia a bajulação com Dilma Rousseff. Ela não tinha esse vocabulário de bordel de beira de estrada, mas tinha vários outros problemas. Faltavam experiência, capacidade política e habilidade política. Nas oportunidades de gestão pública, ficou claro que não era boa gestora como tentavam convencer o povo. As mesmas pessoas que comentavam isso nos bastidores aplaudiam efusivamente Dilma Rousseff nos eventos, como geralmente fazem com os que estão bem nas pesquisas.

"Ser contra o Brasil é isso, é não entender o papel de elite e não é de hoje, precisa trabalhar muito isso." - Paulo Dalla Nora Macedo

A elite não se colocou, lembra o empresário que avalia o que poderia ter acontecido caso a elite tivesse feito seu papel, falado a realidade ao ex-presidente Lula, dito publicamente em entrevistas sobre as dúvidas envolvendo o perfil político da ex-presidente. O Brasil poderia ter sido privado de um impeachment? Jamais saberemos. Sabemos apenas que, em vez usar o próprio poder para ter uma atitude importante sobre o que é melhor para o Brasil, muitos integrantes da elite se dedicavam a bajular a candidata, tirar selfies com ela e dizer que era uma "grande gestora".

"Em Comandatuba, eu vi gente quase tropeçando em bandeja para levar camarão para Dilma. Não é papel de uma elite isso. A vassalagem é muito ruim", avalia Paulo Dalla Nora Macedo ao lembrar um ditado: "Nem sempre a rebeldia é reconhecida, mas a vassalagem é sempre crucificada na história".

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