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A campanha “América em primeiro”, de Trump.
A campanha “América em primeiro”, de Trump.| Foto: Divulgação/Campanha de Donald Trump

"Quando uma ideologia fica bem velhinha, ela vem morar no Brasil", frase clássica de Millôr Fernandes, descreve exatamente o que vivemos agora. Enquanto a maior democracia do mundo já coloca sua estrutura para investigar o envolvimento de cibercriminosos do mais baixo nível nas plataformas de redes sociais, nós ainda vivemos na era daquele discurso cirandeiro sobre internet e liberdade que Obama usou na campanha de 2008.

Um país que tem os nossos resultados em testes de matemática realmente vai demorar para entender o que são algoritmos, como funcionam e seu impacto na realidade. Ignorar um fenômeno não nos torna imune a ele. Sofremos os mesmos problemas que os órgãos oficiais norte-americanos já detectaram, a única diferença é que não se vê mobilização para conscientizar e resolver.

As discussões por aqui ainda são sobre o que as plataformas de redes sociais admitem fazer, como coleta de dados, impulsionamento de postagens, redução de alcance de postagens, criação de perfis anônimos, venda de disparos robotizados. E, verdade seja dita, na maior parte do tempo o debate público ainda nem chegou nesse ponto, parou no anterior, o de definir o que pode ou não ser publicado de acordo com opiniões pessoais. Nos Estados Unidos, já se investigam as falhas dos sistemas, vazamento de dados e interferência direta em contas de usuários. Mas aqui ainda tem quem chame isso de "liberdade de expressão".

O problema de Donald Trump com as redes sociais, principalmente o Twitter, não é com o que pode ou não ser dito. Aliás, estamos falando de Trump. Ele quer saber de que forma as empresas que são donas da plataforma interferem do debate público, dando mais ou menos alcance a determinados tipos de discurso sem ser transparentes sobre isso. Hoje, o filho do presidente sofreu uma sanção por "desinformação" dizendo a mesma coisa que outros perfis dizem sem sofrer a suspensão.

O FBI investiga se há um problema generalizado com a segurança dos dados dos usuários e privacidade depois do ataque hacker sofrido pelo Twitter na semana passada. Tanto a plataforma quando o FBI investigam de que forma todas as contas verificadas foram tomadas por invasores que conseguiram, inclusive, tuitar das contas de Joe Biden, Bill Gates, Elon Musk e Michael Bloomberg. Algo que ainda não está claro é se os hackers também tiveram acesso às mensagens privadas dessas pessoas. Normalmente, quando se entra num perfil, o acesso é automático. A dúvida é se o mesmo ocorre nesse tipo de ataque.

Há 2 anos, a vítima foi Donald Trump. Um funcionário deletou a conta do presidente dos Estados Unidos, segundo Twitter, sem autorização nem anuência da empresa, que a restaurou. Agora, a explicação é muito parecida. Os hackers teriam usado credenciais de funcionários que têm acesso a contas, não haveria exatamente uma invasão de sistema por criminosos. A fragilidade do sistema é mais preocupante do que um punhado de funcionários inescrupulosos, já que os dados ficariam expostos a qualquer tipo de criminoso. Mas há uma pergunta importante que o FBI quer ver respondida: quantos podem ser esses funcionários?

No último sábado, o Twitter declarou que apenas alguns poucos funcionários têm acesso às contas dos usuários, ou seja, podem até postar no lugar deles e ler mensagens privadas. Mas ex-funcionários que prestaram depoimento e falaram à imprensa dizem que até terceirizados têm acesso e calculam que umas mil pessoas tivessem credenciais para isso.

É aí que se iniciam as preocupações sobre o envolvimento de criminosos de baixo nível que, principalmente no período após o início da pandemia, encontraram na internet uma alternativa para suas atividades. Se muitas pessoas realmente têm essa credencial de acesso às contas, significa que há pouco controle, ou seja, um grupo pode muito bem se estruturar para entrar em contas e pegar informações para cometer crimes. E aqui falamos de uma única plataforma e do que sabemos apenas porque houve uma falha mundial envolvendo nomes muito famosos.

O governo dos Estados Unidos chegou a desfrutar das brechas de sistema das redes sociais para trabalhar na segurança durante marchas do Black Lives Matter. A CIA contratou a empresa Dataminr, que monitora donos de perfis de Twitter em tempo real utilizando o sistema da plataforma. É um serviço requisitado por instituições, governos e empresas para solucionar crises e essa empresa já vale quase US$ 2 bi. Detalhe: o Twitter é sócio e não informa os usuários sobre a atividade nos perfis deles. Como sempre, quando o que incomoda o povo bate nas autoridades, o jogo começa a virar.

Recentemente, algumas mensagens do presidente dos Estados Unidos foram alvos de intervenção das plataformas de redes sociais. Aliás, ocorreu o mesmo aqui no Brasil. Enquanto ficamos debatendo conteúdo, a grande pergunta é: qual a regra e o método para intervir em postagens? Ninguém sabe. As plataformas enumeram regras mas basta uma passada de olhos para ver meia dúzia de violações impunes e outras tantas punições injustas.

Em maio, o Twitter colocou um aviso para que seus leitores checassem a veracidade de uma postagem de Donald Trump sobre fraudes em votos por correio. Enquanto quem vive no passado debate se ele deveria ou não escrever esse tipo de bobajada, a discussão que importa é outra: quais são os critérios para sinalizar postagens? Se uma postagem tiver impulsionamento pago, por exemplo, corre risco de ser sinalizada também? Como se escolhem os perfis? Quem faz o trabalho de checagem? O mesmo tem ocorrido em outras plataformas e também não há respostas.

Ao mesmo tempo em que alegam não ser responsáveis pelo conteúdo postado, as plataformas agem para qualificar esse conteúdo de acordo com critérios que não revelam. Donald Trump fez a Agência Nacional de Telecomunicações e Informação entrar na jogada e ela sugeriu ao órgão regulador do setor, a Comissão Federal de Comunicações, uma mudança em uma lei específica.

O pedido é para que a Comissão exija que as plataformas de mídia social "divulguem publicamente informações precisas sobre seus mecanismos de gerenciamento de conteúdo" para "permitir que os usuários façam escolhas mais informadas sobre alternativas competitivas" . Donald Trump tem acusado as empresas de "bombar" propositalmente os piores tipos de conteúdo.

Pode parecer paranóia ou mais uma bravata do presidente dos Estados Unidos, que concorre à reeleição. Mas, sob o ponto de vista comercial, faz muito sentido. O negócio das plataformas é coletar dados e fazer marketing individualizado. Para isso, é necessário manter as pessoas o máximo de tempo possível online e interagindo com conteúdos. Pode não ser proposital a escolha do "pior conteúdo possível", como diz Trump. Aliás, não creio que seja. Mas é melhor solução matemática do algoritmo para manter as pessoas na plataforma. O que nos causa raiva, medo, ódio e repulsa nos paralisa.

Essa história ainda tem muitos capítulos adiante e não estamos nem perto de descobrir as soluções que são melhores para a liberdade do cidadão comum, é um novo mundo. Mas já temos dois mitos derrubados. O primeiro é o do controle de conteúdo. O problema não está aí, mas na distorção da praça pública, no impulsionamento de alguns conteúdos e bloqueio de outros, inclusive com inteligência artificial e sem informar as pessoas. O outro mito é de que os políticos seriam sempre os vilões dessa novela, aparentemente estão se tornando reféns.

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