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Aulas online cobram um preço alto na saúde mental dos estudantes.
A comunicação por vídeo nos obriga a saber mais sobre comportamento humano: ficamos exaustos sem entender as razões.| Foto: Unsplash

Ainda não sabemos o peso que a pandemia de COVID tem e terá sobre nossa saúde mental, é um evento inédito na história. Além da doença em si, temos as diversas tragédias afetivas aliadas a um período em que a polarização política tomou o lugar da sanidade em tudo quanto é canto do mundo. Some-se a isso o "fator zoom".

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Eu já fui da turma que acreditava ir a uma reunião online como quem vai a uma reunião presencial, só que sem o incômodo do trânsito. Hoje eu já corro o quanto dá dessas reuniões e nem peço mais licença para deixar a câmera desligada enquanto faço da reunião um telefonema. A minha falta de educação não é a única causa deste fenômeno, segundo estudos recentes na área de psicologia.

Em dezembro de 2019, 10 milhões de pessoas participavam diariamente de reuniões remotas por zoom. Em junho de 2020, já éramos 300 milhões de participantes diários só nesta plataforma. Muitos são estudantes e nem todos estão adaptados ao ensino à distância com aulas remotas.

Aqui nem entro no problema objetivo da falta de condições financeiras e de acesso à internet. Muitas famílias não têm como comprar um aparelho para cada filho fazer aula nem contratar wi-fi. Há escolas sem estrutura para organizar aulas online ao vivo, se virando do jeito que podem para atender minimamente os estudantes.

O caso é que há problemas mesmo na porção mais privilegiada, aquela que consegue contratar banda larga para a família toda e ter um aparelho para cada um estudar. Um estudo feito com 30 mil universitários dos EUA mostrou que o índice de depressão entre eles duplicou e o de ansiedade aumentou 50%.

Muitos estudantes sentem-se muito cansados, frustrados ou desconectados das atividades cotidianas. Não se sabe direito por que as pessoas lidam de formas tão diferentes com a interação formal e a virtual. Há alunos que simplesmente não conseguem acompanhar o conteúdo online, não se adaptaram. Mesmo entre quem se adapta, há a sensação de ser mais cansativo que a vida antes da pandemia.

O Centro para Estudos em Educação Superior da Universidade de Berkeley resolveu apurar os índices dos distúrbios mentais mais comuns entre estudantes, ansiedade e depressão. Eles verificaram números alarmantes. Segundo o estudo, 39% dos alunos têm algum diagnóstico de ansiedade. Entre os graduandos, 35% têm depressão. Na pós-graduação, o índice da doença é de 32%. É um aumento muito significativo com relação a 2019.

Alguns fatores indicam mais risco de depressão e ansiedade, como a situação financeira, a orientação sexual e o fato de ter de cuidar de outras pessoas, sejam adultos ou crianças. Ser pobre, ter uma orientação diferente de cis/hétero ou cuidar de alguém são características que determinam mais incidência de casos.

Entre estudantes pobres, mais da metade tem diagnóstico de depressão e ansiedade. A insegurança financeira piorou com a pandemia e uniu-se a um estilo de vida com demandas muito diferentes para nós. Entre quem cuida de outras pessoas, mais de 40% têm depressão ou ansiedade, sendo que há mais diagnósticos entre quem cuida de adultos do que quem cuida de crianças.

Mulheres têm mais ansiedade e depressão do que homens. Mas a categoria que tem um índice assustador, 72% com ansiedade e 65% com depressão, é a dos não-binários, os que dizem não se identificar com nenhum sexo. Entre transexuais o número também é alto, 67% com ansiedade e 63% com depressão.

Quanto à orientação sexual, heterossexuais são os que menos têm diagnósticos, seguidos por homossexuais e bissexuais. Quando se entra nos grupos que se definem como queer, assexuais, indecisos ou pansexuais, os índices sobem muito. Conflitos com a identidade sexual e a sexualidade tendem a consumir bastante as pessoas.

Na área de humanas houve mais casos de diagnósticos de depressão e ansiedade. Pelo menos em alguma coisa a gente vence, já não aguentava mais tanta humilhação. Estudantes de ciências comportamentais, exatas e biológicas não estão tão sujeitos aos transtornos quanto quem estuda artes, comunicação e design.

O estudo termina com recomendações sobre a necessidade de acompanhamento psicológico dos estudantes, instruções para a equipe docente e funcionários das universidades, além da necessidade de pesquisar mais. Outras pesquisas já trazem conclusões interessantes sobre nossa fadiga diante das telas.

Comunicar à distância é difícil

Pense que você tem um assunto delicado e chato para tratar com alguém. Qual é a maior chance de dar briga: falar pessoalmente, telefone ou email? Até via telefone, tecnologia com que a gente tem muita familiaridade, é mais fácil ter desentendimento. Isso tem explicação.

A primeira é que quase toda nossa comunicação não é verbal. Estudos desde os anos 1940 calculam que entre 65% e 70% do processo de comunicação presencial é estruturado em outros elementos além das palavras. Aquela história de olhar no olho da pessoa faz todo sentido. Expressões faciais, a forma de olhar ao reagir e a postura são importantíssimos para que nós nos comuniquemos de volta.

Separados pela tela, estamos vivendo o que julgávamos ser o paraíso vendo Jetsons, a chamada em que uma pessoa pode realmente ver a outra e falar ao vivo por uma tela. Ocorre que boa parte da conversa fica fragmentada, não conseguimos nem coletar os sinais que precisamos da outra pessoa nem nos expressar da maneira como queríamos. É um processo exaustivo.

Segundo Elizabeth Keating, professora de antropologia da Universidade do Texas em Austin, a migração forçada para o universo digital trazida pela pandemia nos obriga a finalmente levar a sério comunicação não-verbal. É algo que sempre se soube existir mas um ramo científico sempre minimizado e com pouca produção. Agora precisaremos aprender mais sobre isso.

"As tecnologias não alcançarão o que queremos a menos que tenhamos em mente as lições humanas. Afinal, a comunicação diz respeito às pessoas - não apenas nossas palavras, mas nossos gestos, sentimentos e mapas mentais. Mas ainda há um longo caminho a percorrer para incorporar tudo isso em um trabalho virtual mais gratificante e eficaz", avalia a antropóloga Elizabeth Keating.

Nos últimos anos, aprendemos demais sobre tecnologia e hoje há disponibilidade comercial de verdadeiros milagres para o cidadão comum. Ocorre que esse conhecimento não foi acompanhado por um crescimento na mesma medida do que sabemos sobre nós mesmos. Saber mais de gente é definitivo para que o avanço tecnológico nos favoreça.

Um pequeno detalhe faz toda a diferença na comunicação e no nosso desgaste ao comunicar: o olhar. Olhar nos olhos ou desviar o olhar fazer uma diferença enorme. A forma como as pessoas nos olham durante uma conversação é determinante para decidir que rumo essa história toma. Ocorre que tudo isso é distorcido na comunicação virtual.

Vemos o outro na tela? Claro que sim. Mas temos um problema ao interpretar o olhar. Tendemos a olhar para a tela, não para a câmera. Intuitivamente, interpretamos a conversa a partir do olhar do outro para nós. Ocorre que ele estará desviado sempre no ambiente online. O livro "Experience on Demand", de James Baileson, é coalhado de exemplos em que detalhes como este fazem toda a diferença.

Tanto este autor quanto a antropóloga Elizabeth Keating também falam da importância do toque na comunicação. É uma linha de estudo que tem se tornado importantíssima na psicologia social. O universo interno de quem mora sozinho foi muito impactado na pandemia por não poder abraçar as pessoas queridas. Todas as nossas comunicações são impactadas por não podermos tocar o interlocutor. É algo que subestimávamos antes.

Há ainda um outro fator interessante, a nossa mudança de comportamento quando sentimos que estamos sendo observados. Por alguma razão, isso não nos afeta tanto quando estamos presencialmente reunidos. Pela câmera, a sensação de invasão de privacidade e necessidade de se apresentar bem é muito maior. Mais um fator que contribui para que pessoas sintam-se esgotadas em reuniões virtuais.

Muita gente tem a impressão de que alunos e professores foram simplesmente abandonados na pandemia aqui no Brasil. Apesar da situação dificílima da adaptação forçada a uma realidade dura, há uma tentativa de compreender como o ensino à distância impactou a educação. Tanto o governo quanto institutos ligados à temática têm feito levantamentos desde o início da pandemia.

Poder frequentar aulas online durante a pandemia foi, num primeiro momento, a forma de evitar total desconexão dos estudantes enquanto se estudava mais sobre o vírus. Ocorre que não havíamos estudado sobre as interações virtuais tanto quanto julgávamos saber. Agora estamos descobrindo que há um custo emocional e de saúde mental nesse processo que parecia a nova tendência da humanidade.

Mas, se você acha que iremos retroceder, também já deve ter visto vantagens da comunicação virtual e de menos necessidade de deslocamentos. Dizem que a beleza das máquinas é que elas fazem o que a gente manda e a desgraça das máquinas é que elas fazem o que a gente manda. Somente aprendendo mais sobre como interagimos com máquinas poderemos mandar direito.

Há muitos cientistas trabalhando em avanços tecnológicos para que a experiência da reunião virtual seja cada vez mais imersiva e próxima da real, com sensação de toque, cheiros e olho no olho. A realidade virtual é a próxima fronteira do trabalho e do aprendizado.

O que nós, cidadãos, podemos fazer além de esperar? Aprender mais sobre gente. Há muitos pais e estudantes frustrados pelo que chamam de "não conseguir adaptar-se" ao ensino virtual. Muitas famílias têm tentado lidar com o problema como se fosse só seu ou só de um grupo de crianças, adolescentes e adultos. É um erro. Estamos diante de uma questão humana que foi descoberta recentemente.

Diante de todo o caos que a pandemia trouxe para as nossas vidas, a saúde mental parece não ter tido a atenção que precisa. Aprendemos sobre câmera, a melhor luz para reunião, como fazer o enquadramento correto, mandar arquivos, compartilhar a tela para apresentações. Parecia suficiente e não é. Quanto mais a tecnologia avança, mais somos forçados a finalmente levar a sério que o maior ativo da evolução humana é o ser humano.

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