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Chuvas em Minas Gerais: depois da queda, o coice
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É na tempestade que se conhece o marinheiro. O Estado de Minas Gerais tem, infelizmente, vivido tragédias humanas muito doloridas, uma atrás da outra. Berço do que há de mais tradicional na política, se empolgou com uma renovação feita de maneira pouco pragmática pela população. Depois de mais de 50 mortes e mais de 100 cidades em Estado de emergência, o povo mineiro experimenta o gosto amargo das lideranças frágeis, egocêntricas e sem vocação para o serviço público.

Enquanto vidas eram perdidas na força das águas, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, esticava além da conta suas férias de gente rica. O povo começava a viver uma tragédia enquanto o prefeito da cidade, empresário e ex-presidente do Atlético Mineiro, demonstrava toda sua solidariedade e preocupação em um cassino na Argentina.

Este artigo, leitor, é apenas sobre a questão moral e a vocação para o serviço público. Não pretendo perder tempo com detalhes como o fato de a viagem ter sido crime de responsabilidade que pode resultar em perda do mandato. Ocupantes de diversos cargos públicos não podem se ausentar do país sem autorização oficial. No caso de prefeitos, quem autoriza é a Câmara Municipal. Como você vê no documento abaixo, o prazo de viagem era até dia 5 de janeiro.

Não vou perder seu tempo citando a lei dos prefeitos, que sujeita à cassação de mandato os prefeitos que se afastam do município - veja bem, nem é do país, é só da cidade mesmo - sem autorização da Câmara.

Art. 4º São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato:

IX - Ausentar-se do Município, por tempo superior ao permitido em lei, ou afastar-se da Prefeitura, sem autorização da Câmara dos Vereadores;

O governador Romeu Zema tem lutado para se encaixar na função de homem público e falar como o povo espera de uma liderança, mas patina. Faltou empatia nas declarações após a tragédia de Brumadinho e faltou noção agora. Homens do mercado podem, por exemplo, falar tranquilamente sobre os efeitos econômicos da gripe do coronavírus e como fazer para sair ganhando. Homens públicos não podem. Só tem a vocação de homem público quem, nessa hora, consegue sentir a dor do povo e dar a ele a palavra de esperança.

As declarações públicas do governador de Minas Gerais e do prefeito de Belo Horizonte após a tragédia causada pelas chuvas competem com as do saudoso Justo Veríssimo.

Romeu Zema foi dar uma entrevista sobre a tragédia na Globonews e aproveitou para anunciar candidatura à reeleição. Comentou o incômodo de ter de levar um par de sapatos extra para visitar as cidades devastadas. Quem confiou nele como líder capaz de conduzir o Estado inclusive nas piores horas deve ter ficado orgulhoso.

Alexandre Kalil está numa turnê de MMA pela imprensa mineira, brigando com vereadores que cobram explicações sobre suas ações e omissões. É costume dos dirigentes de futebol bater boca com a torcida, mas prefeitos têm de pensar primeiro no povo e depois em ficar bravos quando falam mal deles.

Os dois comportamentos têm em comum uma visão equivocada de liderança, não por parte desses dois políticos, mas por parte do povo. Quando pensamos em líderes, pensamos em dominância. Mas liderança também é a forma como alguém reage ao stress.

A psicóloga social e professora da Harvard Business School Amy Cuddy conduziu um experimento científico muito interessante que toca nesse ponto. Ela estuda relações de poder. Quando alguém está numa posição de poder, tem uma mudança hormonal. A mais evidente é o aumento da testosterona, mas existe também a secundária, a queda do cortisol. Está no minuto 9 do Ted Talk dela.

"Os machos alfa superpoderosos na hierarquia primata têm alta testosterona e cortisol baixo. E líderes poderosos e eficientes também têm alta testosterona e cortisol baixo. O que isso significa? Quando você pensa em poder, a tendência era pensar apenas sobre testosterona porque era sobre dominânica. Mas, na realidade, poder é também sobre como você reage ao stress. Você quer o líder do mais poder, que é dominante com testosterona alta mas super reativo ao stress? Provavelmente não. Você quer a pessoa que seja poderosa, assertiva e dominante, mas não muito reativa ao stress, uma pessoa relaxada.", diz a psicóloga social.

Nos experimentos feitos com primatas, quando algum deles, por alguma circunstância do bando, precisa assumir a posição de macho-alfa do dia para a noite, as taxas de testosterona no corpo deles sobe significativamente. Mas também se verifica uma significante queda do cortisol, o hormônio que faz com ele eles sejam reativos e percam a calma nas situações de stress.

Estranhamente, nós, seres racionais, estamos perdendo o instinto para reconhecer líderes. Moleques são reativos, jovens são reativos, artistas são reativos, pessoas revolucionárias são reativas, pessoas ressentidas são reativas, todos têm o direito de ser reativos. Só que o reativo não é líder, não tem vocação para liderar porque é incapaz de se sentir seguro o suficiente para defender o grupo, precisa primeiro se defender nas situações de stress.

Entre os primatas, as taxas de cortisol caem quando assumem a posição de macho-alfa, então deixam de ser agressivos, de dar chilique quando contrariados. Espero sinceramente que entre nós, humanos, esteja havendo apenas um pequeno atraso nesse equilíbrio hormonal.

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