Nos últimos meses, o Congresso Nacional tem aprovado e o presidente Jair Bolsonaro tem sacionado na íntegra diversos projetos para combater a violência doméstica. Obviamente há projetos inócuos ou que pioram a situação, coisa comum desde que viciamos nossos políticos em fazer lei pelo marketing e não pelo efeito real que geram. Mas também há projetos importantes e que podem fazer a diferença.
Para mim, a grande questão no enfrentamento da violência é: será que fazer novas leis e aplicar é suficiente para resolver o problema? Eu creio que não.
De qualquer forma, toda boa medida é um avanço. Temos uma explosão de casos de violência contra a mulher, alta que mistura mais casos mesmo com mais coragem de denunciar. Foram 34% mais registros em 2018 na comparação com 2016 e, por isso, o Poder Público tenta medidas para reverter a situação.
As duas leis sancionadas hoje pelo presidente são muito boas e atacam entraves práticos à proteção da mulher agredida e de seus filhos. A primeira delas altera dois artigos da Lei Maria da Penha e estabelece que o Poder Judiciário tem 48 horas para confiscar a arma de fogo de quem for denunciado por violência doméstica. Assim que a ocorrência é registrada, a polícia fará um procedimento para verificar se o agressor tem porte ou posse de arma, notifica a instituição que concedeu a licença e o juiz então determina o confisco dentro do prazo. Se for flagrante, a própria autoridade policial pode confiscar a arma imediatamente.
A maioria dos casos de violência em que a vítima é mulher ocorre dentro de casa e o criminoso é alguém com quem ela convivia. Os culpados mais comuns de estupro e assassinato são os parentes, principalmente o companheiro ou ex-companheiro. Metade dos casos de assassinato - em torno de 5 mil ao ano - são com arma de fogo. Obviamente essa lei não cobre os casos de armas ilegais, mas é simbólica: estipula que não pode mais usar arma para cometer violência doméstica. A consequência não vai ser só o processo agora, vai perder a arma também.
Outro projeto de lei sancionado hoje pelo presidente Jair Bolsonaro resolve lacunas na proteção de mulheres e crianças envolvidas em casos tão violentos que são obrigadas a mudar de casa, às vezes de cidade e Estado. Quando essa for a questão, as escolas passarão a ser obrigadas a aceitar a matrícula dos filhos até o Ensino Médio, mesmo que não tenha vaga disponível. Se estiverem em programa de proteção, as identidades reais serão preservadas.
É uma demanda que vem dos técnicos da área e, embora não atenda um grande número de famílias, atende casos muito dramáticos e que obviamente envolvem muito sofrimento também para os filhos. Passar por todo o processo da denúncia contra o pai, o afastamento de casa, a mudança completa de vida e acabar sem estudar por uma tecnicalidade pode ser algo determinante na recuperação psicológica de uma família que passou por isso.
Uma pena que tenha sido rejeitado o projeto que prevê psicólogo e assistente social nas escolas, algo que tem potencial de cortar pela raiz inúmeros problemas da nossa sociedade.
Pergunte a quem vive o dia-a-dia da escola pública no Brasil sobre os inúmeros casos de automutilação, violência familiar, depressão, falta de orientação, famílias desestruturadas, alcoolismo e uso de drogas. Há quem argumente que escola não é lugar para resolver isso. Muito bem: onde seria então? Uma coisa é teorizar sobre o mundo e outra é resolver problemas reais que afligem pessoas reais. Não tem como falar em conteúdo educacional sem tem condições mínimas de ministrar esse conteúdo.
A alegação da Presidência da República é de inconstitucionalidade: o Legislativo institui despesas para o Executivo, mas não diz de onde elas devem sair. É desse jeito que são assassinadas inúmeras ideias boas todos os anos. Óbvio que deve ter algum lugar para mexer e que há técnicos capacitados para demonstrar como a medida economiza verbas não só da Educação como de outras áreas. O problema é não fazer o trabalho e esperar que mobilização política funcione na sanção. Não funcionou, infelizmente, para os alunos brasileiros.
Outro projeto, que virou um estardalhaço porque fez marketing de A a Z no alfabeto de ideologia política, é o do divórcio "mais rápido" para vítima de violência. É de um deputado de primeira viagem do PSL e celebrado como panaceia pelas feministas do PT. Ainda bem que não foi sancionado. Apesar de parecer bom, ele pode prejudicar a mulher. As medidas práticas estabelecidas ou não são possíveis na estrutura atual do Judiciário e Ministério Público ou podem prejudicar a mulher.
Divórcio não emperra porque o juiz demora, emperra na discussão sobre partilha e pensão. Só que essas discussões não dependem do juiz. Resumo da ópera: era só o homem bater o pé e criar encrenca com tudo que ficava livre da mulher e ainda sem obrigação de pagar pensão nem dividir patrimônio. Ainda bem que não foi sancionado. Não é o caso, no entanto, de outro projeto malfeito, o que obriga o agressor a ressarcir gastos do SUS com a mulher agredida: pode provocar vingança, a mulher pode deixar de ir ao hospital ou ele pagar com o dinheiro dela.
Será que precisaríamos de uma legislação tão detalhada caso a nossa sociedade não fosse tão permissiva com homens agressores? A mudança cultural precisa acompanhar os avanços legislativos.
Praticamente ao mesmo tempo em que essas leis foram sancionadas pelo presidente da República, o goleiro Bruno voltou aos gramados pelo Poços de Caldas. Foi um jogo bem meia-boca, com ingressos a R$ 10 e 200 torcedores nas arquibancadas. Ele começou no banco de reservas e depois foi ao gol. Bateram o Independente Juruaia por 2 x 0. Se está pagando sua dívida com a sociedade, em tese, está se recuperando e tem o direito de se reintegrar.
Meu questionamento é sobre os aplausos. Bruno ordenou o assassinato da mãe do próprio filho, cujo corpo foi esquartejado e dado aos cachorros, e abandonou o bebê com uma pessoa desconhecida em uma favela. Sinceramente, não sei se uma pessoa assim se recupera mas tenho certeza de que não chegaria a esse ponto sem cúmplices, tanto os envolvidos diretamente quanto os que calaram diante dos excessos dele. Agora ganhou mais cúmplices: foi ovacionado durante todo o jogo.
São 200 pessoas que saíram de casa para aplaudir efusivamente uma pessoa que cometeu um dos atos mais torpes de vilania que conhecemos. Não fosse ele famoso, teria o mesmo aplauso? Nesses tempos violentos temos ainda um complicador: notoriedade tornou-se um valor social importante para pessoas sem princípios. Na verdade, tomou o lugar que seria destinado aos princípios.
Duvido que as pessoas achem legal o que o goleiro Bruno fez: essa coisa de esquartejar e dar para cachorro comer é bem pesada. Mas ele é famoso, então pouco importa o que ele faz, tem quem o apóie e quem aplauda. Quantos dos que se dispuseram a levar adiante esse espetáculo grotesco sofreram reprovação social? Arrisco dizer que podemos contar nos dedos.
Não adianta jogar todos os problemas nas costas dos políticos. Somos a sociedade que ovaciona o goleiro Bruno e que cala diante dos aplausos efusivos para ele. Essa é a raiz dos problemas.
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