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Confiança mesmo, só na família
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Paulistano é um bicho desconfiado. A maioria não acredita nem em igreja. Até o capitalismo por aqui é desconfiado. Mais da metade dos paulistanos não acredita em empresas e bancos. Nas relações pessoais, se confia desconfiando. A maioria não confia nos conhecidos nem nos vizinhos. Imagine a confiança nas instituições políticas a quantas anda.

Somente 3 instituições sociais têm a confiança de mais da metade dos paulistanos: família (80,7%), escola (61,7%) e universidades (51,4%).

Os dados foram levantados pelo Índice de Democracia Local, uma ferramenta pioneira lançada hoje aqui em São Paulo pelo Instituto Sivis, reunindo esforços de especialistas internacionais ligados a instituições como a The Economist Intelligence Unit, Freedom House e Latinobarómetro. A democracia paulistana não é um repetende do fundão mas também não passa direto: nossa nota é 5,67 de 10. (Veja os detalhes do levantamento na reportagem da Gazeta do Povo).

Parece mais um levantamento político, mas não é, tem dados profundamente humanos. A capital paulista gosta de se gabar da grandeza, da produtividade, da rapidez, do crescimento, da diversidade. Gostamos de pensar que esta é a cidade do trabalho, de laços construídos a partir de um cresimcento conjunto em torno da produtividade. Só que não somos nada disso na vida real. Paulistano gosta de falar de política e trabalho, mas só se sente seguro na família.

Nos gabamos da diversidade cultural, da imensidão de opções gastronômicas, dos melhores museus do país, da variedade de peças de teatro, shows, bibliotecas, livrarias. Somos competitivos e nos orgulhamos quando nossas escolas e universidades conseguem estar no topo dos rankings e, muitas vezes, são as únicas brasileiras em rankings internacionais. Só que somos ignorantes políticos convictos, o conhecimento é nossa pior nota no Índice de Democracia Local, com 1,34 de 10 pontos possíveis. 60% dos paulistanos não conhecem nenhuma instituição política ou mecanismo de influência popular.

Apenas 1 em cada 5 paulistanos sabe explicar o que fazem a Prefeitura ou a Câmara Municipal. Nem 2% conhecem possibilidades de interferir na política como Lei de Acesso à Informação, Ação Popular e Iniciativa popular. É com base nesse conhecimento que a cidade toma suas decisões políticas.

Não espanta que nós, paulistanos, estejamos protagonizando a animalização da política. É aqui, usando as nossas tradições paulistanas, que inauguramos o sopapo como forma de debate político na mídia. Esta semana mesmo, São Paulo inovou novamente mostrando ao Brasil que é possível debater Reforma da Previdência com socos no plenário e até deputado mordendo o colega que foi apartar a briga. Já temos camisetas comemorativas do episódio em pré-venda pela internet.

Um povo que tolera a substituição do diálogo por pancada e permite que o espaço público continue aberto a pugilistas amadores obviamente precisa de altas doses de democracia na veia. " 37,5% dos entrevistados concordam totalmente que a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo, mas 52,8% desses mesmos cidadãos que dizem apoiar totalmente a democracia não discordaram totalmente da possibilidade de que o governo passe por cima das leis, do Congresso e das instituições em situações difíceis", diz o sumário do Índice de Democracia Local.

É assustador que mais da metade dos paulistanos aceite negociar a democracia, ou seja, a própria liberdade. Infelizmente, é a consequência da união entre desconfiar de tudo e desconhecer o básico.

"A democracia sem dúvida é o regime político em que é possível o exercício da cidadania e dos direitos humanos. Diante da polarização e falta de tolerância com o diferente em nível mundial, nunca foi tão necessário o fortalecimento da democracia e de uma política virtuosa para encontrarmos o desenvolvimento sustentável", diz a Gazeta do Povo na apresentação do Índice de Democracia Local - São Paulo.

Conhecimento parece ter uma função fundamental na compreensão da importância da democracia. Entre os que conhecem as instituições e se informam sobre temas políticos, é muito maior o número dos que concordam totalmente com a ideia de que a democracia é a melhor forma de governo.

Infelizmente, os níveis de confiança não aumentam junto com o nível de conhecimento ou hábito de buscar informações. Não confiamos nas instituições e nem nos cidadãos com quem dividimos São Paulo, apenas 3,2% dizem confiar nas pessoas que não conhecem e vivem na metrópole. Uma democracia saudável depende também da força da sociedade civil organizada, que é composta por todos nós.

Tendemos a falar dos grandes temas políticos, como democracia, como ideias universais ou debates nacionais e isso é válido no âmbito teórico. Na prática, a construção das relações sociais, institucionais e políticas é feita de dia-a-dia. Nas ações, relações e desafios diários nas cidades é que determinamos a saúde da democracia de um país. O desafio do debate público é mostrar às famílias paulistanas o papel fundamental da democracia nas decisões e conquistas da vida cotidiana.

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