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Damares chama igrejas à responsabilidade
| Foto: Agência Brasil

Embora os progressistas gostem de retratar a ministra Damares Alves como caricata ou incompetente, ela é uma das ministras mais respeitadas pela população e conta com grande respeito da comunidade evangélica por sua história na igreja. A imprensa, no geral, destacou como a grande participação no evento The Send Brasil 2020, um dos maiores do mundo cristão, a do presidente Jair Bolsonaro. Eu discordo.

Políticos gostam de agradar os evangélicos e óbvio que um presidente da República é o foco central de todo e qualquer evento no país, mas Jair Bolsonaro repete mais do mesmo que temos visto nos últimos anos. Repetiu uma fala tradicional, afirmando que o Estado é laico mas ele é cristão. Não se trata de novidade. Em culto na Assembleia de Deus até Dilma Rousseff disse que "o Brasil é laico, mas bendita a nação cujo Deus é o Senhor". Eles devem saber o que fazem. Eu não sou muito fã do uso da religião.

O meio evangélico tem diversos problemas, sei porque sou evangélica e convivo. A hipocrisia e a importância de parecer cristão mais pelo discurso que pelas ações são dois deles. A ministra Damares Alves teve a coragem de botar o dedo na ferida em nome de uma causa nobre: a infância.

Nos debates sobre aborto, sempre frequentes no Brasil, é invariável que os favoráveis ataquem os evangélicos pela contradição: "se são contra o aborto, por que não cuidam das crianças abandonadas?". Claro que é uma malandragem retórica, mas há uma questão importante aí: se todos os evangélicos com condições financeiras adotassem uma criança, não teria mais fila da adoção no Brasil.

No discurso de Damares Alves estão dados cuja gravidade é subestimada cotidianamente: somos o pior país da América Latina para se nascer menina e o 4o colocado em casamentos infantis do mundo. E que atire a primeira pedra a mãe de menino que não respirou aliviada imaginando as dores e humilhações de que ele será poupado vida afora. O estupro no Brasil é uma barbaridade que atinge principalmente crianças, inclusive um percentual altíssimo desses crimes envolve bebês de até 3 anos de idade, vítimas de conhecidos da família.

A violência contra as crianças nessa nação nos assusta, mas eu quero falar sobre uma violência que nós não falamos dentro da Igreja: estamos deixando crianças para trás” - provocou a ministra e pastora Damares Alves.

Sabe qual é o tamanho exato da fila da adoção no Brasil? Menor do que você pensa. São 47 mil crianças em abrigos e 9 mil prontas para serem adotadas. Segundo o IBGE, o Brasil tem aproximadamente 70 milhões de evangélicos. Damares Alves fez a conta: “Cadê a igreja? Nós somos um povo que fomos adotados pelo Eterno. Uma igreja que foi adotada tem que adotar. Infelizmente, o que eu vejo na Igreja Brasileira é, no final do ano, fazermos uma festinha de Natal e levar presentes para as crianças no abrigo. As crianças do abrigo não querem presentes, elas querem um lar. A Igreja pode ser a resposta para essa terrível violência no Brasil.”Pode ser uma fala dura, mas é a mais pura verdade e precisava ser dita.

Não imagino que qualquer político presente fizesse o chamado nem que qualquer dos demais pastores falasse sobre esse tema, que virou delicado após o caso Flordelis. O casal de pastores que protagonizou uma tragédia montou a igreja em cima da adoção de dezenas de crianças. Os cristãos tradicionais sabem que não se trata disso, mas de algo muito diferente: dar uma família à criança que não tem. O limite da adoção é dentro do limite em que é possível a convivência como família.

Há quem tenha mais e quem tenha menos condições para adotar. Não falo aqui apenas de condições financeiras, mas também psicológicas e da vontade de estender a uma criança que é só no mundo a bênção de ter uma família. Criar uma criança é a tarefa que, para ser bem feita, exige a maior dose de compromisso e desprendimento de um adulto. Por isso, só deve ser abraçada por quem realmente quer e sabe o que está em jogo.

Ainda que apenas uma minoria de famílias evangélicas realmente tenha estrutura financeira, emocional e afetiva para adotar crianças, não é possível que entre 70 milhões de pessoas não encontremos 56 mil famílias com essa vocação. "As crianças do abrigo não querem presentes, elas querem um lar". O recado mais importante do The Send foi dado, seria fantástico se fosse ouvido.

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