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Conheça a Redirect Initiative, em que o Facebook diz combater extremismo
Facebook mente ao derrubar post, desmonetiza criador e será obrigado a ressarcir.| Foto: Luca Sammarco/Unsplash

Pouco importa se você está ou não em rede sociais, se gosta ou não delas, sua vida já é afetada pelo que ocorre nas redes. Estão lá, convivendo neste universo, 4 bilhões de pessoas e a imensa maioria das empresas. Dessa interação, que ocorre em uma dinâmica diferente e que estamos aprendendo, surgem consequências no mundo real que afetam todas as pessoas.

Um exemplo clássico é a invasão da lacração em todo tipo de publicidade de empresas. Até hambúrguer, um negócio que é junk food, se vende hoje com selinho de politicamente correto e inclusivo apresentando militância LGBT. Qual o sentido disso?

Publicitários convivem no ambiente das redes e entram em grupos cujo valor é apontar o quanto é errado que outro grupo discrimine a população LGBT. Passam a assumir que isso realmente é importante para todas as pessoas porque viraliza nas redes, gera engajamento. E, de repente, a propaganda da lacração substituiu informação sobre os produtos ou sobre a empresa. É assim que gira a economia da polarização, como mostrou recentemente uma pesquisa sobre a qual falei ontem.

Outro exemplo é a consequência no mundo real de ignorar ações do mundo virtual. Imagine uma pessoa que nem tem perfil em redes sociais. Ela recebe, numa universidade federal, um panfleto de um evento para o qual todEs Es alunEs estão convidadEs. Daí a pessoa resolve alertar que está digitado errado, em voz alta, no meio da classe. Sofrerá as consequências duras de um debate que só existe e faz sentido no universo digital.

O Judiciário brasileiro começa a questionar as consequências financeiras das decisões arbitrárias das Big Techs, algo que não era comum por falta de compreensão do cyberespaço. A Justiça de São Paulo condenou o Facebook a ressarcir a página "Desmascarando" em R$ 28,1 mil por derrubar um vídeo. Ainda cabe recurso, mas a história é bem interessante.

Fabio Porchat fez um vídeo com Guilherme Boulos ano passado. Num determinado momento da live, a mulher do ator passou de toalha no meio da filmagem. Não dá para ver nenhuma parte do corpo dela e nem o rosto se vê direito. O vídeo original continua no ar.

O canal "Desmascarando" postou esse trecho. O post foi derrubado e o canal foi condenado a 90 dias sem monetização. Ocorre que a justificativa não foi o uso do conteúdo de Fabio Porchat, mas a exibição de cenas de nudez, o que não ocorreu.

Em vez de questionar se o Facebook pode ou não derrubar o vídeo, o dono do canal Desmascarando apontou algo indiscutível: ele perdeu dinheiro com a derrubada e ela foi feita com motivo falso. Pediu o dinheiro de volta, calculou cerca de R$ 300 por dia com base no faturamento anterior e o juiz concordou.

Se a derrubada de um único vídeo causa prejuízo de R$ 28 mil, isso quer dizer que a forma como o algoritmo do Facebook distribuía este vídeo é que dava este retorno. Exatamente por isso, as tomadas de decisão sobre legitimidade de perfis são tão importantes, porque afetam toda a produção de conteúdo de um perfil.

Perfis verificados têm mais vantagens em todas as plataformas, mas ninguém sabe quais são os critérios para verificação. Eu tenho perfil verificado em algumas e em outras não e não sei dizer exatamente como consegui em umas e por que não consegui em outras. Ocorre que esta semana o Twitter admitiu ter verificado contas falsas.

Não foi só no Brasil, houve reclamações em diversos países. Verificar todas as contas de pessoas reais já foi uma solução cogitada para que o ambiente das redes sociais ficasse mais saudável. Como vimos agora, quando o próprio Twitter admitiu ter colocado selo azul em robôs recém-criados, talvez não seja a melhor ideia do mundo.

O mais novo intelectual brasileiro, Felipe Neto, não gostou nada desta história e mais uma vez mostrou a que veio. Cobrou publicamente o Twitter Brasil por ter verificado a conta de um perfil fake bolsomínion que simula fazer previsões. Mostrou como foi uma vítima desse fake logo que entrou na mira de Carlos Bolsonaro.

Infelizmente, nosso grande intelectual Felipe Neto equivocou-se ao escolher um exemplo de perfil fake verificado pelo Twitter. O perfil não é fake, é um site de previsões com muitos seguidores. A previsão maldosa de que Felipe Neto reclama, no final, não era sobre ele. A confusão é porque o post foi sobre um humorista e o intelectual achou que é humorista.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU, que já chamou diversos países, inclusive Cuba, a se explicar por interferir em direitos digitais dos cidadãos, tem ideias diferentes das defendidas por Felipe Neto. Longe de mim afirmar que o Relator Especial de Liberdade de Expressão e Assembleia da ONU sabe mais do assunto. Mas afirmo que faz sentido o que ele disse na última Assembleia.

Ontem, as Nações Unidas fizeram um post falando de 5 pontos muito frequentes em legislações nacionais sobre Big Techs e redes sociais que ameaçam os Direitos Humanos dos cidadãos. Não são pontos fáceis de perceber caso a caso, já que essas leis geralmente surgem como resposta a um abuso específico. É muito útil, no entanto ter esses conceitos para pensar no que concentra poder nas mãos do Estado ou das empresas:

Leis sobre conteúdo online comprometem os Direitos Humanos com problemas semelhantes:
- Definição vaga do que é conteúdo ilegal ou perigoso
- Regulação terceirizada para empresas
- Ênfase exagerada na derrubada de posts e prazos irrealistas
- Falta de supervisão judicial sobre derrubada de conteúdo
- Confiança exagerada em Inteligência Artificial

O primeiro ponto, a definição vaga do que é conteúdo ilegal ou perigoso, está no centro de praticamente todas as confusões envolvendo postagens. É prática comum definir com palavras bonitas ou fortes o que deve ser incentivado e proibido. Mas, na prática, não é isso que se faz. Implementa-se um controle de vocabulário, por exemplo, dizendo que impedirá extremismo sem que impeça.

A prática terá duas consequências. A primeira é de que ainda haverá extremismo nas redes, já que o método implementado para a contenção não tem nenhuma comprovação de sucesso. A outra é de que conteúdo lícito será derrubado e trará prejuízos a alguém, indo desde a interferência em sua liberdade de comunicar até impacto nos ganhos financeiros. Ações virtuais têm consequências no mundo real.

Não há dúvida de que as Big Techs têm muito poder e, por outro lado, estados ditatoriais que as proíbem também concentram poder demais. Talvez o equilíbrio seja sempre olhar para como deixar o poder nas mãos dos cidadãos e compensar de forma justa quem tem algum prejuízo. Na ânsia de regular redes sociais, já vimos todo tipo de proposta estapafúrdia surgir por aí, a questão é que elas todas têm consequências para todas as pessoas na vida real.

O lado bom é que tantos casos anedóticos acabam atraindo a atenção das pessoas e, pouco a pouco, vão surgindo novas formas de entender o nosso relacionamento no cyberespaço. Na minha opinião, a perspectiva financeira já aceita pelo Judiciário de São Paulo é uma linha de abordagem que deve se manter em diversos países, vários já a adotam.

Sinceramente, eu nem sei se tem uma resposta pacífica para a pergunta: pode o Facebook derrubar o vídeo e desmonetizar o canal alegando nudez sendo que não teve nudez? Certo não é porque é mentira, mas trata-se de uma plataforma privada. Talvez esse caminho seja sem saída. Mas é pedagógico ensinar que, com ou sem direito, quando se causa dano a alguém se deve ressarcir. Talvez o próximo passo seja conscientizar de que os donos dos dados somos nós, os cidadãos, não as redes.

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