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“É terrível”, diz autor do International Trade Barrier Index sobre o Brasil
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O debate sobre comércio internacional e barreiras comerciais é frequentemente feito com ideologia e voltado para a política entre os países. Os indivíduos e suas liberdades acabam sendo tratados como efeitos colaterais.

O think tank Property Rights Alliance (Aliança pelos Direitos de Propriedade), que já é conhecido pelo seu International Property Rights Index (Índice Internacional de Direitos de Propriedade), desenvolveu agora um novo trabalho, o International Trade Barrier Index (Índice Internacional de Barreiras Comerciais).

Ele elenca dados sobre medidas tarifárias e não tarifárias para 86 países, gerando um ranking e mecanismos de comparação de dados entre os países. A amostra representa 94% do PIB mundial e 91% de todo o comércio de mercadorias e serviços.

Os líderes do comércio livre são Hong Kong e Singapura. O Brasil está na rabeira do ranking: 77 de 86 países.

Philip Thompson, autor do International Trade Barrier Index, concedeu entrevista exclusiva à Gazeta do Povo
Philip Thompson, autor do International Trade Barrier Index, concedeu entrevista exclusiva à Gazeta do Povo

O que significa estar nessa posição no ranking? Exatamente para não falar de economia como se as pessoas fossem detalhes, procurei o autor do International Trade Barrier Index. Philip Thompson me concedeu uma entrevista exclusiva explicando o impacto desse índice econômico na vida da população.

Madeleine Lacsko - Há alguma relação do International Trade Barrier Index com desenvolvimento, liberdade ou qualidade de vida para os cidadãos?

Philip Thompson - Sim! Países com menores barreiras comerciais experimentam mais liberdade e prosperidade enquanto aqueles com barreiras mais altas tendem a ter maiores taxas de corrupção e abusos contra a imprensa. É por isso que fizemos o índice. Pessoas fazem comércio, não países. Frequentemente, números como déficit ou superávit e o que um líder disse a outro dominam as manchetes de negócios. São distrações. Política comercial deveria focar em reduzir barreiras comerciais entre pessoas comuns e negócios para que possam fazer o intercâmbio de produtos e serviços da forma como julgarem melhor. E, finalmente, nós temos uma medida que nos ajuda a ver essas barreiras e compará-la entre os países. Veja o gráfico de todas essas correlações. Nas ciências sociais, uma correlação de .50 ou mais alta é considerada robusta.

Correlações entre o International Trade Barrier Index e indicadores de desenvolvimento humano<br />
Correlações entre o International Trade Barrier Index e indicadores de desenvolvimento humano

Você acha que devemos remover todas as barreiras comerciais ou em alguns casos elas são necessárias?

Eu acho que nós deveríamos remover a maioria das barreiras comerciais, especialmente tarifas. Elas não deveriam ser removidas imediatamente, algumas podem ser necessárias para a segurança do consumidor ou para proteger o mercado de concorrência desleal. Mas, mesmo nesses casos, o protecionismo pode não ser a melhor resposta.

Todas as barreiras comerciais existem para proteger uma indústria doméstica que é vulnerável à competição internacional e acaba rendendo despesas adicionais para os consumidores e também para a indústria. No entanto, se a competição internacional ameaça demitir trabalhadores demais muito rápido ou é sustentada por um Estado - em vez de forças do mercado - as barreiras podem ser justificáveis. Ainda assim é difícil dizer se seriam necessárias.

Por exemplo, os Estados Unidos descobriram um processo de dumping nas máquinas de lavar da Coreia do Sul, vendidas a preços muito menores que as norte-americanas e implementou tarifa anti-dumping de 20% no primeiro 1,2 milhão de importações e 50% acima disso. Os economistas descobriram que isso resultou em preços mais altos para máquinas de lavar, secadoras e suas peças, gerando aumento de US$ 1,5 bilhão nos gastos dos consumidores e US$ 82 milhões em impostos para o tesouro dos Estados Unidos. A indústria norte-americana alega que a proteção a permitiu fazer crescer os negócios e abrir 1880 postos de trabalho. Se você dividir o gasto adicional dos consumidores pelo número de postos criados, cada emprego custou aos consumidores US$ 878.888,00.

Esses 1880 empregos valem o custo de US$ 1,5 bilhão para os consumidores? Eu penso que não. Devo acrescentar ainda que o CEO da empresa norte-americana que mais se beneficiou recebeu um bônus extra de US$ 500 mil "pela sua performance" em 2018. Para onde teria ido esse dinheiro e quantos empregos teriam sido criados se o governo não tivesse decidido que era necessário proteger alguns trabalhadores que fazem máquinas de lavar?

Uma alternativa que eu prefiro - e diria que muitos economistas também - é simplesmente identificar quais são os postos de trabalho em risco devido a competição internacional e oferecer um subsídio para retreinar o empregado para uma função em que ele tivesse mais vantagem competitiva.

Atualmente, o Brasil tem cerca de 71 barreiras anti-dumping parecidas com essa. Alguns produtos que o mercado brasileiro protege com essas medidas: ventiladores de mesa dos Estados Unidos, União Europeia e China; resinas da Índia e Coreia; batatas congeladas da União Europeia; tubos de aço da china; leite em pó do Reino Unido e Nova Zelândia. Não é a lista completa dos países a quem o Brasil impõe essas medidas, apenas alguns que eu achei muito interessantes.

Qual é a nota que reflete um país em boa situação e quais as vantagens que remover barreiras comerciais pode trazer a um país?

No International Trade Barrier Index, uma nota 1 indica o menor uso de barreiras comerciais e uma nota 10 o mais alto uso.

Remover barreiras tem vantagens fantástica para a sociedade e os indivíduos. Permite a competição, incentiva a especialização e encoraja a inovação. O livre comércio permite que cada indivíduo foque seus talentos nas coisas que trazem maior benefício para ele e que também são valorizadas no resto do mundo. Países que liberalizaram seus regimes de comércio - especialmente os tigres asiáticos: Hong Kong, Singapura, Coreia do Sul e Taiwan - viram um crescimento fantástico do PIB, do salário médio per capita e quase erradicaram a pobreza. Hong Kong e Singapura são exemplos expecialmente bons porque não têm recursos naturais próprios. Eles conseguem importar componentes e transformá-los em microchips com valor agregado para o mercado global de tecnologia.

Remover barreiras comerciais são sempre decisões de um único país ou às vezes é necessário negociar regionalmente?

Idealmente, um país removeria barreiras unilateralmente. Frequentemente, isso é politicamente impossível porque os trabalhadores que são protegidos por barreiras tendem a votar mais do que a ampla população que se beneficiaria da regução de barreiras. A forma realista de remover barreiras é por meio de negociações em que os países podem dar acesso ao seu mercado (removendo barreiras) em troca de que o outro país também o faça. Dessa forma, é uma boa notícia ver o Brasil levar a sério as negociações comerciais com a União Europeia e os Estados Unidos.

Como você descreveria o panorama brasileiro? Por que o Brasil está tão baixo no ranking regional? Quais você considera que seriam as principais medidas para reverter a situação?

O ambiente de negócios no Brasil é terrível. O Brasil é a oitava maior economia do mundo, tem uma grande base industrial e é o lar de uma população talentosa e educada, mas as barreiras comerciais mantém o Brasil e seu povo fora da economia globa. Brasil é o 77o de 86 no índice. As maiores barreiras são em forma de tarifa. A tarifa média é de 13%, o que já é alto, mas a tarifa mais comum é a de 35% - e somente 5% das categorias são livres de impostos.

As administrações passadas no Brasil implementaram uma política de substituição de importações que é completamente ultrapassada e já se comprova que não chega nem perto do volume de benefícios que seriam gerados por uma política liberalizante de livre mercado. O país usa altos muros comerciais para manter seu enorme mercado refém e atrair empresas estrangeiras a se mudar para o Brasil, contratar trabalhadores brasileiros e "partilhar" propriedade intelectual. Não há muitas que queiram fazer isso. Isso torna os produtos mais caros e há um limite para o "crescimento" que se pode experimentar quando os produtores domésticos só podem produzir para seu país de origem.

Um exemplo é o setor de telecomunicações, em que leis atrasadas limitam a propriedade de estrangeiros, impõem cotas de programação local, pagamentos extraordinariamente altos de royalties e até a lei que separa produtores de distribuidores. Nós estamos vivendo na era da internet, em que a tecnologia embaçou esses limites. Essas leis impedem biliões em investimentos criando um ambiente de regulamentação imprevisível e limitando as escolhas de consumidores brasileiros.

Outro exemplo é o setor automobilístico. Países com economia aberta fazer parte da cadeia produtiva fazendo autopeças, importanto e exportando um ao outro as peças várias vezes até que se faça um carro completo. A competição intensa entre países que consomem carros incentiva a produção local e os inventores podem desenhar inovações que os coloquem na nova geração: Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Coreia do Sul e Canadá. As tarifas brasileiras são proibitivas, o país tem de depender de empresas estrangeiras que venham ao Brasil e façam carros apenas para o Brasil usando o design e as inovações do exterior. O México, que é parte da cadeia global de suprimentos e o 58o no International Trade Barrier Index, exporta 6% dos carros no mundo enquanto o Brasil exporta menos de 1% e quase tudo só para a Argentina.

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