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Entenda como um rapper e as redes sociais mudaram a dinâmica do terrorismo
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Ontem, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime anunciou uma reformulação da política internacional para requisição e compartilhamento de provas e evidências em meio eletrônico. O treinamento dos especialistas de 45 países membros começa amanhã e a mudança foi feita para combater o terrorismo. Um dia depois, a França registra mais um ataque terrorista do estilo lobo solitário, o mais comum da internet em grupos radicais de dois tipos específicos: islâmicos que atacam na Europa e fanáticos políticos que atacam nos Estados Unidos.

"As táticas online de grupos terroristas e do crime organizado evoluem a um ritmo alarmante, ameaçando a proteção e a proteção de civis e plataformas de provedores de serviços online. O que resta em seu rastro é um rastro de evidências eletrônicas usadas por funcionários da justiça criminal encarregados de responder em nível nacional e internacional", diz o comunicado de ontem da UNODC. O projeto de treinamento em práticas concretas de rastreamento e combate de grupos terroristas é financiado pelo governo do Japão, que enfrenta problemas com grupos do Sri Lanka.

A evolução da internet tornou a ação do terrorismo necessariamente transnacional e, até hoje, só desenvolvemos mecanismos de punição com lógicas nacionais. Quem impõe as leis e controles o faz dentro da ideia de nações soberanas, mas os terroristas se aproveitam da oportunidade de estar em várias nações e em nenhuma ao mesmo tempo. É um desafio que se repete na política e na economia.

Na área do extremismo islâmico, que é a que promoveu o ataque de hoje, os pioneiros em recrutamento de jovens ocidentais via internet e no uso das redes sociais para maximizar os efeitos do ataque são os terroristas do ISIS. Durante anos, apesar da pressão de diversas autoridades da Europa e do governo dos Estados Unidos, Twitter, Facebook, YouTube, WhatsApp e Telegram funcionaram como bases ativas de recrutamento de jovens ocidentais com problemas sociais. Também foram importantíssimas para maximizar o efeito dos ataques, difundindo rapidamente para o mundo vídeos gravados e até mesmo ataques ao vivo.

O uso das redes sociais para recrutamento de terroristas e transmissão de atos terroristas persiste até hoje, sempre com tranca colocada após o arrombamento do portão. Desculpa após desculpa, é complicado entender por que as plataformas são tão eficientes cumprir leis e as próprias regras em direitos autorais e mamilos mas falham sistematicamente nos grupos extremistas de todos os tipos.

O primeiro atentado terrorista islâmico transmitido ao vivo foi em 2013, na Somália, pelo Al-Shabaab, uma espécie de braço da saudita Al-Qaeda. Quatro terroristas entraram num shopping de luxo em Nairobi e começaram a atirar em todos que viam pela frente, resolveram fazer a live pelo Twitter bem na hora em que jogaram as granadas. As contas foram imediatamente desativadas, mas os mesmos terroristas conseguiam criar outras quase instantaneamente e, dessa forma, o porta-voz da Al-Shabaab falava o tempo todo para o mundo. Foi aí que o uso das redes sociais pelo terrorismo começou a chamar a atenção dos altos postos das Forças Armadas em todo o mundo.

Naquela época, por volta de 2014 e 2015, o Twitter derrubou várias contas relacionadas ao ISIS e o então CEO disse que haviam tentado matá-lo por causa disso. A empresa decidiu criar novas regras próprias para o uso da plataforma, que é privada:

Violência e ameaças: você não pode publicar ou postar ameaças de violência contra outras pessoas ou promover a violência contra outras pessoas.
Uso ilegal: Você não pode usar nosso serviço para quaisquer fins ilegais ou em promoção de atividades ilegais. Os usuários internacionais concordam em cumprir todas as leis locais em relação à conduta online e conteúdo aceitável.

Claro que a empresa jamais fez com que a própria regra fosse cumprida, é uma ação de marketing apenas. Regras feitas para serem cumpridas são objetivas e não têm conceitos altamente subjetivos como "aceitável" e "promover a violência". Em 2015, o grupo de hackers Anonymous começou a derrubar as contas do ISIS que permaneciam ativas no Twitter e no Facebook.

A novela segue até hoje, seguida de perto por inúmeros governos no mundo. No ano passado, por exemplo, o Congresso dos Estados Unidos descobriu que as redes sociais faziam muito mais do que fingir que não viam as páginas dos extremistas islâmicos, vendiam serviços para eles como se fossem negócios comuns. O mais famoso é as "páginas autogeradas", que deram encrenca ano passado. Se muitas pessoas, interligadas de alguma forma, postam sobre sua área de negócio, o Facebook pode criar uma página automaticamente com aquele conteúdo para promover o networking e você ter acesso aos perfis.

No ano passado, descobriram que a Inteligência Artificial do Facebook tinha criado automaticamente as páginas e grupos "University Master Bin Laden", "School Terrorist Afghanistan" e "Al Qhaidah". A empresa disse que não está mais oferecendo o serviço para terroristas. Este ano, descobriram que os terroristas do ISIS aprenderam a "sequestrar" contas normais para formar grupos, que continuam ativos no Facebook.

O rapper que mudou a cara do terrorismo mundial

O uso estratégico das redes sociais fez com que o ISIS conseguisse recrutar 40 mil ocidentais de 110 países diferentes, o que mudou completamente a forma de atuação do terrorismo islâmico no mundo. Desses recrutados, 3 mil largaram suas famílias para se juntar aos jihadistas no território controlado pelo Estado Islâmico. Os grandes atentados, como os de 11 de setembro, que envolvem grande planejamento e muitos terroristas têm se localizado mais em países de maioria muçulmana na África, Ásia e Oriente Médio.

Os jovens ocidentais convertidos e radicalizados passaram a ser peça fundamental do terrorismo islâmico na Europa desde 2010. Curiosamente, na mesma década deixam de ocorrer atentados de terroristas islâmicos nos Estados Unidos, a preocupação passa a ser extremismo político e neonazismo. No entanto, o perfil dos envolvidos e a forma de agir se parece de forma perturbadora e isso tem relação com a forma de recrutamento.

Pode ser que tenha existido em algum momento da história o envolvimento de ocidentais com terrorismo islâmico mas, até o surgimento do ISIS, jamais se pensou em algo desse tamanho e com tanta facilidade de recrutamento nos países de origem dessas pessoas. A situação se agrava porque a realidade se torna tão bizarra que as pessoas passam a tentar se proteger da forma errada. Enquanto uma fatia enorme dos europeus se preocupa apenas com diferenças dos estrangeiros, esquece que o inimigo pode estar dentro de casa, o jovem desajustado.

Os países democráticos costumam valorizar a liberdade de expressão e, por isso, qualquer debate sobre redes sociais acaba invariavelmente voltando-se para o conteúdo do que é dito. Organizações terroristas aproveitaram esse erro estratégico para expandir seus tentáculos pelo ocidente. Quando se fala em islamismo, nazismo ou extrema-direita, as principais bandeiras dos terroristas desde 2010, não se trata da defesa das ideologias.

É sempre um mesmo perfil o recrutado e ele pode se encaixar em qualquer discurso desde que lhe sejam oferecidas possibilidades que não tem por ser desajustado: ser notado, ser ouvido, exercer poder sobre os outros, sentir-se superior. Pelas redes sociais, qualquer grupo radical pode filtrar esses alvos e chegar até ele. É óbvio que ninguém vai chegar num delinquente juvenil inglês falando "e aí, vamos adorar Allah e explodir umas igrejas?". Tudo começa com uma fantasia de justiça social e é por isso que regular conteúdo dos discursos não funciona.

O grande mestre do recrutamento de ocidentais para o terrorismo islâmico é o rapper alemão Deso Dogg, que sumiu na Síria e suspeita-se que esteja morto desde 2018. Ele é filho de um refugiado de Gana com uma alemã e começou a ter problemas quando os pais se divorciaram e a mãe se casou com um oficial do Exército dos Estados Unidos. O contato com a religião não tem nada a ver com a família, é influência do amigo alemão Pierre Vogel, boxeador falido e líder islâmico caracterizado ora como extremista e ora como um misto de muçulmano e nazista.

Depois que começou a ter conflitos sérios com o padrasto, Deso Dogg acabou no sistema penitenciário juvenil da Alemanha por uso de drogas e envolvimento com gangues locais. Começou a carreira musical aos 20 anos de idade e logo se associou a rappers ligados à criminalidade. Também se juntou a uma gangue de imigrantes turcos que se envolviam em conflitos raciais violentos e referia-se a ela como se sempre tivesse sido do grupo, um vínculo inquebrantável. Continou cometendo crimes, primeiro foi condenado ao regime aberto e depois acabou preso.

Quando saiu da cadeia, Deso Dogg retomou a carreira musical e conseguiu um contrato numa gravadora. Não durou um ano. Pediu demissão e saiu falando aos jornais que precisava manter sua independência artística. Anunciou o lançamento independente de seu último trabalho, sentia-se traído e estava muito desiludido com a comunidade rapper. Entre o anúncio e o lançamento passaram-se dois anos, período em que o rapper ganhou um papel numa série de TV.

A grande virada na vida de Deso Dogg foi quando o coquetel de fracassos, crimes e drogas em que ele vivia mergulhado resultou num acidente de carro e uma experiência de quase-morte. Foi amparado pelo amigo Peter Vogel, pregador islâmico alemão que descobriu a religião após tentar ser boxeador e encerrar a carreira com 7 lutas e 7 derrotas. Ele convenceu o rapper a se converter. É esse o perfil do homem que assumiu a propaganda do ISIS.

O rapper juntou-se ao Estado Islâmico em 2012 e foi declarado terrorista internacional pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos que, naquela época, já o identificava como um tipo novo e perigoso de recrutador de jovens ocidentais. Um ponto importante para recrutar jovens desajustados é conhecer a cultura deles e saber seus amores, ódios e anseios. Até aquele ponto, o bando de extremistas islâmicos com uma vida quase medieval tinha dificuldades de engendrar uma máquina de propaganda eficiente. A aquisição de um rapper famoso e delinquente juvenil foi crucial.

Mais uma vez o segredo não está no conteúdo, mas na forma, distribuição, origem e frutos. Não se recruta extremistas tentando mudar a cabeça de um jovem desajustado. Se isso fosse possível, ele já teria se ajustado à sociedade onde vive. O recrutamento começa utilizando referências culturais que ele já tem, seja refazendo memes famosos, utilizando a estética de filmes de ação ou clipes musicais e jamais dizendo claramente o objetivo perverso da ação. A mensagem tem de ser muito virtuosa, uma grande oportunidade, uma mudança em tudo isso o que está aí. O jovem desajustado só sabe o que não quer, não vê um palmo adiante do nariz quando substitui algo que não está bom por algo que é o fundo do poço.

Como os terroristas se passam por bonzinhos nas redes

Nós crescemos com a ideia de democracia, então pensamos no conteúdo do que é dito, a informação, a livre expressão. Terroristas e regimes autoritários são pragmáticos e não se importam com o que é dito, mas com o resultado daquilo. É a partir dessa premissa que são montadas as máquinas de propaganda, algo muito diferente de publicidade. Propaganda é manipular as emoções das pessoas para fazer com que elas tomem as atitudes que o manipulador pretende.

Como atrair um jovem desajustado para algo muito pior do que a vida difícil dele? Não importa a ideologia ou a religião, o necessário é oferecer duas ideias: propósito e pertencer a um grupo. No caso específico do ISIS, a conversa é sobre valores, família e heroísmo. "A imagem ampla dada pelos jihadistas estrangeiros sugere camaradagem, boa moral e atividades com um propósito, tudo misturado com um senso de heroísmo sutil, projetado para atrair também os amigos, bem como para aumentar a autoestima do alvo", explica Husna Haq, correspondente do The Christian Science Monitor.

Entre os jovens recrutados também pode haver aqueles de famílias muçulmanas, principalmente no caso das meninas. Mas a religião não é o ponto principal, o mais importante é o desajuste social e a falta de vínculos. A partir daí, com técnicas de propaganda que são clássicas e ganham muita força caso sejam contratados os serviços das redes sociais, é possível recrutar jovens para fazer qualquer loucura extrema. Sempre houve jovens propensos a aderir às piores coisas no mundo, a preocupação atual com o terrorismo é a possibilidade de recrutar a distância e a disseminação de ataques do tipo "lone wolf", em que a pessoa age sozinha.

A ida de um rapper para o braço de propaganda do Estado Islâmico fez com que todas essas ideias passassem a ser condensadas em vídeos na linguagem que o jovem ocidental já conhece. O importante é estabelecer o vínculo e tentar mostrar-se sempre "diferente de tudo o que está aí". Como o alvo é gente desajustada, eles estarão bem bravos com qualquer coisa que esteja perto deles, seja a família, os estudos, os amigos, o mundo. Ele passa a entender que encontrou uma solução para suas angústias, o "diferente de tudo o que está aí". No caso concreto, o ISIS.

Um estudo produzido pela Universidade de Baltimore em 2015 sobre as técnicas de mídias sociais utilizadas pelos terroristas para recrutar crianças compara os métodos deles aos dos predadores sexuais. "O processo de preparação usado pelo ISIS no recrutamento de adolescentes pela Internet é análogo ao táticas usadas por predadores online. Um pedófilo ganha a confiança da vítima ao longo do tempo e persuade a vítima para manter o relacionamento em segredo. Quando chega a hora ele convence a criança a deixá-la família e junte-se a ele. O processo é idêntico na radicalização pelo ISIS.", explica Lisa Blaker na análise sobre o uso das mídias sociais pelo Estado Islâmico.

Enquanto a maioria dos cidadãos de países democráticos perde tempo debatendo conteúdo em rede social, o importante para os extremistas políticos e religiosos é a possibilidade de criar vínculos com adolescentes problemáticos de forma que as famílias não percebam. Os limites morais são quebrados pouco a pouco, até que um dia eles defendem o vídeo em que o rapper extremista aparece com uma cabeça decepada na mão.

Aproveitar-se das fragilidades da alma humana é um método tão poderoso que funciona também com adultos, todos nós sabemos. A última esposa do rapper Deso Dogg tem uma dessas histórias com as quais não se encontrará ficção capaz de competir. Omaima Abdi, de 34 anos, foi condenada à prisão em julho, depois de descoberta pela imprensa vivendo tranquilamente em Hamburgo como planejadora de eventos.

De origem tunisiana-alemã, Omaima era uma mulher liberal e festeira, de vida pacata. Casou-se e teve uma filha. Depois do primeiro divórcio é que se interessou pelo islã, convencida pelo segundo marido, com quem criou um serviço que era uma espécie de "noivas estrangeiras para o Estado Islâmico". Um dia, eles resolveram se mudar com as 3 crianças para a Síria e viver no território do Estado Islâmico. O marido, nascido na Alemanha, não durou dois meses, morreu lá e ela ficou sem dinheiro.

Deso Dogg, interessou-se pela viúva. Casaram em 2015. Em 2018 houve um ataque aéreo norte-americano na Síria e acredita-se que ele tenha morrido. Ninguém mais falou sobre a viúva, geralmente elas ficam dentro do grupo. Mas Omaima conseguiu voltar com os 3 filhos para a Alemanha e viver normalmente até ser encontrada por uma repórter investigativa que resolveu ir atrás dela desde a Síria. Foi condenada por escravizar uma menina yazidi, portar uma kalashnikov em casa e não cuidar os próprios filhos.

Talvez só pessoas evidentemente problemáticas e desajustadas sejam manipuladas por máquinas de propaganda, certo? Errado. A primeira esposa do rapper que se tornou o Goebells do Estado Islâmico era tradutora do FBI com altíssimo nível de acesso a informações sigilosas sobre terrorismo, membro das Forças Armadas dos Estados Unidos e mestre em História, Daniela Greene.

Contratada pelo FBI com altíssimas recomendações acadêmicas, foi incluída no seleto grupo que monitorava e se comunicava diretamente com os chefões do ISIS. A tarefa específica de Daniela Greene era manter contato com o próprio rapper Deso Dogg por Skype. Isso é feito com contas monitoradas com altíssima tecnologia. Em um determinado momento, ela passou a usar uma outra conta, não rastreada, para falar a sós com ele. Quando tirou férias, informou aos superiores que iria visitar os parentes na Alemanha. Na verdade, foi à Turquia, atravessou a fronteira e casou-se com o Goebbels do ISIS.

O casamento durou poucas semanas mas, ao contrário do que acontece com a quase totalidade das noivas estrangeiras, ela não foi assassinada. Conseguiu, inclusive, pegar seus documentos e voltar aos Estados Unidos onde se apresentou voluntariamente às autoridades e se declarou culpada. Recebeu 2 anos de pena, cumpriu integralmente e depois arrumou um emprego como recepcionista de um hotel na cidade onde fica a penitenciária.

As apostas para enfrentar a máquina de propaganda terrorista

A UNODC, com o "Manual de orientação prática para auxiliar prestadores de serviços com solicitações de provas eletrônicas no exterior", pretende atualizar protocolos de troca de informações a agilizar disputas que se tornam intermináveis se ficam pendentes a todo tempo de decisões judiciais de diversos países.

Hoje, o sistema foi apresentado numa reunião online de experts que reuniu 45 Estados-membros da ONU, organizações nacionais e internacionais e provedores de serviços. Os protocolos foram apresentados por especialistas da UNODC, representantes do Comitê de Contra-Terrorismo das Nações Unidas e oficiais da Europol. A plataforma tem formulários padrão de pedidos de cooperação internacional já adequados às legislações dos países-membros e uma nova ferramenta de mapeamento de provedores de serviço, mais abrangente. Amanhã, será a vez dos participantes apontarem eventuais necessidades de ajustes, com base na experiência.

Os provedores de serviço já têm um conflito entre dois tipos de legislação internamente em cada país: a criminal e a de proteção de dados. O ponto de equilíbrio, que ainda não tem receita pronta, é um dos principais desafios do tempo em que vivemos.

“Para combater o terrorismo e outros grupos criminosos organizados que exploram novas tecnologias, é fundamental que todas as partes interessadas, tanto públicas como privadas, trabalhem em conjunto para ajudar a aplicação da lei a recuperar o atraso”, diz o Chefe do Escritório de Prevenção do Terrorismo da UNODC, Masood Karimipour. Não adianta nada que todos os países se esforcem em produzir legislação adequada e treinar funcionários públicos para enfrentar o terrorismo digital se as empresas provedoras de serviço não estão preparadas para responder.

Um dos pontos principais do combate ao terrorismo, segundo a UNODC, é incentivar nos provedores a liberação de dados voluntária e emergencial. Isso depende também de capacitar autoridades para analisar a necessidade e a proporcionalidade das demandas. Sem esse ajuste, as questões acabam judicializadas e os criminosos se beneficiam do tempo necessário à análise do caso.

O enfrentamento ao terrorismo, ao crime organizado e à radicalização tem de ser feito por aqueles que têm condições de fazer isso, os governos. E, embora pareça que nada esteja andando, muito está sendo feito diariamente no mundo todo. Nós, inclusive, começamos a caminhar bastante sem perceber. Se você pensar em perspectiva, vai ver o quanto progrediu nos últimos anos no que há de mais importante para um cidadão nessa batalha, entender como funcionam as plataformas e as máquinas de propaganda. É o conhecimento que nos liberta, individualmente e coletivamente.

Pense lá atrás, vamos a 2013, as passeatas do "não é pelos 20 centavos" e o invariável desfecho da "invasão por uma minoria de vândalos", que eram os black blocks. Lembra do tanto de conversa mole que a gente acreditou? O tanto de briga desnecessária em que entramos? Aposto que hoje você automaticamente ignora aquele tipo de conversa mole e foge daquele tipo de briga porque aprendeu como funciona. A vida traz tanto problema maior que a gente não percebe essa evolução.

Quanto aos terroristas em si, não somos totalmente impotentes. Precisamos saber que hoje eles podem ser de várias religiões, nacionalidades, idades e níveis sociais. A maldade também foi democratizada. A melhor contribuição que cada um de nós pode dar é não deixá-los famosos e não propagar as palavras de ordem deles, cada um no seu alcance. Não compartilhar e falar com família e amigos para jamais compartilharem as fotos, os nomes verdadeiros e os bordões dos que cometem atentados. Se a gente não tem poder de acabar com a máquina de propaganda deles, pelo menos pode se recusar a trabalhar de graça nela.

Este é um aprendizado muito recente para todos, até para as autoridades internacionais de terrorismo e contraterrorismo. Todos nós crescemos vendo esses nomes e rostos expostos à execração pública e também para ajudar a identificar ramificações ainda ocultas de grupos terroristas. Isso funcionou até eles encontrarem na tecnologia a possibilidade de se vitimizar, fingir virtude e, mesmo à distância, ganhar a confiança daqueles mais frágeis nas sociedades ocidentais sem que as famílias se dêem conta.

A maioria das pessoas vê como derrota e vergonha ter o nome e a imagem associados a uma carnificina em nome de uma causa perversa. Na moral distorcida dos terroristas, isso é a glória suprema. Segundo o FBI, em 96% dos casos eles produzem vídeos ou textos para ficar conhecidos e em 92% deles já haviam falado de sua ideologia a alguém.

Como, na última década, o terrorismo nos Estados Unidos passou a ser majoritariamente ataques individuais de nacionais norte-americanos, o FBI fez um estudo sobre as características comuns de todos esses criminosos, desde 1972. Assim, foi possível desenhar o novo retrato do terrorismo, não mais atrelado necessariamente à reunião física de pessoas.

Alguns dos principais dados:
- 83% já tinham publicamente tido comportamentos hostis e agressivos.
- Em 25% dos casos, pelo menos uma pessoa já sabia que o terrorista estava pesquisando, planejando ou preparando um ataque.
- Em 20% dos casos, pessoas que conviviam com o terrorista já haviam procurado a polícia preocupadas com a forma como ele estava lidando com convicções políticas, religiosas ou frustrações.
- Em todos os casos, as pessoas que conviviam com o terrorista já estavam muito preocupadas com o comportamento dele antes do ataque.
- 25% dos terroristas já haviam sido formalmente diagnosticados com um ou mais distúrbios psiquiátricos antes do ataque.
- 13% receberam o diagnóstico formal depois do ataque.
- Em quase todos os casos, as vítimas escolhidas tinham nenhuma ou mínima segurança.

Tanto nós, da imprensa, quanto todos os cidadãos convivemos diariamente nas mesmas plataformas em que essas máquinas de propaganda operam. Muitos de nós ficam com a sensação de que é uma dominação inevitável ou de que não há o que fazer contra isso. Não é o que dizem os grandes estudiosos do tema. Para eles, a humanidade se encontra em um ponto de virada. Nos deslumbramos com a tecnologia, fomos aproveitando todas as maravilhas que ela nos trouxe e demoramos a perceber que as piores pessoas do mundo também acharam a tecnologia maravilhosa.

Agora é aprender a não nos iludir quando ouvimos exatamente o que queremos e não nos deixar levar pelos métodos de propaganda clássicos, aplicados em larga escala. A tecnologia sem dúvida nenhuma trouxe imensos progressos para toda a humanidade e continuará trazendo. Isso depende, quem diria, de valorizar e fortalecer as famílias e as relações humanas para acolher e proteger os mais frágeis em cada sociedade.

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