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Golpes aumentam na internet com a pandemia
Criminosos se aproveitam do aumento das transações virtuais por causa da pandemia.| Foto: Pixabay

Polarização política, discursos lacradores e bravatas podem servir para ganhar eleição, mas não adiantam nada para governar. A movimentação do Brasil na regulamentação de crimes cibernéticos é um exemplo perfeito de como as ações mais importantes e decisivas para o país podem passar despercebidas no meio do caos da hiperinformação. Esta semana, o presidente Jair Bolsonaro tomou uma medida histórica no combate ao crime virtual e, curiosamente, quase nada se falou do tema.

O fenômeno dos não-fatos, documentado de forma pioneira por Daniel Boorstin na década de 60, tornou-se o nosso cotidiano. Aqui não falo apenas de redes sociais, mas também da imprensa. Deputados lacradores discutem o superficial e apressado projeto das Fake News apenas por razão de marketing. Sejam contra ou a favor, lançam-se como heróis em defesa da liberdade de expressão, jihadistas dos direitos individuais e coletivos. Boa parte do debate não guarda nenhuma relação com a realidade, mas continua fazendo muito sucesso.

Enquanto se fez um carnaval em torno de algo inócuo, o presidente atendeu uma demanda histórica do Ministério Público e encaminhou ao Congresso Nacional, para adesão, a Convenção contra o Cibercrime de Budapeste. Acabou a história de cometer crime virtual utilizando site hospedado no exterior ou serviços para mascarar o IP. Este deve ser o foco do Congresso Nacional.

Desde 2001, tanto promotores e procuradores quanto as diversas entidades que lidam com crimes cibernéticos e suas vítimas têm pressionado pela adesão à Convenção de Budapeste, um instrumento internacional completo, que prevê todos os detalhes técnicos de colaboração para rastreamento de criminosos em colaboração internacional. Uma das grandes dificuldades no combate aos mais diversos tipos de crimes é que leis são nacionais mas servidores e provedores de internet são mundiais. Este instrumento é a melhor solução para este problema até agora.

O Congresso Nacional já havia se mostrado favorável à adesão durante as discussões do Marco Civil da Internet, que duraram 3 anos e ouviram diversos segmentos da sociedade brasileira. Essa lei, na verdade, foi feita sob medida para que o Brasil adote a Convenção de Budapeste, já que disciplina as regras nacionais para que funcionem em coordenação com o disposto para a colaboração internacional. Fake News, estruturas de propaganda ilegal e máquinas de moer reputações são apenas uma ponta do crime cibernético. Os casos mais graves e que têm mais atenção das autoridades são os de pornografia e exploração sexual infantil, que explodiram após a chegada da internet.

Os crimes cibernéticos são divididos em 4 categorias básicas para efeitos internacionais: violação de segurança de redes, fraudes cibernéticas, pornografia infantil e violação de direito autoral. Trata-se de um instrumento muito mais eficiente e importante que a tal lei das Fake News, mas não dá para fazer bravata nas redes sociais. Aliás, a forma de classificar os delitos precisa ser válida internacionalmente para que se possa chegar a redes que usam servidores no exterior. Não se trata de um luxo, é o mesmo preço de usar servidores brasileiros e se pode adquirir de qualquer lugar tendo acesso à internet.

Outro grande problema da decisão tomada por Jair Bolsonaro na mensagem 412 é a desconstrução de mitagens e lacrações das narrativas tanto de seus apoiadores quanto de adversários. Quem decidiu aderir à Convenção de Budapeste foi Sergio Moro e o presidente deu continuidade ao processo iniciado pelo ex-ministro.

Já era uma demanda antiga do Ministério Público Federal, que foi levada adiante pelo ex-ministro da Justiça. Em julho do ano passado, o governo brasileiro manifestou interesse em aderir à convenção ao Conselho de Ministros da Europa que, então, fez o convite formal. Não é um processo simples, mesmo com a indicação vinda do Congresso Nacional e todos os pareceres de promotores e procuradores.

Tratados internacionais, quando entram na esfera de Direitos Humanos, podem ter valor equivalente a emendas constitucionais. Quando não têm, adquirem status de lei ordinária. Neste caso, em que se fala de dignidade e direitos de personalidade, o Congresso Nacional pode decidir pelo processo de votação em dois turnos por cada casa. Se aprovado por 3/5 dos membros, ganha força de emenda à nossa Constituição Federal.

Sergio Moro contou com pareceres da Polícia Federal e do DRCI, Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, ambos subordinados ao Ministério da Justiça, para propor uma espécie de força-tarefa para decidir se o Brasil iria ou não solicitar a adesão à Convenção de Budapeste. O trabalho envolveu o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, a Agência Brasileira de Inteligência e o Ministério Público Federal.

O único país europeu que não assinou a Convenção contra o Cibercrime de Budapeste é a Rússia. Irlanda e Suécia ainda não ratificaram. Fora da União Europeia, são membros: Argentina, Austrália, Cabo Verde, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Gana, Israel, Japão, Ilhas Maurício, Marrocos, Panamá, Paraguai, Peru, Filipinas, Senegal, Sri Lanka, Tonga e Estados Unidos. São 65 países ao todo.

Fosse pelo interesse do Brasil e dos cidadãos brasileiros, o Congresso Nacional agiria muito rapidamente para dar andamento à mensagem 412 do presidente Bolsonaro. Há, no entanto, diversos impeditivos. Como ficam os bolsonaristas que agora vivem de xingar Sergio Moro? Como ficam os lavajatistas que passam o dia postando meme do presidente Bolsonaro? Tem ainda o fato de que o texto não é nada emocionante, não dá nem para deputado nem para a máquina de superficialidade que povoou a imprensa fazer bravata em rede social. Espero que estes defeitos não prejudiquem a tramitação.

Uma vez eu estava conversando sobre personalidades públicas e redes sociais com a deputada Janaína Paschoal, as duas pensando em como melhorar. Olhando exemplos de pessoas que vão muito melhor que a gente nessa área, ela me dispara uma pergunta: "que horas esse pessoal trabalha?". Está aí a resposta. Quem trabalha pelo Brasil apresenta documentos e resultado, mas aparece menos que os bravateiros de plantão.

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