• Carregando...
Felipe Neto é a nova esquerda?
| Foto:

Durante muitos anos, a esquerda dominou o debate público no Brasil por ser majoritária em representação na imprensa, classe artística e universidades. Nas últimas eleições, no entanto, vimos uma reversão completa desta lógica com a popularização das redes sociais, o barateamento da tecnologia e a estrutura imbatível montada pela nova direita.

O novo palanque da política está nas redes sociais e, nelas, a dinâmica é diferente de tudo aquilo que os políticos tradicionais e os jornalistas já haviam visto. Até o momento, não há nenhuma força política no Brasil que tenha desenvolvido uma estratégia de comunicação mais efetiva do que o bolsonarismo.

No que se convencionou chamar de "nova direita" há inúmeras estratégias de comunicação muitíssimo bem sucedidas, tanto em partidos quanto em movimentos e atores políticos. A maioria surgiu a reboque de Jair Bolsonaro após sua aproximação com Olavo de Carvalho ou já tinha presença digital importante e, por isso, houve a atração para o grupo. Até o momento, as forças progressistas não produziram nada semelhante em disciplina, organização e eficiência.

Em 2014, João Santana, repórter brilhante que descobriu a história do Fiat Elba responsável por derrubar Fernando Collor, colocou seu talento a serviço da campanha de Dilma Rousseff apoiado por uma estratégia digital eficiente. O assassinato de reputação contra Marina Silva e o desengajamento moral da própria esquerda, que ainda hoje defende as mentiras espalhadas pela máquina eleitoral e digital, foram um protótipo do que veríamos anos depois.

O cenário criminal mudou o equilíbrio das forças políticas no debate público. Se, por um lado, a nova direita estava se agrupando e aprendendo, a esquerda perdia a hegemonia e via seus gênios da comunicação abandonarem o barco por vontade própria ou porque iam parar atrás das grades.

Sem estratégia, vemos mais do mesmo sendo repetido diariamente. A máquina bolsonarista nas redes sociais é disciplinada, metódica, focada em resultados efetivos e engajamanto. Aos progressistas, que ficaram com muitas estrelas vaidosas e poucos estrategistas, restou o engano de que o debate ainda pode ser feito sem disciplina, dependente apenas do discurso. Nas redes sociais tem sido um 7 x 1 por dia, com desdobramentos políticos evidentes.

A dinâmica das redes sociais é muito diferente daquela do debate político tradicional, já que é pautada pelos tais "algoritmos". Essas fórmulas não foram desenvolvidas para política e cidadania, mas para fazer anúncios de produtos direcionados ao público mais propenso a comprar, da forma que faria a venda mais provável, com base em como cada pessoa efetivamente se comporta. Num dado momento, mais precisamente na campanha de Obama, em 2008, houve uma percepção geral de que isso servia para a política.

A esquerda brasileira não percebeu a mudança de cenário e os progressistas continuam debatendo na mesma lógica de antes do uso das redes, principalmente do WhatsApp. Focam no discurso e em parecer virtuoso para o próprio grupo, esquecendo-se do que é necessário para falar a um público maior e engajar as pessoas nas causas. Uma habilidade importante neste cenário é saber utilizar ódio e ressentimento para engajar e disso o YouTubber recém-convertido ao progressismo entende.

Mesmo fora do poder, sem passado político e com um discurso de pouca profundidade, Felipe Neto conseguiu, a partir de fevereiro deste ano, engajar mais do que a máquina bolsonarista, até então a campeã incontestável do engajamento virtual em política.

Engajar não é o número de inscritos, likes ou retuítes, é algo além disso, uma análise que conta com todos os mecanismos e truques - como contas falsas e robôs - e avalia qual o real impacto nas decisões tomadas pelas pessoas reais, as que "compram" produtos e ideias dos políticos.

Segundo o Monitor Nuclear, uma ferramenta de medição de engajamento do Núcleo Jornalismo, Felipe Neto tem conseguido aumentar consistentemente sua presença nas discussões políticas. Exatamente em 12 de fevereiro deste ano, mesmo sem nenhum histórico político consistente nem cargo eletivo, o YouTubber ultrapassou o presidente Jair Bolsonaro em capacidade de engajamento no Twitter e continua subindo.

Mas as ideias dele representam a "nova esquerda"? Difícil saber. O que se convencionou chamar de "nova direita" é composto por pessoas que dizem textualmente ser liberais ou conservadoras sem agir como tal ou sequer ter ideia do que falam. Esqueçamos ideologia, aqui há uma mistura de política com marca, com branding. Disso Felipe Neto mostrou que entende bem, muito bem.

Ator talentoso - veja o especial dele na Netflix para compreender sobre o que eu estou falando -, foi preciso ao "dar o texto" no Roda Viva. Ali demonstrou não só sua influência mas sua capacidade de engajamento, ou seja, de levar seguidores a se comportar de determinada maneira a partir de uma ação simples.

Ao falar do impeachment de Dilma Rousseff, Felipe Neto escolheu com precisão falar em "golpe". Espere antes de opinar e observe o efeito: quantas pessoas com histórias sólidas na política estão debatendo este tema agora nas redes sociais? Estamos no meio de uma pandemia, milhares de mortos, sem Ministro da Saúde, uma criança assassinada em operação policial no Rio de Janeiro. Quem pautou os "influencers" da política? Não foi a realidade, foi Felipe Neto.

Obviamente tanto a esquerda tradicional quanto a esquerda caviar vão torcer o nariz para um YouTubber que até ontem eles condenavam pelo conteúdo do canal. Normal. Ninguém jamais será considerado bom ou puro o suficiente por algumas alas da esquerda brasileira. Mas é fato que ele tem uma capacidade de comunicação que os progressistas perderam e, mais importante, sabe falar com os jovens.

O jovem que começa a votar agora só tem memória e vivência do segundo governo de Dilma Rousseff adiante. Não viveu Figueiredo, Collor, FHC, Lula, nada disso. Pode até ter estudado, mas isso não faz parte da sua memória afetiva, não lembra as falas, as promessas, o clima das ruas. Para estes jovens, todas as falsas promessas em que já acreditamos podem ser repaginadas, vilões do passado podem se redimir. Eles só viveram períodos duros e governos em crise, não têm expectativas lá muito elevadas.

Qualquer que seja sua opinião sobre Felipe Neto, uma coisa é certa: a presença dele no debate político veio para ficar.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]